Direito a consertar

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  • Hugo Brito

Publicado em 25 de março de 2022 às 06:00

- Atualizado há um ano

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A Indústria da Europa acaba de receber um duro golpe. O parlamento da União Europeia aprovou uma lei que dá ao consumidor o “Direito de Consertar”. Pela regra, todo fabricante vai ter que permitir que os produtos tenham peças para reparo por pelo menos 10 anos, e que os reparos mais simples possam ser feitos com ferramentas convencionais. Apenas alguns consertos mais sensíveis terão que ser obrigatoriamente feitos nas assistências técnicas, por pessoal especializado.

O objetivo da medida é permitir que a Europa atinja a chamada neutralidade climática até 2050. Nem a Inglaterra, que não faz mais parte do bloco de 27 nações, vai conseguir escapar da nova lei, pois, se ela não se ajustar, terá o comércio dos seus produtos prejudicado. Mas o processo não deve ser tão simples assim, afinal a indústria “programou" as cabeças das pessoas para uma busca incessante pelo novo, principalmente a da tecnologia, em que essa forma de atuar é ainda mais intensa, e sabemos que mudar comportamentos leva tempo. Peguemos os celulares, por exemplo. Toda hora sai um modelo novo, há uma evolução, que torna tudo o que veio antes velho, e cada vez mais rápido, sem falar que consertar um aparelho, dependendo do problema, é algo relativamente caro. Todos que usam smartphones sabem que trocar uma tela quebrada, em alguns modelos, pode significar o gasto de mais da metade de um aparelho novo, o que leva o consumidor automaticamente para o dilema entre consertar o antigo ou comprar um aparelho mais moderno, com novas funcionalidades e garantia por mais um ou dois anos. 

De novo ARA?

Essa ideia de poder reciclar me faz lembrar de um projeto que o Google abandonou em 2018, e que se encaixaria perfeitamente nessa demanda de “não jogar fora”. Ele se chamava “ARA" e trazia aparelhos que funcionavam como um quebra-cabeças, onde era possível trocar a câmera por outra, ou então o alto-falante por um mais potente, sem precisar nem desligar os celulares. O abandono veio, à época, exatamente porque a novidade batia de frente com modelos, onde nem a bateria é possível trocar, e que têm essa indivisibilidade como uma vantagem, uma desculpa para maior perfomance, ideia que nem novas tecnologias presentes no aparelho em blocos, que resolviam esse problema, tiveram a capacidade de convencer consumidores “catequizados” pelos fabricantes. Resta aguardar para ver se o movimento atual da Europa, não vai acabar por fazer, em breve, que os aparelhos "ARA" venham a renascer como uma grande alternativa para reduzir o descarte de celulares, numa tentativa de ajudar o mundo numa, diria, volta às origens… Quando consertar, na maioria das vezes, sempre valia mais a pena do que comprar um produto novo.

Algorítmos: algozes ou aliados?

Imaginar o mundo sem computadores é impossível. Hoje, carregamos computadores pessoais nos bolsos, que por um acaso podem, de vez em quando, ser usados para fazer as obsoletas ligações telefônicas. Essa sociedade hiperconectada fez com que a tecnologia evoluísse para atender aos interesses do mercado que ela mesma criou. Reconhecimento facial, de digitais, predição de palavras a serem digitadas para fazer o processo de escrita mais fluido, e aprendizado das nossas preferências pelas máquinas não são nem percebidos como algo extraordinário hoje em dia. Tudo isso foi trazido pela evolução dos algorítmos, modelos matemáticos usados na programação de computadores, e uma ilustre filha desse processo… A Inteligência Artificial, ou IA como muitos chamam.  Mas seria essa dependência de dispositivos que “pensam” por nós uma evolução ou o risco de um retrocesso? Pergunto isso porque, muitos dos sistemas, rastreiam nosso comportamento e procuram, com base nele, tornar a procura mais rápida, mesmo quando não há interesse comercial, oferecendo logo o que eles acham que queremos. Quem nunca pesquisou alguma coisa na internet e, de repente, começou a receber mensagens sobre o assunto, que atire a primeira pedra. Essa tendência a oferecer só o que queremos, estaria nos levando para uma forma, diria, monocromática de ver o mundo? Estaríamos sendo expostos só ao que conhecemos ou procuramos, sem acesso ao novo? Perguntei a Gustavo Ioschpe, fundador e CEO da Big Data, empresa que transforma dados em inteligência artificial para aplicações de venda, e ele acha que não é esse o caminho. Para ele, IAs bem construídas vão oferecer algo dentro do que a pessoa sempre procura mas, também com base nessa preferências, extrapolar para a proposta de novas experiências.

Reconhecimento Facial

Outro ponto que tem trazido muita discussão é o uso de inteligência artificial em sistemas de segurança como, por exemplo, nos que usam reconhecimento facial e são muito comemorados como a última milha, mesmo com diversos casos pelo mundo que apontam para um possível racismo dos sistemas. Outro dia, por exemplo, um ator negro americano apareceu como um suspeito de uma chacina no Ceará, vocês devem lembrar do caso. Por conta disso conversei com Thoran Rodrigues, CEO de outra empresa de tecnologia de dados, a BigDataCorp. Ele destacou que essa é uma tecnologia em maturação, e que há formas de minimizar essas falhas. Segundo ele, a escolha de bancos de dados que representem melhor as populações onde o sistema vai ser usado pode minimizar o problema, mas zerar, é fato, será praticamente impossível.

Outra forma de reduzir erros é evitar usar nos perfis dos bancos de dados aspectos que levem à discriminação. Ele citou como exemplo os sistemas de análise de crédito americanos, em que o bairro onde a pessoa analisada mora não é levado em conta, pois por lá, dizer que mora em determinados bairros pode levar à discriminação racial. Sem dúvida, o assunto é polêmico, mas o fato é que não podemos retroceder. A sociedade tem que discutir, de forma profunda a melhor maneira de usar a Inteligência Artificial, para que ela traga mais soluções do que problemas.