Curadora da Flip defende equilíbrio entre o novo e o consolidado

Em entrevista ao CORREIO, a jornalista baiana fala sobre os desafios de ser a curadora da maior festa literária do país

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  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 24 de dezembro de 2017 às 06:25

- Atualizado há um ano

Jornalista especializada em literatura, a baiana Joselia Aguiar assumiu a curadoria da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2017. Seu trabalho à frente do evento foi considerado inovador, o que levou a organização a convidá-la para assumir a função na próxima edição. Dentre os êxitos da sua curadoria, estiverem a pluralidade dos escritores e os temas debatidos. Tímida, porém assertiva nas suas colocações, a escritora, que lança no próximo ano a biografia de Jorge Amado pela Editora Três Estrelas, do grupo Folha - empresa onde iniciou sua carreira como repórter e, mais adiante, correspondente em Londres - conversou com o CORREIO esta semana: Depois de um elogiado trabalho este ano, a jornalista Joselia Aguiar segue como curadora da  Festa Literária Internacional de Paraty em 2018 (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Sua curadoria da última Festa Literária  Internacional de Paraty (Flip) foi elogiada pela pluralidade de autores e temas. Esse foi um dos motivos que levou a organização a convidá-la para a edição de 2018?

As pessoas gostaram dessa pluralidade, de ter mais autores negros, mulheres, pequenas editoras e eu diria que deu muito certo e por isso eles querem repetir. Também tão importante quanto isso foi termos colocado, de volta, mais literatura no programa. Nos últimos anos, a Flip teve discussões sobre política internacional, ciências, a maior parte das mesas era sobre temas gerais e a gente colocou poetas, romancistas, ensaístas e historiadores contando histórias, lendo livros de ficção, de não-ficção, fazendo performances, o que acaba sendo uma outra forma de discutir política, assuntos gerais.    

Você tinha a percepção de que a festa estava com uma pauta mais jornalística? Sim, então eu sentia que faltava essa maior participação dos autores, o que já vinha acontecendo em circuitos paralelos. Com isso a gente atraiu um público que gosta de ler, que está de alguma maneira envolvido com a literatura, gente mais jovem que se identificou com essa diversidade que estava sendo proposta. Isso foi uma coisa intuitiva sua ou uma demanda do mercado editorial? Eu tinha uma percepção por acompanhar o mercado literário brasileiro há muitos anos.Você acha que um evento como a Flip consegue formar, atrair novos leitores? O processo de formação de leitores é muito lento, muito amplo e  envolve muitos atores, biblioteca pública, escola etc e nós temos esse déficit no Brasil. O que acho que uma festa literária do tamanho da Flip, que tem muita repercussão, faz é colocar a literatura nos principais meios de comunicação, os autores nas primeiras páginas . Isso  gera interesse nas pessoas de conhecerem esses autores.  Joselia está escrevendo a biografia de Jorge Amado (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) O que você considera fundamental para se fazer uma festa literária?  Eu acho que é uma combinação de pessoas (autores) que sejam esperados e uma combinação de surpresas. Ou são pessoas muito novas que precisam ser apresentadas ou que são muito importantes, mas que não são  conhecidas, muitas vezes por não terem um trabalho muito comercial. A festa literária, apesar de ser um mercado editorial, ou seja, as editoras estão envolvidas nisso, os autores viajam porque querem promover os livros, mas ainda assim a gente tem que ter pensamento não comercial. A gente pensa assim: esse autor é muito importante, ele precisa ser apresentado, ele vende pouco, melhor ainda, é o momento de a gente mostrar para mais pessoas que ela é importante e que por isso precisa dar mais atenção a ela. Esse equilíbrio entre o novo e o consolidado. Na Bahia temos duas festas literárias de destaque: a Flipelô e a Flica, você acompanha esse movimento aqui? Eu assisti a última Flipelô e acompanho de longe a de Cachoeira. Acho que essas duas entraram nessa vibe de ter mais pluralidade mesmo, eu gostei muito do que assisti na Flipelô e do que acompanhei da programação da Flica.

O que você acha que falta nesses eventos locais, porque aqui tem que se concorrer com muita festa?

Aqui, a indústria da música sempre foi muito forte, então é mais do importante fortalecer eventos como esses, de ter mais outras festas literárias no estado, porque estamos atrasados, só começamos aqui por agora. Acho importante também o artista, o autor, ler sua própria obra,  ter alguém fazendo performance, alguma outra intervenção artística. Claro que isso gera mais custo, mas o autor ficaria mais contente, até porque existem autores extraordinários que não gostam de participar de mesas, de debater sua obra ou qualquer outro tema, são pessoas sensíveis, muitos são tímidos, então isso os ajudaria e daria mais movimento ao evento. O que você planeja de novidades para a próxima edição?

Acho que vamos ampliar as oficinas de literatura, com escritores, oficinas com mestres de tradução. A ideia é o público ir assistir, mas também ter momentos de formação. Outra coisa que devemos ampliar são as mostras paralelas. Já temos a de cinema e a ideia que tenhamos mostras de teatro também. Tudo sempre ligado ao tema. No caso da Hilda Hilst, que é a homenageada de 2018, ela tem muitas de suas obras adaptadas para o teatro. Hilda Hilst é a homenageada da Flip 2018, que acontece entre os dias  25 e 29 de julho (Foto: Divulgação) Como você chegou ao nome da Hilda?

Eu era estudante em Salvador quando ela lançou o Caderno Rosa de Lori Lamby, que é primeiro livro pornográfico dela e saíram matérias sobre uma grande escritora desconhecida, a comparavam a Guimarães Rosa e pensei: que escritora é essa, que eu conhecia e que não conseguia comprar seus livros, porque tava tudo esgotado e fiquei sempre com isso na cabeça. Quando eu estava editando a revista Entre Livros, a obra dela estava sendo relançada pela Editora Globo, que me enviou todos os livros e passei a ter contato com sua que considerei muito importante,mas a essa altura ela já estava morta. Como jornalista, eu procurei o pessoal do Instituto Hilda Hilst, a Casa do Sol, que era onde ela morava e fiz uma matéria para o jornal valor Econômico, de como a casa existia, cuidando da obra dela . Fiquei muito impressionada com a energia daquele lugar, com a presença dela ali e tal. E, assim como Lima Barreto, que foi o homenageado da edição passada, eu também faço conexão com ela e Jorge Amado. Os dois queriam ser autores em tempo integral, enquanto ela tinha um patrimônio herdado da família, ele tinha que ser um autor popular para viver da literatura. Ele tomou a decisão de ser escritor. No caso dele e da Hilda, tem duas dimensões bastante interessantes, a questão religiosa e a erótica. Teve ainda outra situação interessante que foi um encontro do Daniel Fuentes, que é o herdeiro da obra dela, que esteve lá na Flip, me abraçou, disse que tinha adorado e  brincou: o ano que vem tem que ser da Hilda. Ali eu não sabia que estaria de novo na curadoria, mas quando aconteceu e eu queria uma autora mulher, alguém que fizesse uma literatura diferente da do Lima Barreto e eu estou muito feliz com essa escolha. Você diz que Jorge Amado influenciou na escolha dos dois homenageados, então quer dizer que o autor baiano norteia sua curadoria na Flip?

(Risos) Acho que sim. E o fato de você ter ampliado em 30% a participação de autores negros na última edição, também tem a ver com Jorge Amado, com o fato de você ser natural de uma cidade que tem a maior população negra do país?

Sim, tem, tem. Eu estudei numa escola particular onde havia uma diversidade grande, ali a gente não fazia distinção entre negros e brancos, e foi nesse universo que me criei. Aqui estamos acostumados a essa pluralidade, em outros estados como São Paulo não é comum, mas para nós é. Eu não pensei num percentual, mas queria que os autores negros e mulheres estivessem presentes, de modo que fiquei diligente, porque se me distraísse o número de homens brancos, europeu ou americanos, seria muito maior porque as editoras sempre sugerem eles por serem mais vendidos, mais premiados etc. Então tive que ser diligente para fazer essa mistura necessária.  Joselia Aguiar é biógrafa de Jorge Amado; lançamento do livro está previsto para 2018 (Foto: Arquivo CORREIO) Você já tem nomes listados para a próxima edição? Já, mas não posso adiantar nada. O que posso dizer é que esta edição será completamente diferente da do Lima Barreto. Vamos rever formatos, começar quase do zero mesmo. 

Existe um assédio grande de editoras? Sim, as editoras querem dar visibilidade aos seus autores, mas é sempre muito sutil e nunca impositivo. Recebo livros, avalio, mas sou eu quem define quem vai entrar a partir do trabalho de pesquisa que faço, até porque acompanho esse mercado e sei quem é quem. É muito difícil listar apenas 40 autores de um universo tão grande, sempre vai ter alguém que é importante e que vai ficar de fora. Como você avalia o mercado editorial brasileiro hoje? Acho que tem crescido muito com o surgimento das pequenas editoras, de boa qualidade, que fazem edições com tiragens que se pagam, mas que tem revelado autores de grande qualidade.Voltando a Jorge Amado. Como é que surgiu essa biografia na sua vida? Eu estava na Folha de São Paulo, em 2011,fazendo a coluna de livros, e aí o Alcino Leite Neto, que estava fazendo uma nova editora para o Grupo Folha, a Três Estrelas, me encontrou no corredor e me perguntou se eu não queria escrever um livro, uma biografia. Tomei um susto. E quando ele disse que seria do Jorge Amado, eu questionei que todo mundo já sabia tudo dele. E ele tinha razão, como comecei a pesquisa vi que as pessoas sabiam muito pouco dele. Era, a princípio um projeto de curto prazo, um perfil, que foi rendendo e só agora está pronto para ser lançado em 2018.A família autorizou, ajudou?

Sim, autorizou, me deixou a vontade e me deu acesso ao acervo de cartas, coisas pessoais e tal. A Paloma (Amado) foi muito generosa me dando até o diário da irmã dela, já falecida, filha de Jorge com a primeira mulher, a Matilde. A menina morreu aos 15 anos de Lúpus. Então tive acesso a muita coisa interessante que conto em cerca de 500 páginas.E que revelações você fará? Há informações que se perderam ou que não foram reveladas como o fato de ele ter tentado se candidatar de novo a deputado em 1950. Ele tentou criar outro partido, já que o Partido Comunista teve o registro cassado, mas acabou que a legenda não foi aprovada. Alguma coisa mais íntima, não tem? Sim, tem uma passagem que eu conto, que não é descoberta minha não, mas que as pessoas talvez não saibam. Todo mundo sabe que ele teve uma primeira mulher, que era a Matilde, mãe dessa garota que morreu quando ele estava no exílio, mas as pessoas acham que a Zélia foi a segunda mulher dele, mas na verdade foi a terceira. O segundo casamento foi quando ele morava no Uruguai, se separa da Matilde e vai viver com uma mulher que se apresentava como Maria Amado. Depois ele separou dela, voltou pra Matilde e só aí então deixou a Matilde definitivamente para casar com a Zélia Gattai. O que você descobriu sobre ele que ninguém sabe? Tudo é muito novo. Ele era uma pessoa muito discreta, mas certa vez, ele revelou numa entrevista, que carregava muita tristeza. E quando afinal será lançada essa obra que é o seu primeiro livro? Agora em 2018. Creio que ainda no primeiro semestre.