Descubra qual é a pérola perdida do cantor Lazzo

Artista foi um dos dez baianos selecionados pelo edital Natura Musical

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  • Laura Fernades

Publicado em 6 de outubro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Larissa Zaidan/Divulgação

O cantor baiano Lazzo Matumbi, 61 anos, teve um filho com 30 anos e só agora reencontrou com ele. Calma, vamos explicar: essa é a forma carinhosa que o artista usa para se referir ao primeiro disco que produziu sozinho, em 1988, Atrás do Pôr do Sol. Perdido no tempo e provavelmente nos sebos - o próprio Lazzo nem tem mais -, o LP deixou sucessos como Lamento, Abolição e Me Abraça e Me Beija. Só agora, 30 anos depois, é que o disco vai ganhar reedição pelo Natura Musical.

Além do LP, que terá participação de artistas como Emicida, Curumin e Mahal Pita do BaianaSystem, o projeto 30 Anos Atrás do Pôr do Sol prevê o lançamento das oito músicas nas plataformas digitais, de um minidocumentário para as redes sociais e uma curta temporada de shows, em 2019. “Nada a dizer, só a agradecer. Pra mim é tudo lindo: é como um filho que alguém descobriu com 30 anos”, ri Lazzo, um dos nomes de destaque do Natura Musical 2019, que divulgou seus vencedores nesta quinta-feira (4).

Basta fazer uma busca rápida pelas plataformas de streaming para perceber a dificuldade que se tem hoje de encontrar o álbum que entrou para a história da música baiana e que segue entre as raridades escondidas. Mas não é que dois paulistas descobriram o paradeiro do disco perdido? À frente de uma discotecagem feita exclusivamente com vinil, o DJ Bruno Komodo, 37, e o jornalista Peu Araújo, 32, encontraram a relíquia em uma de suas vindas a Salvador.

Bastou isso para os dois ficarem encantados com um dos pais do samba-reggae e incluirem Atrás do Pôr do Sol na discografia da festa Rabo de Galo, que acontece há três anos em São Paulo. “É Luiz Melodia?”, questionou alguém da festa. “É Edson Gomes?”, perguntou outro. “A gente sabe que na Bahia ele tem uma grandiosidade que é merecida, mas aqui a gente sentiu que as pessoas não conheciam. A gente sempre tem que explicar quem é o Lazzo”, sorri Peu, que foi quem deu o pontapé na ideia de homenagear o cantor baiano.

Depois de entrevistar Lazzo para uma reportagem sobre álbuns importantes da música brasileira que foram esquecidos, Peu fez o convite e o cantor baiano topou na hora. “A nossa intenção é que a obra do Lazzo seja espalhada pelo Brasil todo”, justifica Peu que, ao lado de Komodo, assina a direção musical do disco produzido pelo baiano Ubunto. “Lazzo tem uma importância muito grande por conta do discurso que é muito atual”, completa Komodo. Bruno Komodo e Peu Araújo assinam a direção e idealização da homenagem a Lazzo (Foto: Divulgação) Protagonismo As letras, escritas em 1988, poderiam perfeitamente retratar as discussões atuais. Abolição, por exemplo, fala em “acabar com a tristeza, com a pobreza e o apartheid/ Não fazer da humanidade a metade da metade”. Já Lamento, questiona “até quando a gente vai suportar um falsa igualdade” e quando haverá “uma avenida livre de preconceito”.

“O que a gente quer é trazer essa herança cultural que a gente tem, mas que o brasileiro tem esse lance de esquecer. Principalmente em um momento como esse em que, pela primeira vez, há uma discussão racial no país”, defende Komodo. Por isso, o cuidado foi convidar cantores negros para reler a obra de Lazzo, que vai cantar em todas as músicas. “É para ter esse protagonismo negro mesmo, porque o disco fala disso e é bem importante”, afirma.

Ubunto, 23, não só concorda, como destaca a atualidade sonora de Atrás do Por do Sol. Mesmo quem não conhece o disco, garante o produtor, “está reproduzindo a sonoridade, os timbres de bateria e de sintetizadores”. “O que Lazzo fez há 30 anos está sendo considerado novo, hoje em dia. Então é mesmo uma pérola perdida na história da música”, reforça, sobre o disco que traz novos arranjos que bebem na música contemporânea e eletrônica. (Foto: Larissa Zaidan/Divulgação) Ou seja, a ideia é que o disco “sirva para a pista, mas sirva também para você pensar sobre ele”, resume Peu que, junto com Komodo, desenvolve uma pesquisa sobre a música brasileira em paralelo ao Rabo de Galo. “A gente nunca toca uma música sem ela ter um porquê, sabe? A gente escolheu esse disco porque ele é muito bem pensado. É um projeto para fazer a galera discutir, refletir e pensar”, convida.

A parceria com artistas da nova geração, portanto, é bem forte no projeto. Mas não é necessariamente algo novo na trajetória de Lazzo, que fez show com o IFÁ ontem, já cantou com o Ministereo Público e homenageou Luiz Melodia (1951-2017) no Prêmio da Música Brasileira com Iza e Liniker. “Acho ótimo dialogar com essa galera nova. Quando vejo esses meninos novos me tratarem com carinho, tenho certeza que estou no caminho certo, na linguagem contemporânea. Tenho o maior respeito. Tô superfeliz”, vibra Lazzo com seu jeitão simpático.

Apartheid Dialogar com o novo sem perder a identidade, a matriz, sempre guiou Lazzo em sua trajetória, que inclui passagem pela ala de canto do bloco afro Ilê Aiyê e turnê como backing vocal e percussionista do músico jamaicano Jimmy Cliff. Gravado por artistas como Gilberto Gil e Margareth Menezes, Lazzo diz que esse momento que está vivendo é só uma prova de que está no caminho certo.

“Isso pra mim é: continue na estrada, seguindo e construindo que nada é em vão”, comemora o cantor, que será o homenageado da 4ª Balada Literária da Bahia, em novembro. “Talvez por isso nunca tenha me preocupado em ser tão midiático. Quando vejo isso acontecer, tenho certeza que é reflexo do carinho que tenho com o que faço. Isso é coisa dos deuses. A ancestralidade me acompanha o tempo todo”, garante o artista, que não se preocupa em estar no centro da indústria musical. “Meu maior termômetro é o público”, justifica. (Foto: Djalma Santos/Divulgação) Por isso, Lazzo não esconde a emoção em ver acontecer um projeto como 30 Anos Atrás do Pôr do Sol, selecionado na categoria nacional do Natura Musical, que também tem um edital só para a Bahia. Além da “realização de um sonho”, o projeto faz com que o cantor seja transportado diretamente para a década de 1980, período de efervescência “da autoestima do povo negro, alavancada pelos blocos afros”, destaca.

“Tinha um movimento no mundo de autoafirmação e a Bahia brigando por coisas que, de certo modo, resultaram no apartheid desse Carnaval de pobres, negros e classe média alta”, reflete o cantor, que lamenta a atualidade do disco. “Fico assustado quando vejo algumas posturas. Isso prova que todo questionamento que a gente faz de questões sociais e raciais nunca mudou”, lamenta o cantor.

Além de denunciar a tentativa de “embraquecimento” que  até hoje nega “uma classe que ajudou a construir esse país”, Lazzo chama a atenção para a necessidade de repensar a humanidade. “A gente está falando dos políticos e esquecendo da relação do ser humano. Essa relação de intolerância está se dando no mundo. Que país é esse que a gente está querendo? Isso me deixa triste. A única coisa que posso fazer é colocar nas minhas canções as minhas dores. Continuo até hoje”, finaliza.

*A repórter viajou a convite da Natura Musical