Damares chega a Cachoeira para apurar ameaças à prefeita: 'Proteger uma guerreira'

Prefeita Eliana Gonzaga (Republicanos) está sofrendo tentativas de intimidação desde que assumiu cargo

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  • Gil Santos

Publicado em 10 de maio de 2021 às 12:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

A notícia de que a primeira prefeita da história de Cachoeira está sendo ameaçada de morte chegou a Brasília, e uma comitiva baixou no Recôncavo, nesta segunda-feira (10), para averiguar a história. A ex-feirante e agora prefeita Eliana Gonzaga (Republicanos) recebeu uma força-tarefa composta por representantes do Ministra da Mulher, Família, e Direitos Humanos, do Congresso Nacional, e da Procuradoria Geral da República. 

A comitiva deu apoio à prefeita, destacou a importância da democracia e do estado de direito, e disse que vai acompanhar o caso. O evento foi realizado no segundo piso da Fundação Hansen Bahia, onde uma mesa reuniu as autoridades, enquanto no auditório servidores e figuras públicas acompanharam os discursos.

O procurador da República, Ruy Nestor Bastos Mello, titular no procedimento que apura ataques racistas contra a prefeita Eliana, afirmou que todo tipo de ameaça precisa ser investigada e que, apesar de a apuração está sob a jurisdição do Ministério Público do Estado e da Polícia Civil, o Ministério Público Federal pode participar da investigação, caso seja necessário.“Também foram noticiados casos de ataques raciais, através das redes sociais, e, aí sim, a atribuição é nossa de investigar. E essa apuração criteriosa está sendo feita para que os responsáveis sejam identificados”, disse.  Já a ministra Damares Alves prometeu recursos federais para o município e afirmou que vai acompanhar o caso de perto. "Se for necessário, o governo federal vem ajudar a proteger a prefeita. Ela terá o melhor mandato possível. A gente veio aqui para proteger uma guerreira", disse.

Eliana, que sentou ao lado da ministra, agradeceu o apoio e se emocionou ao falar do caso. "Esse ato de hoje é a defesa do direito democrático. Cachoeira está sendo exemplo de crime político, mas afirmo que eles não vão me calar. O povo de Cachoeira é um povo guerreiro que participou da independência. O primeiro grito de liberdade foi dado aqui, na praça, e agora estamos dando outro grito pela liberdade. Eu não vou renunciar", afirmou, sendo ovacionada.

Participaram da mesa também representantes da coordenação da Bancada Feminina no Congresso, da Procuradoria da Mulher na Câmara, da Secretaria Nacional de Política para as Mulheres, e parlamentares. Após o encontro houve uma reunião a portas fechadas entre a prefeita e a força-tarefa, mas os detalhes não foram divulgados.

Para os moradores de Cachoeira, a discussão é importante porque trata do respeito ao voto, um princípio básico da democracia, mas eles contaram que temem pela vida da prefeita. A presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, destacou a importância do encontro.

“Temos nesta sala consolidado o estado de direito. Todas as autoridades do país responsáveis por uma democracia plena, pela preservação dos nossos valores constitucionais estão presentes. Todos empenharam seus esforços para participar dessa discussão. Somos o 5º país mais violento do mundo contra mulheres. Estaremos juntos na apuração desses crimes de ameaça e da intimidação que tenta impedir que a prefeita eleita exerça o seu mandato. Não admitiremos esse constrangimento e retrocesso”, afirmou.

A união entre Executivo, Legislativo e Judiciário para a apuração desse caso também foi destacada pela secretária de Políticas para as Mulheres da Bahia, Julieta Palmeira. “Vejo isso como uma demonstração de que nós não podemos permitir que se apequene a luta por mais mulheres na política. É preciso entender que essa é uma luta suprapartidária, que deve envolver todos, e estar acima de qualquer disputa politiqueira”, disse.

As portas da Fundação Hansen estiveram abertas durante todo o encontro, que durou cerca 2h. Funcionários controlaram o acesso para evitar aglomeração, e policiais militares se posicionaram em frente ao prédio e permaneceram no local até o final do evento.

Ameaças Ex-feirante, Eliana foi a primeira mulher, e negra, desde a emancipação do município de Cachoeira, em 1837, a comandar a cidade. Ela venceu a última eleição, em novembro do ano passado, derrotando o empresário Fernando Pereira (PSD), o Tato, que tentava a reeleição. Ele já havia exercido o cargo em outros dois momentos, e se ganhasse seria o quarto mandato.

Dois dias depois que o resultado da eleição foi divulgado, Eliana recebeu a primeira ameaça de morte. “Ligaram para o meu celular e quando eu atendi eles deram uma rajada de tiros. Nos dias seguintes, surgiu uma lista com o nome das pessoas que iriam morrer, caso eu não renunciasse”, contou.

O caso ficou ainda mais grave depois que dois correligionários dela foram assassinados. A primeira vítima foi Ivan Passos, morto em 17 de novembro, dois dias após a vitória. A segunda vítima foi Georlando Silva, que era coordenador de obras da prefeitura, morto em março, com 10 tiros. Além disso, a prefeita foi seguida por homens em uma moto, que fugiram após intervenção da polícia.

Nesta segunda-feira, ela contou que depois que o caso ganhou repercussão as ameaças diretas cessaram, mas que os ataques continuam nas redes sociais. Eliana disse que está despachando e cumprindo as agendas oficiais, que a rotina da prefeitura e o atendimento ao cidadão segue dentro da normalidade, mas que por precaução não está dormindo em Cachoeira.

O secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto, integrante da força-tarefa criada para acompanhar o caso destacou as disparidades entre homens e mulheres no Brasil, e reforçou o coro dos colegas ao afirmar que Eliana terá ajuda.

“A primeira eleição no Brasil foi em 1532. O país tinha 32 anos de descoberto, mas a mulher só pode votar em 1932, foram 400 anos de exclusão. E, hoje, 52% do nosso eleitorado é feminino e isso não é reverberado na câmara decisória. Pelo menos 27,8% das mulheres se autodeclaram negras e temos 2% dessa representação no Congresso Nacional. Há alguma coisa errada. Nós repudiamos todo tipo de violência contra a mulher. A prefeita Eliana não está só” disse. O caso está sendo investigado.