Da ladeira do Capoteiro à carreira internacional: conheça Felipe Velozo

Ator e apresentador baiano está no elenco de Marighella, filme de Wagner Moura

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  • Laura Fernades

Publicado em 14 de abril de 2021 às 05:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Vila Fotografia/Divulgação
Felipe Velozo no filme Perros, de Kris Niklison, que estreou na Argentina durante o Bafici por Foto: Ketia Damasceno/Divulgação

Foi andando de sua casa, na ladeira do Capoteiro, Vila Laura, até a Fonte Nova que o ator baiano Felipe Velozo, 33 anos, fez escola. Foi pegando ônibus sozinho desde os 7 anos que o torcedor do Bahia aprendeu a se virar. Foi na rua, andando de skate e jogando bola, que aprendeu a lidar com gente, muito antes de se formar em Direito e mudar todos os planos para seguir a carreira de ator, hoje internacional.

Quem não conhece Felipe, pode ser apresentado a ele de diferentes formas, uma delas é como um dos atores de Marighella, filme dirigido por Wagner Moura cuja estreia estava prevista para esta quarta-feira (14), antes de ser adiada pela pandemia mais uma vez. Felipe também está na série Irmãos Freitas, de Sérgio Machado e Aly Muritiba sobre Popó e o irmão Luiz Cláudio. Além disso, está no filme Perros, que estreou na Argentina em março, durante o Buenos Aires Festival Internacional de Cinema Independente (Bafici).

Ele também protagoniza a série A Névoa, da HBO Latin America, e fez parte da novela Velho Chico, da Globo. Com o Teatro Oficina, uma das principais companhias de teatro do país, foi dirigido por José Celso Martinez. E em novembro do ano passado passou a apresentar o Oferta na Rede, programa da TV Bahia que deu uma pausa por conta do fechamento do comércio e deve voltar no final do mês. Felipe Velozo com Wagner Moura nos bastidores do filme Marighella (Foto: Fábio Bolzas/Divulgação) Não acompanhou nenhuma dessas produções? Pois o ator baiano já passou por três emissoras de televisão, apresentou o Salvador Fest por dois anos para cerca de 60 mil pessoas e recebeu o público em outros quase 100 shows de nomes como Elba Ramalho e Carlinhos Brown: no lugar da locução atrás das cortinas, resolveu buscar os holofotes para encarar a plateia e apresentar os artistas.

“Tem que pagar as contas, né? Os boletos não param, não”, gargalha Felipe. Mas muito além da questão financeira, o ator não esconde a paixão pelo que faz. O prazer em entrevistar até tomou um espaço equivalente ao da atuação. Adora conversar com “a tia do isopor no meio do Carnaval, com o CEO de uma grande empresa, com seu Gilberto Gil e o vendedor de amendoim na frente do Iguatemi”, cita.

“Primeiro é muito confortável ser eu e prazeroso", confessa."Segundo: existe uma beleza na rua que as pessoas não valorizam como devem. Velho, a tia do isopor tem muito para me ensinar, o cambista da Fonte Nova, o padre da paróquia... Essa sabedoria popular não tem em outro lugar. Não ensina na faculdade. A rua é uma escola de conhecimento infindável e Salvador é Harvard nessa parada”, ri.Povo Agregador, Felipe sai de casa e sempre escuta do porteiro: “E aí vozerão?”. Da atendente da loja onde foi procurar um colchão para seu bebê que está prestes a nascer, ouviu um carinhoso “tá bom, meu lindo”. “A mulher que nunca me viu na vida! (risos) Isso é muito genuíno”, comemora, empolgado com a linguagem popular. “A rua é minha grande escola”, reforça.

E foi justamente isso que a pandemia tirou de Felipe: o povo. “Eu gosto de saber o nome do cara que compro pão todo dia. E isso não é média. Sou filho de uma mulher que é assim e de um pai introspectivo, mas que se aposentou como professor. É um cara da palavra, do diálogo”, conta, orgulhoso. O ator, então, reforça que não precisa criar “uma persona” para se comunicar.

Simplesmente flui. “Enxerguei na comunicação popular um tesouro e mergulhei”, justifica. “Eu, Felipe Velozo, sou assim. Sou amante, apaixonado, louco, desvairado por essa cidade”, sorri. Por isso, fingir ser alguém muito distante da sua realidade para encarar a vida artística está longe de ser sua estratégia. “Deve ser um martírio. Você não segura a onda”, opina. 

E lá se vão dez anos de profissão, desde que deixou de estagiar no judiciário baiano frustrado por ver que “as coisas não andavam”. “Não é tão bonito como no livro, não é tão certinho como no código e não é tão bom como na sala de aula”, resume sobre sua primeira formação. Apesar de seu contato com o teatro ter sido ainda na infância, na Igreja, Felipe largou o Direito sem saber o que fazer para virar ator.

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Tripé Não sabia onde tinha curso e nunca tinha pisado em um teatro na vida. “Não passa por poder aquisitivo, é sobre formação de plateia. O teatro não fazia parte do meu radar”, conta o rapaz de classe média. Vencida essa etapa, começou a “picula”: joga a faculdade para de manhã e estuda teatro à noite. “E a grana, vai vir ‘daonde’, bença? Fui trabalhar de barman, fiz bico de tudo. Mas muito certo do que queria”, conta.

Passou por diretores como Luiz Marfuz, Harildo Deda e Hebe Alves, mas logo em um dos primeiros cursos, a surpresa: não conhecia o professor. “Eu não tinha ideia de quem era Fernando Guerreiro”, ri, sobre sua então falta de informação a respeito de um dos principais nomes do teatro baiano. Mas aquele encontro despretensioso no Cine-Teatro Solar Boa Vista rendeu bons frutos. 

“Ele me disse coisas que marcaram minha caminhada”, agradece Felipe. Guerreiro o chamou depois da aula e, após escutar sua história, não o deixou desistir do curso de Direito. Disse que se formar era importante e foi o que Felipe fez. “Ele disse que existe um tripé: a realização pessoal e a realização profissional – com muito estudo – vão gerar a realização financeira. Esse tripé me movimentou. Mesmo”, agradece.

Presidente da Fundação Gregório de Mattos, Guerreiro conta que já naquele dia Felipe chamou a atenção “porque era um cara muito disciplinado e muito determinado”. De lá para cá, o contato se fortaleceu e até hoje Felipe recebe indicações de trabalho vindas do diretor. “É um cara que você pode confiar de olhos fechados. Um ser humano excepcional. Muito, muito talentoso e organizado”, elogia.

“Você pode dar qualquer missão que ele vai resolver, vai trabalhar para chegar em um excelente resultado. O que ele está colhendo hoje é fruto de uma carreira bem estruturada, inteligente. É um exemplo de talento e de boa administração”, enaltece Guerreiro. Questionado se está feliz com sua trajetória, Felipe não hesita: “Quando penso que estaria de paletó e gravata, levando bronca de chefe... Oxe, fia. Tá doida”, gargalha.