Diário da Série B: Aleluia

Pelos pés de Wesley, Vitória desencanta em resultado providencial que operou milagres e até-que-enfins. Vila Nova-GO 0×2 Vitória

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  • Gabriel Galo

Publicado em 4 de setembro de 2019 às 10:49

- Atualizado há um ano

. Crédito: Carlos Costa/Estadão Conteúdo

Goiânia, 03 de setembro de 2019

Rodada 21 de 38

Um dia a mais

A sequência de jogos do Vitória era absolutamente desgastante. A sequência de jogos com intervalo de 3 dias alcançou mais partidas do que se supunha ideal. Coincidiu com a chegada de Amadeu que, mesmo assim, manteve a invencibilidade, apesar de 3 tropeços que jogaram fora 6 pontos que colocariam certamente o clube em outro patamar na competição.

Quando a partida em Goiânia foi adiada do dia 2 para o dia 3, houve comemoração. Como a maratona de jogos limou Van e Martin com contusões, qualquer descanso adicional viria bem a calhar para evitar novos problemas físicos.

Confirmada a nova data, haveria também um dia a mais para treinar novas formações, novos planos táticos. Seria mais um dia para tentar organizar a transição ofensiva do time, fator sem evolução desde a chegada do comandante.

Jordy de fora

Algo aconteceu com Jordy desde aqueles primeiros jogos, quando ele impressionou com sua velocidade e força física. Desde que foi mandado para o banco de reservas depois da vitória contra o CRB, o rendimento do equatoriano caiu vertiginosamente.

É fundamental entender o contexto da contratação de Jordy, em todo seu processo. Chegou num país novo, com idioma novo, e teve que esperar mais de um mês até ter sua papelada regularizada. Foi a campo, aproveitou as oportunidades, apesar da evidente falta de pontaria nas finalizações.

Depois, foi mandado ao banco quando não merecia sair da equipe. E aqui cabe ressaltar outro aspecto fundamental: Jordy é um garoto de apenas 21 anos. Vivendo sua primeira experiência internacional, num país tão tradicional quanto o Brasil.

Se foi por isso que seu rendimento decaiu é quase impossível dizer. Ao mesmo tempo, se há fatores externos, eles foram abafados sem que fossem soltos na mídia.

O que é inegável é a correlação entre o banco de Jordy e sua espiral negativa. Não necessariamente uma relação causal, mas a coincidência gera dúvidas. Só que no maltrato que é disputar uma Série B contra o rebaixamento, sucumbir não oferece tanto espaço para recuperação psicológica.

E aqui volta a questão psicólogo sugerida na largada deste campeonato. Se agora a atuação não é tanto mais coletiva, haverá casos individuais que carecem atenção próxima. Parece ser o caso do equatoriano.

O Vila

O Vila Nova é concorrente direto na disputa contra o rebaixamento. Liderada por Marcelo Cabo, técnico que já foi campeão da Série B pelo Atlético-GO, rival goiano, tem alguns nomes conhecidos pelos lados de Canabrava. O que mais se destaca é o mono-funcional Jeferson, aquele que não consegue correr e pensar ao mesmo tempo.

De todas as questões envolvendo o Vila, a quem o Vitória venceu ainda nos idos de Tencati, no dia da descoberta de Potó – ou Ruan Levine, a pedido dele mesmo -, a mais emblemática, no entanto, ocorreu há muitos anos. Mais precisamente no dia 30 de agosto de 2011.

Tanto lá como cá, as equipes se enfrentaram pela Série B do Brasileirão. E no Serra Dourada, o Vitória venceu por 3 a 0, gols de Marquinho, Lúcio Flávio e Geovanni.

O que ficou guardado daquele jogo não foi necessariamente o placar, nem tanto como aquilo impactou a caminhada da equipe no campeonato. O Vitória, no fim, terminaria em quinto, a 1 ponto do Sport, quarto colocado.

O fantástico daquele dia foi que a torcida do Vila Nova pressentia o rebaixamento, que viria com muitas rodadas de antecedência. E uma gravação in loco registrou uma das maiores pérolas da história da televisão brasileira. Recordar é viver.

Novo time titular

Aparentemente, Amadeu gostou de como a equipe se comportou depois da entrada de Rodrigo Andrade na última partida. Assim, mandou o rechonchudo volante pra começar jogando. Além dele, Capa também voltou ao time inicial, mandando o também roliço Chiquinho pro banco de reservas.

O desenho tático com 3 volantes, apesar de mais defensivo no papel, poderia oferecer mais variações. Seja um 4-1-4-1 defensivo, evoluindo prum 4-3-2-1 ou 4-3-1-2 no ataque, deixaria Wesley, Felipe Gedoz e Anselmo Ramon com mais liberdade para criar. Pelo menos essa era a expectativa.

O teste certamente valeria a pena.

Pra cima de Capa

No começo do jogo, o Vila Nova pressionou o Vitória como pôde. Especialmente do lado direito de seu ataque. Jeferson abusava de sua velocidade para chegar à linha de fundo nas costas de Capa, que se virava como podia. Ao menos, para alívio rubro-negro, Jeferson sofre da condição unidirecional citada anteriormente.

E foi por ali que o time chegou em praticamente todas as vezes. Apesar de um tanto afobado, um tanto desorganizado, o time goiano era senhor do jogo, controlando a posse e o ritmo e encolhendo o Vitória no seu campo de defesa.

Na distribuição defensiva, o 4-1-4-1 viravam duas linhas, um 4-5 ou 5-4, que empurrava tanto Gedoz quanto Wesley para o fundo do campo, isolando Anselmo Ramon. A experiência dos 3 volantes não dava, pois, a liberdade que se intencionava.

15 minutos de domínio

Só que no primeiro tempo, durante 15 minutos, o Vitória conseguiu dominar as ações e chegar com perigo ao ataque. O time chutava de longe, chegava bem na linha de fundo, procurava jogadas em triangulação que liberavam espaço.

Aos 28, o gol rubro-negro.

Assim como a Lucas Cândido, você, incréu, pensará ter sido mero azar vermelho ter visto a bola desviar no zagueiro e encobrir o goleiro no chute de Wesley. Ora, ora, pois brado: CREIA.

Era noite para crer, pois, pois.

Wesley pegou calculadora, calculou integral, derivada, arco, parábola, força, velocidade, massa, ajustou ao vento e à posição do goleiro, posicionou-se na firmeza do possível e desferiu o arremate que beijou a zaga, subiu malandro, deu tchau pro goleiro e abriu o placar.

Logo ele, o execrado, o homem com cola nos pés, o tropeçante Wesley era a válvula de escape que não deixava dúvidas: é na crença que milagres acontecem.

Milagre da multiplicação dos gols

O Vitória seguiu pressionando. Buscando o segundo gol que daria tranquilidade e despejaria todo o desespero pra cima do Vila. E ele, inacreditavelmente, veio. Uma vez mais pelos pés santos do incompreendido – pelo menos por uma noite – Wesley. E com requinte.

A bola foi subindo para que Wesley buscasse a tabela com Anselmo Ramon. Dentro da área, o 9 dominou com a esquerda e deu de calcanhar com a direita o passe perfeito para Wesley nem precisar ajeitar a bola. Na cara do goleiro, não perdoou. Um golaço.

Vila Nova-GO 0×2 Vitória.

A torcida em Goiânia ficou ensandecida. Era dali direto pro primeiro santuário que encontrasse para testemunhar a sua fé no milagre presenciado e renovar os votos de fé e de esperança.

Quando o impossível se faz presente, só nos resta aceitá-lo e reverenciá-lo.

Pra quê segundo tempo?

Um dia, alguns dilemas fundamentais para o mundo serão discutidos com a profundidade que eles requerem. São pontos esquecidos, tratados com desprezo, pensados como relevância menor.

Só que um dia os excluídos serão exaltados, assim diz o ditado do recalque.

Por exemplo, na fatídica noite de terça-feira, Wesley seria o exaltado da vez. Como negar este dito quando tão correto?

Assim, afirmo: está na hora de se discutir a sério e à vera a necessidade de que sejam disputados os segundos tempos dos jogos do Vitória.

Porque é cada sufoco da miséria, cada recuada que entope veias e artérias Brasil afora. É questão, pois, de saúde pública!

Parasse ali, no intervalo, pronto, acabou!, o que mudaria na vida de todo mundo? Nada. Nadinha. E evitaria o despautério que foi o segundo tempo em Goiânia.

Recuo total

No segundo tempo, a decisão que todos temiam veio. E o Vitória se postou atrás, esperando o Vila. Abdicou de atacar por completo. E o sufoco veio.

Bolas levantadas na área. Faltas cobradas com perigo. Triangulações que colocavam os atacantes goianos dentro da área do Vitória.

Ronaldo defendendo, a trave salvando uma, duas vezes.

No que só resta crer na intercedência divina que expande a trave rubro-negra a uma espessura incompreensível. São muitas mais bolas na traves no período que gols sofridos. Ou melhor: GOL sofrido, no singular, aquele unzinho perdido contra o Coritiba.

Se o placar estava confortável, sofrer como sofreu na etapa complementar não teve nada de conforto. Foi só sufoco e sofrimento. E um placar inalterado.

Então, pergunto uma vez mais: pra quê segundo tempo mesmo?

Mais chances de ouro

Nas próximas duas rodadas o Vitória terá chances de ouro de consolidar seu crescimento na tabela. Completando uma tripleta conta equipes na zona do rebaixamento, volta ao Barradão – no que também fora anunciado que seria na Arena, mas não será – para enfrentar o Guarani. Em seguida, visita o São Bento em Sorocaba.

Neste contexto, quaisquer resultados que não somem 6 pontos são perigosos para as pretensões rubro-negras na competição. Até porque depois o bicho pega, pegando Atlético-GO, Bragantino e Sport, os 3 no G4. Melhor acumular pontos para não passar por apuros depois.

A ver.

Enquanto isso, levantemos as mãos para o céu em agradecimento pela graça alcançada. Dois gols de Wesley, com direito a golaço, não é coisa a ser minimizada. Aleluia!

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor. A opinião do autor não necessariamente reflete a do jornal.