Delegado avalia que jovem espancada por filho de prefeito teve “lesão leve”

Ex-marido tentou arrancar unhas e mordeu vítima

Publicado em 16 de maio de 2018 às 16:06

- Atualizado há um ano

O delegado Edilson Magalhães, coordenador da 4ª Coordenadoria de Polícia do Interior, em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, declarou ao CORREIO nesta quarta-feira (16) que a agressão sofrida por Clara Emanuele Santos Vieira, 20, por parte do ex-marido Filipe Pedreira, 19, está sendo avaliada como lesão corporal leve.

Filha do prefeito da cidade de Muniz Ferreira, Wéllington Sena Vieira (PSD), a jovem foi espancada por Filipe dia 8 de maio, num apartamento alugado por ela em Santo Antônio de Jesus. Ela recebeu chutes, socos e teve o cabelo cortado com uma faca, usada também para fazer ferimentos nas unhas. Agressões foram caracterizadas como leves (Foto: Reprodução) As agressões ocorreram por volta das 10h15 do dia 8 de maio. Uma vizinha acionou a Polícia Militar, mas Clara, devido às ameaças de morte de Filipe, acabou dizendo para a PM que era uma só uma discussão de casal. No mesmo, dia, contudo, por volta das 16h, ela resolveu ir até a delegacia prestar queixa.

No intervalo entre o fim das agressões e a queixa, Filipe saiu de Santo Antônio de Jesus e viajou para Salina das Margaridas, cidade administrada pelo pai dele, o prefeito Wilson Pedreira, também do PSD e amigo do pai de Clara. Isso fez com que ele escapasse de uma prisão em flagrante, com base na Lei Maria da Penha.

“Ela veio aqui [na delegacia], estava bastante roxa, mas já estava bem. Acredito que dê no máximo uma lesão corporal leve porque não a incapacitou para o serviço por mais de 30 dias”, declarou o delegado Edilson Magalhães, informando que lesão corporal média gera incapacidade de trabalho acima de 30 dias, e a grave a partir dos 60 dias.

Na 4ª Corpin, o caso está sob a responsabilidade da delegada Patrícia Jackes, responsável pelo Núcleo de Proteção à Mulher – em Santo Antônio de Jesus não há delegacia de atendimento especializado sobre violência contra mulheres. A delegada confirmou a informação do delegado de que o caso é de lesão corporal leve.

O laudo com os exames sobre as agressões sofridas por Clara Emanuele devem sair em 30 dias, mas a delegada diz que deverá concluir o inquérito na semana que vem, com base em imagens e depoimentos das partes envolvidas e de testemunhas. Não está previsto, contudo, o pedido de prisão preventiva ao final do inquérito. Agressor tentou arrancar unhas da vítima e mordeu Clara em diversas partes do corpo (Foto: Reprodução) “O crime de lesão corporal, mesmo que fosse gravíssima, dá pena de até 3 anos de reclusão, e só podemos pedir, pelo Código Penal, a prisão preventiva quando o crime for com pena acima dos 4 anos de reclusão”, disse a delegada, segundo a qual foi avaliado que não houve tentativa de homicídio por parte de Filipe.

Desde o dia 11 de maio, Filipe está impedido de se aproximar de Clara e do filho de um ano que eles têm, e que também de chama Filipe, a uma distância de 100 metros. Caso faça isso, será preso. “Estamos vigilantes quanto isso. Essa, no momento, é a única condição em que ele pode ser preso”, afirmou a delegada.

Código Penal O promotor João Manuel Rodrigues, que acompanha o caso, explica que a classificação das lesões como leves está prevista no artigo 129 do Código Penal."Chamar de leve assusta, parece até aviltante [humilhante], em decorrência da extensão das lesões. Mas a perícia médica responde no laudo aos quesitos feitos com base no Código Penal".Para que uma lesão seja caracterizada como leve, grave ou gravíssima,  a perícia deve atestar a incidência de algumas das hipóteses que estão previstas no Código.

Por exemplo, para que o crime seja considerado lesão corporal de natureza grave, a agressão deve resultar em incapacidade da vítima para suas ocupações habituais por mais de 30 dias. O crime de lesão corporal gravíssima causa lesão permanente ou perigo de vida. 

O inquérito policial deve ser concluído em 30 dias, contando a partir do dia da queixa, efetuada no último dia 8. A denúncia é então encaminhada ao Ministério Público do estado (MP-Ba), que tem prazo de dez dias para avaliar o caso.  Clara foi agredida com chutes, socos e mordidas pelo ex-marido (Foto: Reprodução) "O fato de ser uma agressão física no contexto de uma relação doméstica traz consequências penais. A pena de uma lesão corporal, seja ela leve, com o perdão da expressão, grave ou gravíssima, tem um aumento relevante quando cometida no contexto da relação doméstica", explica o promotor João Manoel Rogrigues. 

Ele esclarece que o Ministério Público ainda não pode ter posição oficial sobre as denúncias feitas contra Filipe, já que o inquérito ainda não chegou ao órgão. 

"A polícia está fazendo o trabalho dela, aprofundando as investigações. Finalizado esse inquérito, ele será encaminhado ao MP-Ba, que vai fazer o juízo de valor daqueles crimes que foram efetivamente cometidos, dentro das provas que foram produzidas. A palavra final sobre os tipos penais que vão constar na denúncia é do MP-Ba". 

Indignação A família de Clara Emanuele, contudo, quer a prisão imediata de Filipe, e defende que houve a tentativa de homicídio porque ele usou a faca nas agressões. “Ele agrediu a minha irmã para matar”, declarou a fonoaudióloga Andressa Vieira, 25. “Não foi uma briga normal de casal, foi uma tentativa de homicídio”.

Clara e Filipe tinham três anos juntos. Começaram a se relacionar no São João de 2015, em Santo Antônio de Jesus, e um ano e meio depois se casaram, em 10 de dezembro de 2016, numa cerimônia na Igreja Matriz de Muniz Ferreira. A festa, patrocinada pelo pai da noiva, teve 1.200 convidados. Irmã da vítima quebrou o silêncio no dia das mães (Foto: Reprodução) A união do casal era visto no meio político do Recôncavo da Bahia como um fortalecimento do PSD na região, por meio de duas famílias tradicionais na política. Os prefeitos Wéllington Sena Vieira e Wilson Pedreira são considerados como grandes amigos, mas a relação vinha estremecida há pelo menos um ano.

É que, segundo a família de Clara, o jovem Filipe, depois de passar um tempo quieto, passou a se mostrar quem realmente era: um homem agressivo, possessivo e ciumento. Não queria que a jovem estudasse e nem tirasse carteira de habilitação. Queria apenas que ela cuidasse da casa, e nem fosse visitar a família.

Já desinibido, Filipe passou a fazer agressões na frente de todo mundo, seja em festas da família ou eventos públicos. E a relação política entre os pais do casal impediu que a polícia ficasse sabendo antes da situação para não expor a relação estremecida entre os políticos, segundo relata a irmã de Clara.

“A família já pensou em dar queixa, mas meu pai é amigo do pai dele. Teve uma vez que teve discussão na fazenda dele que envolveu todo mundo. Aí eu falei que ia dar queixa porque ele tinha me agredido verbalmente; a meu pai, física e verbalmente, e meu pai sempre pediu que não fizesse uma exposição dessas”, relatou.

Na Bahia, quem comanda a legenda a qual estão filiados Wéllington Vieira e Wilson Pedreira é o senador Otto Alencar. A assessoria de comunicação do PSD no estado informou que o partido não ia se manifestar sobre o assunto.

Clara relatou que a relação entre ela e Filipe sempre foi conturbada. Ela apanhava, mas ficava calada, aceitava as desculpas de Filipe, que ainda chorava. “Mas eu não queria expor essa situação para o meu pai, ficava suportando as coisas para não dar esse desgosto, ele fez um casamento lindo para mim”, disse Clara.

As agressões ocorriam até quando ela estava grávida. Antes do espancamento que resultou na queixa policial, a vítima foi agredida num evento na cidade de Milagres. Depois disso, Clara resolveu se separar, mas Filipe não aceitou e insistia para voltar. Por isso, foi até o apartamento onde ela morava para atacá-la.

Armado no paredão No Recôncavo da Bahia, Filipe é frequentador de festas de som de paredão. No bolo de casamento dele, inclusive, tinha um boneco de noivo sentado em cima de grandes caixas de som. O rapaz não trabalhava e vive viajando a região de carro, as custas do pai, que também possui postos de gasolina e lojas de materiais de construção.

Filipe é o filho caçula de Wilson Pedreira – tem mais dois irmãos, e um outro que é falecido. Nas festas de paredão, Filipe gosta de ir armado e dar tiros para cima, está sempre buscando criar confusão com alguém, informa a Polícia Civil, segundo a qual já foi tentado fazer apreensão de arma com Filipe, mas nada foi localizado.

O CORREIO tentou contato, por duas vezes, nesta quarta-feira (16) com a família de Filipe, por meio das empresas de materiais de construção, e da prefeitura de Salinas das Margaridas. Nos dois casos foi informado o contato da reportagem, mas não houve retorno. Os prefeitos Wilson Pedreira e Wéllington Vieira não foram localizados.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia informou que “o caso está sendo investigado com total seriedade pela polícia, assim como todos os outros relativos à violência contra mulher, na Bahia.”

Ainda segundo a SSP, até abril deste ano houve 1.456 registros de ameaça contra mulheres, 888 casos de lesão corporal dolosa, sete tentativas de homicídio e 26 feminicídios. Ano passado, houve 53.360 queixas de ameaça, 578 estupros, 56 feminicídios, 4.391 homicídios dolosos, 24.344 lesões corporais dolosas e 2.183 tentativas de homicídio.

*sob orientação do chefe de reportagem Jorge Gaulthier