Doença misteriosa afeta mais de 30 moradores de condomínio em Salvador

Principal suspeita é que sintomas sejam causados por picada de inseto

  • Foto do(a) author(a) Yasmin Garrido
  • Yasmin Garrido

Publicado em 18 de outubro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

Os sintomas são bem aparentes: manchas vermelhas pelo corpo, principalmente braços e pernas, e muita coceira que duram entre cinco e seis dias. Isso é o que já sentiram 32 moradores de um mesmo condomínio no bairro de Patamares, em Salvador. Ao todo, o conjunto habitacional, que tem 18 torres, reúne 1.622 apartamentos e uma área verde de 305 mil m² dentro da própria estrutura, que fica ao lado do Parque Metropolitano de Pituaçu, um dos principais pontos da cidade com remanescentes de Mata Atlântica.

As informações foram passadas ao CORREIO pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que investiga os casos ao lado do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs), de equipes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Bahia, além do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ).

De acordo com a coordenadora do Cievs, Cristiane Cardozo, a principal suspeita é que os sintomas da coceira misteriosa sejam causados por picadas de algum inseto ainda não identificado. “São características de picadas de insetos. Nós já descartamos a hipótese de arbovírus, a exemplo de zika e chikungunya”, explicou.

Ainda segundo Cristiane, equipes dos órgãos de saúde estão frequentemente no condomínio e já conversaram com os moradores.“Eles relatam que sentem um ardor rápido, o que chamam de pinicada, e depois as manchas aparecem e a coceira tem início. Mas, ninguém consegue ver o inseto, o que nos leva a pensar que seja alguma coisa muito pequena”, afirmou.Segundo ela, as pessoas atingidas estão utilizando apenas pomadas, cremes e hidratantes para aliviar a coceira. 

Armadilhas A coordenadora do Cievs também destacou que tanto o CCZ quanto a Fiocruz já instalaram armadilhas no entorno do condomínio para tentar identificar o inseto ou outra coisa que possa estar causando os sintomas nos moradores. “É possível que o número de casos aumente. Estamos em 32, por enquanto, e sabemos que o primeiro caso, que não entra nessa conta atual, aconteceu em agosto”, contou Cristiane ao CORREIO.

A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), afirmou que está cuidando de 6 dos 32 casos já identificados no condomínio e que, além deles, há sinal de outras 11 pessoas com os mesmos sintomas em bairros distintos de Salvador. “Foram coletadas amostras de pacientes e já descartamos a hipótese de arbovírus”, escreveu em nota a pasta. Além disso, a secretaria declarou que outro relatório vai ser divulgado assim que as investigações estiverem mais avançadas.

Até agora, já foram registrados casos em pessoas com idades entre 4 e 64 anos, moradoras do condomínio no bairro de Patamares, segundo o Cievs.“Estamos trabalhando em equipes com infectologista, dermatologista, biólogo, epidemiologistas e sanitaristas para tentar identificar as causas desses sintomas. Mas, por enquanto, pedimos que os moradores evitem passar muito tempo em áreas externas com roupas que deixem pernas e braços expostos”, orientou Cristiane.A coordenadora do Cievs também ressaltou que está descartada a possibilidade de se tratar de uma doença contagiosa, transmitida de pessoa a pessoa. “A princípio, tudo surgiu como rumores nas redes sociais e nós fomos investigar, porque estavam falando em escabiose. Essa hipótese já foi totalmente descartada. Ou seja, a gente já sabe o que não é e estamos investigando para saber o que é”, concluiu.

O que confirma essa hipótese do não contágio é, justamente, o fato de os sintomas terem se manifestado em pessoas isoladas de uma mesma família. Uma moradora do condomínio, que preferiu não se identificar, contou ao CORREIO que conhece quem sentiu as coceiras, mas na família dela, ninguém manifestou os sintomas, apesar de todos frequentarem as áreas comuns ao lado de outros condôminos.

Boatos Assim que os boatos nas redes sociais começaram, há duas semanas, moradores do condomínio Le Parc, na Avenida Paralela, que fica próximo ao conjunto residencial onde os sintomas foram descobertos, se desesperaram. 

Por meio de um comunicado enviado a todos os condôminos nesta quarta-feira (17), o Le Parc esclareceu a situação e chamou de ‘fake news’ o boato sobre os casos da doença misteriosa entre os moradores da unidade.

De acordo com o Le Parc, segundo o CCZ, o surto da doença em outro condomínio acontece em razão da “aplicação de produtos químicos nas matas ao entorno”. Porém, essa informação não foi confirmada pelo órgão.

Ainda segundo o Le Parc, uma equipe do CCZ esteve no condomínio nesta quarta e validou o controle de pragas, além de ter se certificado de que não existem casos de dermatites entre os moradores.

Atenção O aparecimento de doenças que, inicialmente, não têm nome nem causa definida já assustou a população baiana em outras épocas. O exemplo mais marcante talvez seja a zika, surgida em meados de 2015.

A primeira suspeita era que as manchas vermelhas na pele dos baianos, que começaram a aparecer em fevereiro de 2015, estivessem relacionadas à dengue. Já em setembro daquele ano, nasceu o ‘paciente-zero’, um bebê com microcefalia, que teve um irmão gêmeo saudável. Foi aí que os pesquisadores despertaram a atenção para a gravidade da doença.

Em novembro do mesmo ano, os estados do Nordeste, inclusive a Bahia, começaram a decretar estado de emergência por causa do zika vírus, uma doença causada pela picada do mosquito Aedes Aegypti, o mesmo da dengue. 

No dia seguinte à decretação da emergência, o diretor do departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, disse a frase que apavorou toda a população, principalmente as mulheres: “Não engravidem agora”. Em seguida, foi comprovado que a zika era uma das principais causas da microcefalia.

No final daquele mesmo novembro, a então presidente Dilma Rousseff criou uma força-tarefa para combater o zika vírus e, consequentemente, a microcefalia no país. A Polinésia, que já havia sofrido com a microcefalia em bebês nos anos de 2013 e 2014, declarou que estava estudando a relação da doença com a malformação dos fetos.

Em 28 de novembro de 2015, o Governo brasileiro confirmou a relação do zika com a microcefalia e, logo depois, em 31 de dezembro, Porto Rico registrou o primeiro caso da doença. Já em 16 de janeiro de 2016, os Estados Unidos registraram a primeira malformação em bebê ligada ao zika vírus no país.

A Colômbia foi o país seguinte a manifestar preocupação com a doença e, em 20 de janeiro, emitiu comunicado pedindo que as mulheres evitassem a gravidez. Em 1º de fevereiro de 2016, a microcefalia ligada ao zika se tornou um caso de "emergência de saúde pública de interesse internacional", segundo definição da Organização das Nações Unidas.

Outras doenças misteriosas Mas, outras doenças misteriosas também já assustaram moradores de cidades baianas. Quem não se lembra da chamada ‘doença do peixe’, que surgiu em meados de 2016, tendo como sintomas urina preta e dores musculares?

Essa doença foi estudada por pesquisadores baianos, que descobriram se tratar de um tipo de mialgia aguda, possivelmente relacionada ao consumo de peixe, o que causava quadro de início súbito de fortes dores na região cervical e na região do trapézio, seguida por dores musculares intensas em braços, dorso, coxas e panturrilhas.

Já em março 2015, moradores de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), também se apavoraram com uma doença de causa não definida, que, inicialmente, atingiu 39 pessoas na cidade. Os sintomas eram semelhantes ao de agora, com vermelhidão e coceira na pele, mas com o diferencial da febre e dores no corpo. 

A dermatite chegou a ser relacionada com sarampo, rubéola, dengue e chikungunya, mas todos os exames realizados em pacientes que tiveram os sintomas deram negativo para essas doenças. Depois, os órgãos de saúde passaram a suspeitar de roséola e parvovírus-B19. Ao final, o diagnóstico foi o zika vírus.

Recentemente, no final de agosto deste ano, moradores de Coração de Maria, localizada na Região de Feira de Santana, no centro norte baiano, sofreram com a falta de diagnóstico para uma doença que atingiu parte da população. Os sintomas, semelhantes aos das arboviroses, foram relacionados à chikungunya.

Desde 2017, a Bahiafarma fornece ao Sistema Único de Saúde o teste rápido para detecção de dengue, zika ou chikungunya, e, em fevereiro deste ano, o exame passou a ser feito também para identificar casos de febre amarela. O teste está disponível nos postos de saúde e laboratórios da Bahia. 

*Com supervisão da editora Monique Lôbo.