Destaque do Flamengo superou depressão e risco de criminalidade

"Entrou no crime muito cedo, escapou de tomar tiro várias vezes", relata pai de Michael, Manoel Messias

Publicado em 7 de outubro de 2021 às 09:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Alexandre Vidal/Flamengo

"Pô, no Goiás você jogava demais. Contra o Flamengo, você foi um monstro naquele Brasileiro (de 2019). Ninguém desaprende. Eu quero aquele atacante do Goiás jogando aqui comigo". As palavras de Renato Gaúcho logo nos primeiros treinos no Ninho do Urubu serviram como um divisor de águas para Michael no elenco rubro-negro.

De atleta secundário e marcado pela torcida, ele virou peça fundamental para mudar jogos. Em muitos deles, acabou sendo importante não só com assistências, mas também com gols.

Em entrevista ao Estadão, Manoel Messias de Oliveira, de 60 anos, e pai do novo xodó da Gávea, contou a transformação que o treinador rubro-negro provocou na vida do filho desde que foi contratado para o lugar de Rogério Ceni, há poucos meses."Ele fala que o Renato é o seu parceirão. Mudou tudo desde que ele chegou. E o trabalho não ficou só no discurso. Nos treinos, corrigiu algumas deficiências do Michael, direcionou trabalho específico e fez meu filho estar novamente focado para a volta por cima", comentou o pai do atleta.Desde a sua chegada ao Rio, em janeiro de 2020, Michael passou por muitas transformações. Contratado a peso de ouro após o excelente campeonato que fez pelo Goiás, o atacante viu a sua rotina mudar, a primeira delas foi trocar Goiânia pelo Rio de Janeiro. O protagonismo do time esmeraldino deu lugar ao papel de coadjuvante no Ninho do Urubu. Mas foi fora de campo que as coisas se complicaram. E a depressão foi o primeiro sinal de que algo não ia bem.

"A transição foi difícil. Dinheiro demais às vezes atrapalha. Muitas pessoas começaram a pedir coisas. E o Michael não sabia dizer não. Ele precisou de uma ajuda psicológica. Ele se sentia um caixa eletrônico. Achava que as pessoas só agiam por interesse. Logo depois da mudança para o Rio, a mulher engravidou. Não é fácil. Para ter uma ideia, uma vez ele me ligou e disse que estava vendo uns vultos. Daí pedi para fazer orações. Logo depois viajamos e passamos um tempo juntos no Rio", afirmou Messias, em um tom bastante emocionado. Michael não conseguiu tempo na agenda para atender a reportagem.

Em entrevista ao Canal Barbaridade, no YouTube, tempos atrás, o atacante revelou ter passado por momentos difíceis e chegou até mesmo a pensar em suicídio. De origem humilde, o patriarca se apegou aos conselhos para amenizar o sofrimento do atacante flamenguista e lhe mostrar caminhos.

Pai de quatro filhos, o professor de informática teve dificuldades na criação das crianças, principalmente após a separação da mulher. Primogênito, Michael começou a seguir por caminhos perigosos ainda na adolescência. Álcool em excesso, envolvimento com drogas, brigas e roubos passaram a atormentar a família."Sinceramente, não via futuro para o meu filho. Entrou no crime muito cedo. Com 13, 14 anos ele ia para as bocas de fumo. Eu saía à noite desesperado atrás dele. A polícia vinha sempre atrás dele e dos amigos. Escapou de tomar tiro várias vezes. Roubava carros e depois jogava dentro do rio. Fiquei sabendo disse só bem mais tarde. Ele (Michael) saiu de Poxoréu (cidade onde foi criado, no Mato Grosso e que fica a 251 km ao sul de Cuiabá) fugido. Foi para a casa das tias, em Goiânia, e continuou aprontando e andando com pessoas erradas", afirmou ao Estadão.Descoberta da igreja Os tempos de turbulência só terminaram quando um amigo de Michael foi morto a tiros. Com a ajuda do amigo e técnico Fabrício Carvalho, o jogador foi entrando nos eixos, passou por alguns times da capital goiana e ganhou destaque. Mas segundo Miriam Alves, madrasta do jogador, foi a igreja que o ajudou a mudar de vida.

"Ele aceitou a Jesus e as coisas foram acontecendo em sua vida. Sei que, mesmo envolvido com drogas, ele sofria. Tinha um bom coração. Tive câncer e o Michael me ajudava nas tarefas de casa. Uma vez, num momento de desespero, ele suplicou: 'Deus, se você existe, abra uma porta para mim. Logo depois ele foi para o Goianésia, fez três gols em um jogo e apareceu nos gols do Fantástico (quadro esportivo de programa de televisão que vai ao ar aos domingos à noite). O Goiás ficou de olho nele e o contratou", contou Míriam.

Pai corintiano Esqueça o Michael problemático e envolvido com pessoas erradas. Desde que passou a se destacar no Goiás, o atacante ligeirinho colocou os pais como prioridade em sua vida. A transferência para o Flamengo ajudou a mudar esse panorama."Hoje temos uma vida de tranquilidade. O Michael nos proporciona uma velhice sossegada. E procura ajudar não somente a gente, mas também os seus irmãos. A mãe biológica também é auxiliada pelo filho. Temos muito orgulho de ver o nosso menino brilhando no futebol", comentou o pai.Corintiano assumido, Messias espera ver um dia o filho vestindo a camisa de seu clube do coração. "Brinco com ele que se jogar Corinthians e Flamengo, torço por uma vitória do Corinthians por 2x1, mas com um gol dele. Claro que estou brincando. Agora tenho dois times para torcer. Mas o restante da família é toda flamenguista mesmo. A Míriam, minha mulher, que é cruzeirense, também virou Flamengo por causa dele", completou Messias.

Em dias de jogos em sua casa, filhos e netos se amontoam na sala com a camisa rubro-negra. Dentre os familiares, uma merece destaque especial. "A minha mãe, Maria Rosa, de 83 anos, é doida com o Michael. Ela tem a bandeira separada e fica segurando. Quando o neto está jogando e sofre alguma falta, ela fica muito brava", comentou aos risos o pai do atacante.

Há pouco menos de dois meses para a final da Libertadores contra o Palmeiras, em Montevidéu, Messias e Míriam já tem o roteiro definido a seguir. Mas se engana quem pensa que o pai e a madrasta vão estar assistindo à decisão no estádio Centenário.

"Vamos viajar agora em outubro e ficar um tempo na casa do Michael. Tem a nossa neta e vamos matar a saudade. A Andrezza, minha nora, é sensacional e muito importante na vida dele. Mas prefiro ver o jogo aqui na minha casa mesmo, com meus familiares Não gosto de sair do Brasil. O que eu quero mesmo é ver o Michael jogando num Maracanã lotado".

Durante a conversa, Messias comentou sobre o cotidiano do filho quando está em sua casa, no Rio. E revelou hábitos que ele conserva desde os tempos em que morava em Poxoréu."Gosta de lavar o carro, ir para a cozinha preparar um tira-gosto e faz uns pratos bem legais. O meu filho é bom de garfo, mas também é bom na cozinha. Ele ainda montou uma academia completa e faz exercícios o tempo todo. A alimentação é toda balanceada, certinha. Dá até orgulho ver a dedicação dele".Medalhões são alicerce Por fim, Messias contou que, nessa nova fase de Michael no Flamengo, algumas pessoas foram muito importantes na sua adaptação e transformação. Entre os amigos, o destaque fica para o goleiro Diego Alves, o meia Diego e ainda o lateral-esquerdo Felipe Luís.

"Não sei, mas de repente foi o próprio Renato Gaúcho que pediu ajuda para os veteranos. São atletas com rodagem, que já passaram muitas coisas na vida e abraçaram o Michael. Nos bons momentos, você pode reparar, ele está sempre comemorando com esses três. O Rafinha também era muito próximo, mas infelizmente acabou deixando o Flamengo. Enfim, é bom saber que pessoas boas estão cercando nossos filhos", completou.