Delivery de tudo: novos aplicativos acirram disputa de entregas a domicílio

Pedidos vão de comida a vaso sanitário, vibradores e carta de amor

Publicado em 16 de dezembro de 2018 às 07:54

- Atualizado há um ano

Eles entregam de tudo: de vaso sanitário a meia, preservativo, pinça, dinheiro, vibradores em forma de pênis e, sim, comida e bebida, se quiser. Startups com aplicativos como a espanhola Glovo e a colombiana Rappi são uma nova geração do setor delivery que promete entregar qualquer coisa, 24 horas por dia. Elas  chegaram ao mercado baiano em abril e junho, respectivamente, e estão em franco crescimento. A pegada é a de que o consumidor pode contar  sempre com uma espécie de assistente pessoal para atendê-lo.

Na verdade, o que entregam é comodidade, economia de tempo e, por que não, a realização de desejos. E, de quebra, movimentam o mercado de motoboys e cicloboys, em um processo de “uberização” do delivery: basta ter uma bicicleta que já está valendo (leia abaixo).

Após contabilizarem muitas cifras em outras praças brasileiras, as duas startups, pioneiras na inovação do delivery de tudo, competem palmo a palmo pela fidelização de usuários na Bahia. Por questões estratégicas, não abrem, por nada, dados regionais como número de usuários, parceiros, entregadores e, claro,  lucro. Mas garantem os country managers da Rappi e Glovo, Georgia Sanches e Bruno Raposo, em entrevista ao CORREIO, que do início das operações em Salvador até agora, o crescimento mensal está acima do previsto.   Tanto que, apesar da retração geral do mercado, para essas empresas os planos são de expansão para 2019. A Glovo chegará a Lauro de Freitas e a Rappi aposta em Vitória da Conquista. Ambas têm Feira de Santana, segundo maior município baiano, com quase 500 mil habitantes, como o primeiro alvo. 

O motivo do otimismo é visível nas ruas. Não precisa rodar muito em Salvador para cruzar com os glovers e rappis - como são chamados os entregadores - que rasgam a paisagem urbana com suas bags de cores vibrantes. A cada entrega um percentual da compra ou serviço cai na conta das startups. 

Bonsai  Experiências como a do engenheiro eletricista Ricardo Franco Filho, 30 anos, ilustram porque esse tipo de negócio prospera. Cada entrega conta uma história. Foram mais de cinco telefonemas para floriculturas até encontrar um exótico bonsai de jabuticaba para presentear a noiva no dia de seu aniversário, 19 de novembro - o mesmo souvenir ofertado há oito anos, naquela data, quando ele conquistou Juliana com a árvore miniatura. 

O problema é que o sistema da loja tinha caído: sem chance de pagamento por cartão, transferência bancária, ou nada parecido. Trabalhando no município de Candeias (a 48 km de Salvador) era zero a possibilidade de ir pessoalmente à loja. Foi aí que lembrou do aplicativo que promete entregar qualquer coisa e sacou o celular.

“Pedi para comprarem e entregarem na portaria do prédio onde moramos, com um cartão, antes que ela chegasse do trabalho”, conta. Não precisa dizer que a moça se derreteu. Naquele momento, o bonsai   sacramentou dois relacionamentos: o de Ricardo com Juliana e o dele com a Glovo. “Além de tudo, não é só um robô que está ali. O entregador interage com você pelo aplicativo. Há comunicação”, diz ele sobre o que considera um dos diferenciais do aplicativo.

Cultura A Rappi não diz quanto está crescendo em Salvador mas, em nível nacional, registra incremento mensal de 30% nos pedidos, diz Georgia Sanches, country manager da startup. “Existe uma cultura de se pedir por delivery  só comida, mas isso já está mudando. Pouco mais de 50% dos pedidos no Brasil são de comida, mas os outros setores, como supermercados, empórios, tecnologia, vem crescendo. É tudo inovador, pioneiro. A gente trabalha com o conceito de assistente pessoal. A Rappi é seu assistente pessoal 24 horas”, diz.

Já a Glovo quintuplicou seu crescimento em Salvador desde que chegou, em abril. “Salvador é uma das praças que mais crescem no Brasil. Havia uma demanda reprimida”, diz Bruno Raposo, country manager da Glovo. Na startup, que está presente em 21 países, mais de 50% das entregas totais estão na América Latina. Ironicamente, a explicação para isso, diz Raposo, está relacionada com velhos problemas das grandes cidades brasileiras.

“Há trânsito congestionado e as pessoas têm mais cultura de pedir em casa ou no trabalho do que na Europa. O crescimento desordenado das cidades favorece o tipo de negócios da Glovo e seus concorrentes. O nó urbano foi criado e nós criamos solução para esse nó”. 

Nativos digitais Embora os pedidos de restaurantes ainda sejam o mais forte até mesmo nesses aplicativos, em um mercado dominado pelo pioneiro I Food, que surfava sozinho a onda do delivery, a cultura de poder ‘pedir qualquer cosia’ com apenas alguns toques no celular começa a tomar fôlego.

O conceito de assistente pessoal, personificado nas figuras do entregador ou do shopper -  pessoa que fica dentro do supermercado fazendo as compras para o usuário e trocando ideias sobre os produtos - é atraente para nativos digitais, que não largam mão do celular, como é caso de Iure Ribeiro Silva, estudante de Administração e microempresário de e-commerce de  artigos para games. Ele tem 20 anos.  

É Iure quem gerencia as compras do supermercado da família - pai, mãe e irmão de 11 anos - há alguns meses, desde que “provou” para todos que comprar alimentos pelo aplicativo é, acredita, muito mais cômodo e vantajoso: nada de trânsito caótico, supermercado barulhento, fila no caixa... Isso sem falar nas promoções, diz. 

Iure comprou por dois dias consecutivos dois carrinhos cheios pela Rappi em uma rede de supermercado parceira do aplicativo. Custo das compras: R$ 600 e R$ 450. O tempo de espera do pedido foi de cinco horas. Vale a pena? 

“Vale muito. Não precisa sair de casa e enfrentar fila. A gente escolhe todos os produtos que quer pelo mesmo preço”, diz Iure. O irmão, Erick, de 11 anos, animado com a experiência, vai na mesma linha: “É muito legal”. Para Iure, é um alívio não ter que ir ao mercado. “Presencialmente só vou à faculdade, ao estágio e ao médico. Tudo o mais faço por aplicativo”.  

 Basta ter moto ou bicicleta para entregar  Sete dias na semana, mais de 10 horas por dia. Essa nada mole vida é a de José Carlos da Silva Santos, 23 anos, que há mais de um ano faz entregas por aplicativos. Na Rappi e na Glovo se cadastrou assim que chegaram à capital baiana. Quanto tira? “Se eu mantiver esse ritmo, de sete dias na semana, 12 horas por dia, eu consigo tirar um salário mínimo por semana”, conta.  Sem trabalho no mercado formal, José viu no ramo dos aplicativos uma saída. Fato é que em um ambiente com altas taxas de desemprego, como é o caso de Salvador, a “uberização” do delivery tende a ter adesão significativa. Assim como ocorre no cadastro do aplicativo de mobilidade Uber, qualquer pessoa que queira complementar a renda ou não ficar sem ganhar dinheiro pode se cadastar no Rappi e Glovo. 

Ou em ambas. Entregadores podem estar conectados em mais de um aplicativo, por isso é comum entregador com bag da Rappi estar rodando pela Glovo, e vice-versa. Outros aplicativos que os acolhem são o I Food e Uber Eats - braço de delivery da startup de mobilidade urbana e que, aliás, foi pioneira na modalidade, que abraça o conceito de economia compartilhada - ou seja, oportuniza renda a quem tenha carro, moto ou bicicleta.

O entregador Jefter dos Santos Barbosa, 25 anos, nem bicicleta tinha. Ao ser aprovado com uma bolsa de 70% para um curso de Psicologia em uma universidade privada, decidiu dar um jeito para pagar os 30% restantes. Comprou uma bicileta de segunda mão por R$ 160 e se cadastrou na Rappi e Uber Eats. “Eu estava desempregado. Hoje, tiro uma média de R$ 1,2 mil ao mês”, conta para a reportagem enquanto aguarda o toque no celular, que indica nova entrega. 

Sex shop Muitos motoboys e cicloboys têm histórias de pedidos inusitados para entrega. Uma delas é de Hércules Souza de Jesus, 39 anos, glover, que não havia realizado entrega inusitada até aquele dia, quando veio  o pedido: três pênis vibradores de borracha (branco, preto e transparente). Total da conta: R$ 600 na sex shop. “Eu achei estranho né... mas carreguei o material com cuidado”.

Mário Batista, 33 anos, rappi, teve que buscar um vaso sanitário, torneiras e canos em uma loja de material de construção. Chamou táxi para ajudar a levar.  “Enquanto eu comprava, o cliente se arrumava para viajar. É realmente um poupa-tempo para as pessoas esses aplicativos”.  Já a shopper Ingrid de Souza, 19 anos, até carta de amor já escreveu no supermercado para juntar a um chocolate que foi entregue. “Eles interagem com a gente, como se fôssemos amigos”, lembra.

Para pedir de tudo Aplicativo  basta baixar gratuitamente no celularTaxa de entrega  Na Rappi: a taxa mínima é de R$ 5,40. Aumenta conforme a distância e a complexidade do pedido.  Na Glovo: mínima de R$ 6,90. Não há teto, pois depende das mesmas variáveis

Para entregar  O que precisa Ter moto ou bicicleta (no caso da Rappi)O que ganha A taxa de entrega na íntegra fica com o Glover ou RappiCadastro  Não usa o www. https://soyrappi.com e https://glovoapp.com/pt_BR/glovers  

 Pedidos mais inusitados de Salvador

- Bonsai de jabuticaba 

- Vaso sanitário, torneira e cano 

Três pênis vibradores de borracha: um preto, um branco e outro transparente 

- Meia 

- Torradeira 

- Guia de para-choque para Honda Civic 

- Nove preservativos  

- 800 latas de Redbull 

- Chocolate com carta de amor, escrita pela shopper do mercado  

- 3 Iphones  

- Sacar R$ 500 e entregar para o usuário no endereço indicado. O cliente paga no cartão quando precisa de  dinheiro vivo  

- Buscar ingressos para o BAxVI na Fonte Nova que o usuário esqueceu em casa  - Buscar chave do carro na casa de uma pessoa e entregar a outra  

- Seda para fumo e narguilé