Documentário que será exibido no Panorama aborda alfabetização de adultos

"Potente, embora doloroso, longa de estreia dos realizadores", diz Cláudio Marques, sobre o documentário Diários de Classe, de Maria Carolina e Igor Souza

Publicado em 9 de novembro de 2017 às 12:35

- Atualizado há um ano

. Crédito: divulgação

Em uma das últimas sequências de Diários de Classe, de Maria Carolina e Igor Souza, vemos parcialmente um policial que está sentado em um banco, em uma sala ordinária onde ocorre uma audiência. Não vemos o rosto desse policial. Ele veste um colete à prova de balas, carrega um rifle e cumpre ordens. O armamento pesado, de quem está em guerra, transmite a gravidade da situação.

Um pouco mais ao fundo, uma senhora, cerca de 60 anos (muito provavelmente, ela possui uma idade menor) acompanha as palavras da juíza. A senhora inspira a mais completa sensação de fragilidade. Ela vai desabar a qualquer instante. O policial está lá para proteger a sociedade daquela senhora. A leitura e discussão do caso fará a senhora chorar copiosamente. O policial não se mexe.

Maria Carolina e Igor não tiveram “a sorte” de pegar um momento de emoção. Não se trata disso. O enquadramento, a paciência e o respeito pelos personagens fazem com que eles desvendem em poucos minutos toda a engenharia brutal e absurda da nossa sociedade.

Essas são as marcas desse potente, embora doloroso, longa de estreia dos realizadores.

O filme começa com muita força e se o perde em alguns momentos o faz para que possamos respirar. A consciência da injustiça e opressão, que a todo custo juramos dizer conhecer, surge ao sermos jogados no cotidiano de personagens com tantas dificuldades no presente e de poucas chances no futuro.

Em “Diários de Classe”, vivenciamos as dificuldades na penitenciária feminina e, também, em escolas da periferia de Salvador. O filme registra momentos preciosos, nesses espaços, de três mulheres, adultas, que frequentam aulas de alfabetização. Aprender a ler é mais do que ressocializar. É uma tentativa, via de regra, de não submergir e renascer. Mas, as condições de vida são tão precárias, que o estudo se torna um luxo muitas vezes inalcançável. Como conciliar com o emprego? Como estudar quando se sabe que os filhos estão nas ruas metidos com drogas? As drogas, aliás e obviamente, são um capítulo à parte e estão condenando uma geração a mais completa destruição. E aqui entram os calmantes e anti-depressivos que os psicólogos do presídio utilizam para “neutralizar” as detentas, que quase não se sustentam em sala de aula.

Os rostos dessas mulheres são fortes, expressivos. Os corpos dos mais velhos são frágeis, cansados.

Uma senhora possui o código penal em mãos. Ela tenta decifrar o “juridiquês” para a amiga, pois elas entenderam que não tem ninguém para defendê-las. “Os presos conversam com os estagiários, não com os advogados”, arremata uma delas! O sistema é articulado para mantê-las ali. A impotência as aprisiona ainda mais. Em outro momento, discute-se talvez o que seja o tema central desse longa. A professora passa um filme sobre a escravidão em sala de aula e depois todos debatem. Uma mulher diz que não aceitaria ser escrava, que reagiria e seria morta. A outra lembra que nada mudou. Que apenas suavizaram os métodos, mas todas ali estão submetidas a um outro tipo de sujeição não menos perversa. “Aqui é a Senzala, Pró. Estamos na escravidão das leis.”

“Diários de Classe” não nos joga totalmente na depressão, no entanto. Ele carrega doses de esperança e solidariedade. É difícil, mas não impossível, um dia atingir outro patamar de convivência e civilização. “A escravidão não é uma condição física, mas uma questão mental”, diz a ativista norte-americana em visita ao presídio.

Um filme importante, filmado sem excessos e com muito respeito! Diários de Classe merece ser visto e discutido amplamente.

Cláudio Marques, cineasta e coordenador do Panorama Internacional Coisa de Cinema

SERVIÇO Competitiva Nacional III - 11 de novembro, às 17h, no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha  - Ingressos: R$ 10,00 / R$ 5,00

Curtas: Na Missão, com Kadu, de Aiano Bemfica, Kadu Freitas e Pedro Maia de Brito (MG) Chico, de Eduardo Carvalho e Marcos Carvalho (RJ)

Longa:

Diários de Classe, de Maria Carolina e Igor Souza (BA) Conversa com os diretores após a sessão

Em Cachoeira, o filme será exibido no dia 11/11, às 17h, no Cine Theatro Cachoeirano. Dia 14/11, às 15h, haverá uma sessão gratuita na Sala Walter da Silveira