Delegada foi presa após denúncia de tortura feita por funcionária de lotérica

Ela e outros três agentes foram liberados após decisão da Justiça

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  • Da Redação

Publicado em 8 de outubro de 2019 às 17:52

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo CORREIO

A delegada Carla Santos, titular da Delegacia de Repressão e Furtos e Roubos (DRFR) e os agentes Agnaldo Ferreira de Jesus Filho, Carlos Antônio Santos da Cruz e Iraci Santos Leal, presos na segunda-feira (7) e soltos pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) 14 horas depois, são acusados de prática de tortura contra a funcionária de uma lotérica, no bairro de Dom Avelar. Eles tiveram a prisão temporária decretada por 30 dias no dia 5 de outubro.

De acordo com o mandado de prisão temporária expedido pelos juiz plantonista Augusto César Silva Britto, solicitado pelo delegado Jackson Carvalho da Silva, da Corregedoria da Polícia Civil, a funcionária da casa lotérica foi espancada e torturada pelos policiais quando foi levada à DRFR para prestar esclarecimento quanto a um roubo na lotérica no dia 3 de outubro deste ano.

No documento consta que a funcionária alegou que os agentes aplicaram-lhe chutes, socos, tapas e cacetadas na cabeça. Ela alega ainda que teve um dos dedos do pé quebrados pelos investigadores na tentativa de fazê-la confessar onde estaria o dinheiro roubado da casa lotérica e indicasse o nome de outros envolvidos no delito. Ainda segundo a funcionária, um dos policiais introduziu um cassetete em sua garganta e, em outro momento, tentou o mesmo procedimento em direção ao seu ânus - mas foi impedido por outro agente. Todas a ações teriam o aval da delegada.

Ainda de acordo com a sentença, a funcionária da lotérica foi ouvida na Corregedoria da Polícia Civil e reconheceu através de fotografias a delegada e os três agentes como sendo os seus agressores. O Ministério Público deu um parecer favorável à decretação da prisão temporária da delegada e dos policiais. (Foto: Divulgação) ExameA delegada Carla Santos e os três agentes passaram 14 horas presos. A desembargadora Márcia Borges Faria concedeu um habeas corpus justificando que a prisão foi baseada somente no depoimento de uma pessoa.

“Uma prisão sem cabimento, somente com o um depoimento, como pode? Não houve exame de corpo delito para comprovação das lesões. Como um delegado não solicita tal exame? E se ela sofreu algum tipo de agressão, não foi na delegacia”, disse Marcelo Duarte, advogado dos policiais.

Duarte disse que, dos quatro policiais acusados, dois não estavam na DRFR no dia em que a funcionária da lotérica alegou ter sofrido as torturas. “Carlos é estudante de Engenharia e fazia prova numa faculdade particular. Já Iraci, uma senhora que está prestes a se aposentar, estava de folga. O delegado sequer deu o trabalho se averiguar isso. Por aí, já dá para ver como foi feita essa investigação. Vergonhoso isso”, declarou Duarte.

O advogado disse ainda que vai entrar com pedido de revogação das medidas cautelares para que os policiais voltem a trabalhar. “Por enquanto, eles estão afastados do trabalho. Mas esperamos tão logo rever isso, que eles possam assumir seus postos”, disse.

Duarte disse que posteriormente será movida uma ação criminal contra a funcionária da lotérica por falsa comunicação de crime. “Ela será responsabilizada pelo que fez”, finalizou.

Falsa denúncia O presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindpoc) Eustácio Lopes disse que a funcionária da lotérica prestou falsa queixa contra os policiais para desviar dele o foco da investigação contra roubo à lotérica. Segundo ele, após a DRFR dar início às investigações, os policiais constataram o envolvimento da funcionária no crime.

“Ela havia dito à polícia que um homem assaltou a lotérica. Só que o rapaz em questão apenas pagou uma conta e que foi ela que furtou R$ 22 mil para pagar traficantes de Dom Avelar, pois estava sendo ameaçada de morte”, contou Lopes.

Lopes disse que agentes começaram a intensificar a busca pela quantia em Dom Avelar, contrariando os traficantes da área. “Como já havia sido espancada pelos traficantes por causa da presença dos policiais, ela foi à Corregedoria para dizer que foi torturada a confessar o que não teria feito, na tentativa de evitar as batidas policiais no bairro”, disse o presidente do Sindpoc.

Credibilidade O Sindicato dos Delegados da Polícia Civil do Estado da Bahia (Adpeb) repudiou as prisões dos policiais e levantou um questionamento quanto à credibilidade das investigações da PC.

“Isso não poderia ter acontecido. É inadmissível. Como pedir uma prisão somente com o depoimento de uma pessoa? Se os policiais são acusados de tais crimes, deveria haver mais aprofundamento nas investigações e não uma medida extrema como essa. Dois deles sequer trabalhavam no dia. Isso leva a sociedade a botar em questão todo o sistema de investigação da Polícia Civil. Se fazem isso com um delegado e agentes, imagina o que pode ter acontecido com cidadãos comuns?”, questionou Fábio Lordelo.

Com base na decisão da desembargadora Márcia Borges, que alegou “elementos fáticos frágeis” para a manutenção da prisão dos policiais, o CORREIO voltou a procurar a Polícia Civil e questionou o porquê de o mandando de prisão ter sido solicitado somente com base no depoimento da mulher, se não existiam outras provas que sustentariam o pedido de prisão e se o depoimento de uma pessoa é suficiente para determinar a prisão de um policial, por exemplo.

Em nota, a assessoria de comunicação da Polícia Civil se limitou a responder: “A Polícia Civil não se posicionará sobre a decisão judicial que colocou os policiais em liberdade”.