Cultura on-line faz bem para a mente, aponta pesquisa

Diminui o estresse, a ansiedade e tristeza, diz levantamento do Itaú Cultural e DataFolha

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  • Laura Fernades

Publicado em 2 de agosto de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Shutterstock

Sem shows ao vivo, sem cinema, sem teatro... A atividade artística foi a primeira a sofrer com a chegada da pandemia, todo mundo sabe, mas se engana quem acha que ela perdeu espaço. Ela não só ganhou força na internet – apesar do cansaço generalizado em relação às lives – como ajudou a melhorar a qualidade de vida das pessoas. 

É isso o que aponta a pesquisa Hábitos Culturais II, divulgada pelo DataFolha e Itaú Cultural. Mas antes de entrar em detalhes sobre o levantamento, vale citar a história de quem sentiu de perto o poder da arte na saúde mental. Diagnosticada com transtorno de personalidade, que causa eventuais ataques de pânico, a cientista social Maiara Pereira, 31 anos, viu na aula de dança on-line uma aliada importante.

Desafiada a enfrentar a quarentena longe da família, Maiara sabia que ficar parada não seria uma opção. Entre as estratégias para manter a sanidade mental, escolheu se manter em movimento com as aulas on-line e fez maratonas de filmes exibidos gratuitamente na internet por coletivos de cinéfilos. Cada semana buscava uma temática diferente: saúde mental, cultura árabe...

“Não acessei muitas lives de shows, porém vi muitos filmes e isso me fez muito bem”, conta Maiara. “E fiz aulas de dança tribal, me ajudou muito com a saúde mental. Às vezes a gente não está bem, não consegue falar, mas o corpo se expressa”, explica. Além disso, estar na sala de aula com as colegas, mesmo que virtualmente, “é muito bom porque a gente compartilha muita coisa: o que está sentindo, o dia a dia...”, enumera.

Acolhimento Maiara é só um exemplo que ilustra o resultado da pesquisa Hábitos Culturais II. As atividades on-line tiveram impacto positivo na saúde mental de 44% dos entrevistados, que realizaram ao menos uma delas ao longo dos últimos 12 meses. Já 48% dos que participaram da pesquisa disseram que a atividade cultural diminuiu o estresse e a ansiedade.

Enquanto 55% apontaram melhora no relacionamento com outras pessoas dentro da casa em que vivem, 49% perceberam a diminuição da solidão e 51% relataram a diminuição da sensação de tristeza. “A cultura provou, durante a pandemia, que é um poderoso espaço de acolhimento e de promoção do bem-estar social, com forte impacto na saúde mental dos indivíduos”, avalia Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.

Segundo Saron, os gestores públicos perceberam que arte e cultura vão além das questões de entretenimento. Além de “fazer a economia girar”, “acolhe as pessoas do ponto de vista da saúde mental”. “Investir em cultura é desenvolver um país do aspecto econômico e social. Esse é um debate qualificado sobre quem está decidindo sobre as verbas, além de gestores e produtores culturais”, convida.

Criatividade E por que a arte tem esse poder? Para responder a essa pergunta, a famosa frase de Ferreira Gullar de que “a arte existe porque a vida não basta” é citada pela musicoterapeuta, educadora musical e pedagoga Mariana Caribé. “A arte leva a gente a tocar uma dimensão que não está no cotidiano, a dimensão do sensível, da criatividade, da imaginação”, ressalta.

E nessa pandemia, continua Mariana, com as pessoas presas em casa, sem convívio social e sem poder ir aos shows, ao teatro e ao cinema, a arte começou a chegar nas casas por outras vias: as tecnológicas. “Apesar de não ser a mesma coisa, a arte teve esse poder de trazer saúde. Então a arte, em si, é terapêutica”, defende a doutoranda em Educação e Contemporaneidade pela (Uneb) e mestre em Saúde Coletiva (USP).

Isso acontece porque a arte “toca o ser humano onde ele está saudável: no poder da criação”, explica Mariana, que é idealizadora e fundadora do Grupo Corrupio – Música, histórias e brincadeiras para crianças. “Todo mundo tem o poder de fazer arte, não precisa ser um artista”, convida a também cantora, contadora de histórias e flautista, pesquisadora da cultura da criança, do brincar e da música da tradição oral da infância.

“O poder que a arte teve nessa pandemia de trazer o lugar de saúde, a gente viu o quanto foi importante. O mundo inteiro percebeu o poder da arte, de reconectar as pessoas com esse lugar da criatividade. É um lugar de saúde, de potência”, reforça. Além da dimensão individual e da dimensão cultural que aproxima as pessoas, a arte ajuda a lidar com as dores, defende.

Através dela, é possível elaborar os medos, as dores, as inseguranças trazidas com a pandemia, cita a educadora. “A partir de uma linguagem não-verbal, do lugar do simbólico. O poder da arte de ajudar na saúde mental, no meu entender, toca esses três pontos: a possibilidade da expressão, da ressignificação do simbólico; o poder cultural e coletivo; e o poder da criatividade que reside em todos os seres humanos”, resume.

“A arte está sendo uma grande aliada de todos nós nessa pandemia e achei muito interessante porque ela ganhou um lugar de maior visibilidade, de conexão com as pessoas. Importante ampliar essa ideia de que arte é para poucos. Ela está em nossa casa, está na gente, como está nos shows, no museu, na performance artística profissional. A arte é para todos”, conclui.