Depois de plaquinhas com pedidos, idosas ganham presentes em asilo

Fotos viralizaram na internet com pedidos de presentes de Natal

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  • Fernanda Santana

Publicado em 24 de dezembro de 2018 às 02:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

“Dona Benedita, o que você quer ganhar de Natal?”, perguntaram os funcionários do Lar para Idosos Elizabete, no final de novembro. A senhorinha optou por um lápis de sobrancelha e o pedido, escrito em um pequeno quadro negro, fotografado e divulgado na internet. Rapidamente, os registros dela e de outras idosas do lar circularam para muito além dos limites do bairro de Roma, onde fica o asilo.“Eu ganhei uns 15 lápis, não vou precisar nunca mais de um”, brincou a paulista, unhas pintadas de rosa e cabelo preso por presilhas também enviadas de presente.Todas receberam os presentes desejados para o Natal neste domingo (23). Receberam muito mais do que poderiam pedir.

As portas da casa nº 6 da Rua Antônio Francisco Brandão ficaram abertas durante todo o dia. A anfitriã e proprietária do lar, Elizabete dos Santos, 70, acompanhava a entrada dos visitantes sentada em sua cama, no primeiro cômodo da residência. Lar Elizabete ficou movimentado com a chegada de presentes de toda a cidade (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) “Elas são tudo para mim. Merecem todo esse carinho”, emocionava-se, a cada embalagem de presente que seguia para as mãos das moradoras, no pequeno pátio do Lar. Lá, presentes, conversas e abraços.“Aqui a vida é tranquila. Levantamos cedo, ficamos um pouco no pátio. Esse dia é especial, é uma festa. Fico contente”, falou Benedita Bernardo, 79.  A voluntária Bernadete Anjos ajudando dona Benedita Bernardo a se maquiar (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) A tranquilidade cedeu para um dia de festa. Raro momento num ambiente geralmente silencioso. Os oito funcionários do asilo precisaram se revezar para, num domingo à tarde, acompanhar tamanha movimentação.

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Não diriam que, daquelas fotos, surgiriam momentos transformadores, para visitantes e moradores. “Conversar com elas, abraçar, muda tudo. Sem caridade não há qualquer tipo de salvação”, comentou a aposentada Sônia Bulhosa, 69. Sônia Bulhosa participa de grupo criado para ajudar idosas (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Quando recebeu no celular as fotos das idosas, começou a mobilizar amigas, parentes, colegas. Criaram um grupo de 20 pessoas, reuniram os presentes e foram ao Lar.“Quem ganha o presente, na verdade, somos nós”, afirmou Mary Marcia, 63, outra integrante do grupo.Pedidos Também chamou atenção os pedidos das senhoras. Lápis de olho, perfume e bonecas, por exemplo. Quanto significam para as idosas aqueles presentes de Natal, antes vivido com a família?

O quarto de Martinha da Silva, 81, estava cheio de bonecas. Pediu uma, ganhou dezenas. “Já ganhei tanta boneca, tanta boneca. Mas o bom mesmo é vocês aqui”, brincou. Decidiu pedir uma boneca de presente depois de discutir com outra moradora do asilo.

Martinha queria brincar com a boneca e a vizinha de quarto não deixou. Agora, terá várias. As lembranças, sombreadas pelo Alzheimer, não a impedem de agradecer: “Bom ter esse povo todo aqui”.

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Houve também quem nada pedisse. O Natal é mais que presentes para Ecília Carneiro, 78. Não pediu nada, odeia pedir. “Deve ser por isso que eu ganho”, falou, sentada na cama, entre embalagens e pacotes.

Um problema no joelho a impede de circular pela cada. “Já disse que o presente é a presença. Tanto que fiquei aqui escondidinha”, acredita.

O presente maior seria retornar para o bairro do Uruguai, onde passou toda a vida. Não achou que nenhuma plaquinha pudesse ajudar.“Me tiraram de lá porque eu tava ficando sozinha, com problema. Mas ficar aqui presa, gosto não... quero mesmo é minha casinha”, comentou. O dia do Natal terá ceia e muitas idosas estarão ali. A contar pelo número de visitantes, o Lar espera novas doações para manter o espaço de dois andares. “É a primeira vez que venho aqui para uma doação em asilo. É muito tocante. São coisas mínimas, mínimas. Quero voltar sempre”, falou Rosana Araújo, 50.

Mas que o dito espírito natalino contagie também os outros dias é o que esperam todos. As plaquinhas onde escreveram seus desejos mudam a cada dia. “Ninguém come um dia só no ano”, resumiu Sônia Bulhosa. 

28 anos de asilo Até chegar este domingo, a dona do Lar Elizabete percorreu um longo caminho. Caminho de bastante luta e dedicação aos idosos, o que lhe custou até o pé direito. Enquanto dava banho a uma idosa, no asilo onde trabalhou por 28 anos, uma argola de ferro entrou em seu pé. Diabética, o corte infeccionou e o pé foi amputado. Elizabete dos Santos, fundadora do Lar Elizabete, comemorou a campanha (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Ficou dois meses internada no Hospital Geral Roberto Santos, de onde saiu para retornar quase imediatamente para o Lar. A mãe de 10 filhos perdeu boa parte do crescimento deles para se dedicar aos idosos.“Comecei porque precisava sustentar minha família. Depois que cuidei de minha mãe, doente, vi que era aquilo que eu queria fazer: cuidar. Eu amo fazer isso”, comentou.A filha Roseli dos Santos, 21, hoje colega de trabalho, chegou a sentir raiva da mãe. Via ela por, no máximo, três vezes na semana. “Eu era pequena e não entendia nada. Só depois comecei a entender. Entendi tanto que hoje estou aqui”, falou Roseli. Roseli dos Santos, filha de Elizabete, hoje ajuda a mãe no abrigo (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Há dois anos, tudo começou a mudar. O Lar onde trabalhava mudou de gestão e, em janeiro deste ano, Elizabete foi demitida. Era hora de colocar o plano de uma vida em ação: abrir o próprio asilo. Quando encontraram a casa e iniciaram o funcionamento, as idosas do antigo abrigo logo seguiram Elizabete. 

A anfitriã do dia sabe que os dias no asilo costumam ser bem diferentes. A maioria das idosas se sente esquecida pela família ou se sente presa. Há também as dificuldades de manter o espaço, mantido por mensalidade e, principalmente, por doações. As visitas, no entanto, são difíceis.

Talvez por isso o estranhamento quando a ação das plaquinhas começou a fazer tanto sucesso. O telefone de Roseli tocou sem parar durante uma semana. “Diziam que tinham visto as plaquinhas circulando. Não entendi nada. Porque uma pessoa que doa sempre fez essas plaquinhas, mas ficava só entre a gente. As pessoas queriam muito doar”, lembrou.As doações chegaram ao longo de dezembro. Vieram de diferentes partes da cidade. Um grupo de seguranças do Parque Metropolitano de Pituaçu reuniu alimentos e presentes para o Lar. “É um presente poder ajudar, é um presente maravilhoso”, disse David Edgar, 30.

As portas do Lar ficaram abertas até de noite para entrega dos pedidos das idosas. Dona Martinha segurava os braços dos visitantes, queria que todos ficassem. Nos próximos dias de vida do Lar, a rotina continuará a mesma. Mas, de certa forma, tudo já mudou. 

Como doar Mesmo depois do Natal, doações podem acontecer por meio dos contatos (71) 3014-4102 ou (71) 98669-3236.

*Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro.