Da miséria ao mundial do boxe: conheça os Irmãos Freitas

Série narra as trajetórias dos ex-campeões Luís Cláudio e Popó: 'O único trauma que tenho é da balança'

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  • Laura Fernades

Publicado em 19 de outubro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Edu Santana/Space/Divulgação

A vida de Acelino Popó Freitas, 44 anos, e seu irmão, Luís Cláudio Freitas, 52, daria um bom roteiro de filme. Passar fome, morar na rua, catar lixo em ferro-velho e enfrentar o alcoolismo do pai foram alguns dos desafios enfrentados pelos irmãos mais famosos do boxe brasileiro. Popó na linha de frente, Luís como ídolo, treinador e responsável pela carreira do caçula que com 14 anos ganhou o primeiro título no campeonato baiano.

Na verdade, um filme é pouco para narrar a vida dos irmãos que eram criativos na hora de driblar a pobreza e treinavam com uma espuma de colchão. Por isso, a história dos ex-campões será contada em uma série com oito episódios, que estreia neste domingo (20), às 21h, no Canal Space. Criada por Walter Salles e Sérgio Machado, Irmãos Freitas tem direção assinada por Sérgio e Aly Muritiba.

“Não cabe de jeito nenhum em um duas horas. São dois protagonistas. Luís era um gênio, algumas pessoas dizem que é o mais talentoso lutador da Bahia. Mas quem chegou lá foi o irmão. A gente passou anos sem conseguir chegar a um roteiro que coubesse em um longa. Quando abrimos pra série, coube como uma luva”, lembra Sérgio Machado, 50 anos, diretor baiano que também assina Cidade Baixa (2005) e A Luta do Século (2016), sobre Holyfield e Todo Duro. Na série Irmãos Freitas, Daniel Rocha (Avenida Brasil/2012) interpreta Popó e Rômulo Braga (Carcereiros/2019) vive Luís Cláudio (Foto: Canal Space/Divulgação) 'Perdi 5 kg em dez horas', revela Daniel Rocha, que dispensou dublê, quebrou o nariz e desidratou para viver o ex-campeão Popó

Composta por episódios com cerca de 50 minutos de duração, cada, a série Irmãos Freitas também estará disponível via streaming exclusivamente no Amazon Prime Video, duas horas após a exibição no Canal Space. “É como se fossem oito longas-metragens. Cada episódio tem um arco com início, meio e fim”, explica Sérgio, sobre o projeto idealizado por Walter Salles (Central do Brasil/1998 e Diários de Motocicleta/2004).

“Waltinho sempre dizia ‘vamos fazer um filme sobre Popó?’. Então, há nove anos, quando fui assistir O Vencedor, filme de boxe com Christian Bale, pensei: ‘Pô, a gente podia mesmo’”, lembra Sérgio. Após quase cinco anos desenvolvendo a “história complexa”, a série finalmente saiu, mas como Salles estava envolvido em outras produções, quem assumiu a direção em seu lugar foi o também baiano Aly Muritiba (Irmandade/2019; Para Minha Amada Morta/ 2015). E tem material para mais três temporadas, apesar de não ter nada confirmado. “Paramos no primeiro título mundial. São quatro”, diz Sérgio, dando a deixa. Seu Babinha (Cláudio Jaborandy) e Dona Zuleica (Edvana Carvalho), pai e mãe dos irmãos Freitas (Foto: Space/Divulgação) Rivalidade Na primeira temporada, Irmãos Freitas conta a história de amor e rivalidade entre Popó (Daniel Rocha) e Luís Cláudio (Rômulo Braga), dos ringues da periferia de Salvador até o primeiro título de Popó como campeão mundial de boxe dos super-penas. A  luta dos irmãos por uma vida melhor também está na tela, assim como a relação de ambos com a mãe, Dona Zuleica (Edvana Carvalho).

Mulher guerreira, para criar os filhos ela enfrentou a miséria e o marido alcoólatra, tornando-se alvo da disputa dos filhos. “A gente queria fazer um filme sobre boxe, mas virou uma série sobre a relação dos dois com a mãe. Mais do que campeões mundiais, os irmãos estão competindo pelo amor da mãe, querem ser aprovados por ela”, reflete Sérgio.

Luís Cláudio é quem ajudava Dona Zuleica a conseguir dinheiro para sustentar a família. Antes de Popó nascer, chegou a morar na rua com ela e passou fome, até se arriscar no esporte que pouco conhecia. “Você não leva jeito nenhum pro boxe, aqui você não fica”, foi o que Luís Cláudio escutou no início da carreira, em uma academia. Sem se deixar abalar, se agarrou aos treinos e virou Campeão Brasileiro, em 1988.

“Com meu primeiro patrocínio da Alimba, comprei televisão em preto e branco pra minha mãe, geladeira e sempre ganhava caixa com leite, queijo, iogurte”, lembra Luís Cláudio, em entrevista ao CORREIO. Analfabeto, começou a colocar comida em casa e ajudou a matriarca a incentivar o caçula a estudar “para ser alguém na vida”.

Mas, mesmo estudando, Popó queria mesmo era seguir os passos do mais velho. “Nem sempre o que é bom pra os outros, é bom pra gente. Sabia que poderia ser uma oportunidade e batalhei pra isso”, conta Popó, por telefone. “Sempre tive ele como inspiração, o cara que me convidou para o boxe, o irmão mais velho, a referência, o lutador, o superpai”, completa o ex-campeão.

Trauma Assim, mesmo com a resistência da família, Popó brigou por seu lugar no esporte. Depois do primeiro título aos 14 anos, venceu o campeonato Norte- Nordeste, aos 15, se tornou campeão brasileiro, aos 17, e medalhista pan-americano, aos 18. Com 23, conquistou o primeiro dos quatro títulos mundiais que colecionou ao longo da carreira. No auge, chegou a fazer 29 lutas com 29 nocautes consecutivos.

“Não tenho trauma nenhum de infância, das dificuldades”, conta Popó, sobre os momentos dramáticos retratados na série, como resgatar e dar banho no pai bêbado.“O único trauma que tenho é da balança. Treinava muito e passei fome pra perder peso. Antigamente era fácil, não tinha comida em casa. Mas quando fui campeão, minha geladeira estava cheia e eu não podia comer. De que adianta?”, desabafa Popó.Mesmo com as dificuldades, o caçula alcançou o sucesso. “O que não nos derruba, nos fortalece. Que as pessoas levem uma história de vida muito bacana, de um verdadeiro campeão, não dentro de um ringue”, deseja Popó. “Tudo o que vi ali, foi tudo que a gente sofreu mesmo”, concorda Luís Cláudio, apesar de negar que exista mágoa por não ter chegado onde Popó chegou.

“Não fui campeão do mundo, mas fiz ele campeão mundial. Me sinto feliz demais por isso, porque Deus me usou. Um cara que pra mim é pai, irmão, amigo”, elogia Luís Cláudio, que deixava a roupa de treino de Popó dobrada no sofá, fazia comida e cuidava do irmão.“Fazia tudo por ele. Só não lutava”, lembra Luís Cláudio, que hoje vive do boxe, administra e dá aula na Academia de Boxe Popó Mão de Pedra, na Baixa de Quintas.“Eu vivo do boxe. Popó me ajuda muito, mas tenho que correr atrás do meu. Não é porque fiz dele o campeão que vou ficar atrás toda hora. Sei até onde é meu limite”, garante o primogênito. “Eu poderia ficar chateado se ele não reconhecesse, se fosse ingrato, mas ele é um cara que tem coração de ouro”, elogia, antes de uma pausa. “Mas se pisar na bola, pico a mão na cara, porque sou irmão mais velho”, gargalha.