Delegado investiga participação de policiais em onda de execuções em Feira

Com morte de PM, fim de semana teve 18 homicídios; segurança foi reforçada

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  • Bruno Wendel

Publicado em 18 de junho de 2018 às 18:42

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

Quando atendeu uma ligação, o pai do Jhonatas dos Santos Oliveira, 25 anos, custou a acreditar no que acabara de ouvir. "Pensei que fosse uma brincadeira de mau gosto. Nunca imaginei receber uma notícia dessa", disse ele, cabisbaixo, na manhã desta segunda-feira (17), enquanto aguardava para liberar o corpo de Jhonatas no Departamento de Polícia Técnica (DPT) de Feira de Santana.

"Ele não se envolvia em nada, meu filho era um trabalhador", repetia o pai, que preferiu não se identificar por questão de segurança. Jhonatas foi executado a tiros por dois homens numa moto. Ele foi uma das 18 pessoas assassinadas [incluindo o PM Wagner Silva Araújo] no sábado (16) e domingo (17), em Feira. Segundo a polícia, a segunda maior cidade da Bahia costuma registrar, no máximo, cinco casos num final de semana. Jhonatas, 25 anos, foi executado a tiros por dupla de motociclistas (Foto: Reprodução/CORREIO) Coincidência ou não, os crimes aconteceram logo após a morte do policial militar durante um latrocínio na cidade. Uma situação semelhante aconteceu em Salvador. Logo após a execução de um cabo da PM, no dia 8 deste mês, a capital baiana teve o final de semana mais violento do ano: 30 mortos.

Bicicleta Jhonatas andava de bicicleta junto com um amigo quando foi morto por volta das 12h20, no bairro Gabriela. Eles estavam na Avenida Homero Figueiredo, quando Jhonatas foi atingido. 

"Dois homens que estavam numa moto já vinham seguindo eles. O povo viu na hora que a moto acelerou e o carona começou a disparar. O outro rapaz estava mais à frente e conseguiu fugir", contou o pai de Jhonatas.

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O pintor foi atingido com seis tiros nas costas, abdômen e clavícula. "Era o meu único filho", lamentou o pai.

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Triplo No sábado, três corpos foram encontrados com marcas de tiros no bairro SIM. Eles estavam numa região deserta, onde existem alguns canteiros de obras de condomínios residenciais de casas.

As poucas pessoas que circulam no local disseram não ter visto nada. "Aqui já é deserto de segunda a sexta, imagina no final de semana... Soube dessa notícia no rádio", disse um operário de um dos canteiros. 

Os corpos estavam próximo à carcaça de um carro, numa pista de barro, cercados por uma vegetação rasteira.

À frente das investigações dos 18 homicídios registrados no final de semana em Feira de Santana, o delegado Fabrício Alencar Linard, da Delegacia de Homicídios, disse que não descarta a possibilidade do envolvimento de  policiais nas matanças. 

"Não descartamos a participação de policiais. Desde 2016, quando assumi, não vi homicídios relacionados a grupos de extermínio, mas é evidente que as mortes desencadearam após a morte do soldado Wagner. Não podemos acreditar que foi uma mera coincidência, mas não posso afirmar que tudo foi em decorrência à morte do policial". Delegado Fabrício Alencar Linard, da Delegacia de Homicídios, investiga 18 crimes (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) "É a investigação que vai nos relevar a quantidade de pessoas envolvidas, armas utilizadas", completou.

O delegado disse que alguns casos já tem indícios de participação de agentes públicos (policiais, seguranças e guardas municipais armados). Perguntado sobre em quantos casos ele tem a convicção da participação de policiais, respondeu: "Normalmente, Feira tem no máximo quatro homicídios no final de semana, mas nesse foram 17 [18 com o PM]. Pelo menos, temos a suspeita de que as primeiras mortes tenham sido com a participação de policiais, mas estamos em busca de câmeras e depoimentos de testemunhas", declarou o delegado.

De acordo com ele, as execuções foram praticadas de formas diferentes, o que dificulta fazer uma ligação entre elas. "Algumas, os autores estavam de carro. Noutros casos eles estavam de moto e a pé", acrescentou. 

"A gente não pode colocar essa conta toda nas costas da Polícia Militar. A vagabundagem pode aproveitar a situação para fazer seus crimes e colocar no colo da polícia", ponderou. 

O delegado disse que o policiamento em Feira foi reforçado. "Grupamento Aéreo da PM, COE das polícias Civil e Militar, Rotamo, Corregedoria Geral da SSP, Corregedoria da PM e o Batalhão de Choque. Todas essas forças de segurança chegaram ainda no sábado. Quando tivemos as cinco primeiras mortes, o coordenador da Coorpin [Coordenadoria de Polícia do Interior] de Feira, Roberto Leal, comunicou a SSP", declarou. Foto: Evandro Veiga/CORREIO Outras mortes "Meu filho não mexia com ninguém. Se fosse envolvido, eu até esperava o pior", bradava no DPT a catadora de material reciclável Cleidineia da Silva, 34, mãe do serralheiro Alexandre da Silva Moreira, 17, assassinado no Parque Lage, na tarde desse domingo.

Mais controlada, ela aceitou falar o que sabia ao CORREIO. "Ele assistia ao jogo do Brasil num bar com os amigos quando dois homens que haviam chegado em uma moto saíram e retornaram depois já atirando", contou.  Alexandre Moreira, 17, foi morto enquando assistia jogo da Seleção; amigos escaparam de motociclistas (Foto: Reprodução/CORREIO)  Ainda segundo ela, outras duas pessoas foram atingidas. “Eles não morreram. Pelo menos as mães não estão passando a dor que estou sentido", desabafou.

Também no DPT estavam os parentes de Jonatas Moreira Vieira, 14, assassinado no Conjunto Cordeirópolis, bairro Mangabeira. "Não sabemos de nada. Ele morava com a avó. Quando fomos ver, ele já estava estirado na quadra", contou a tia, sem querer dar mais detalhes.

Morte do PM  O crime que teria desencadeado a onda de homicídios em Feira ocorreu na madrugada de sábado. De folga, o PM Wagner Silva Araújo saía de uma festa no bairro São João, quando viu quatro bandidos abordando dois homens e uma mulher. As vítimas estavam em um veículo Crossfox.

Ele interveio e chegou a trocar tiros com os bandidos, mas um deles acertou um tiro no peito do PM, que foi a óbito. Os assaltantes fugiram levando pertences das vítimas e o carro do PM. Wagner era lotado na 67ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM), era casado e deixou duas filhas, uma de 8 anos e outra recém-nascida.

Araújo é o oitavo PM assassinado no estado, este ano. Do total de mortos, dois estavam em serviço, cinco de folga e um era da reserva/reformado. Em 2017, 20 policiais militares foram mortos na Bahia.