É falso que cabos eleitorais de Sarto tenham transportado urna adulterada

Vídeo mostra urna conduzida em uma picape cedida à Justiça Eleitoral pelo DNOCS, no Ceará. O equipamento é uma urna de contingência, utilizada para substituir unidade que apresentou defeitos no início da votação

Publicado em 29 de novembro de 2020 às 19:45

- Atualizado há 10 meses

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Conteúdo verificado: Vídeo no Facebook que mostra urna eletrônica em uma picape, com legenda que diz que o equipamento foi adulterado e transportado por cabos eleitorais do prefeito eleito de Fortaleza José Sarto (PDT) É falso que um vídeo viral no Facebook mostre cabos eleitorais do prefeito eleito de Fortaleza José Sarto (PDT) transportando uma urna eletrônica adulterada em um carro particular. Na verdade, a gravação mostra um equipamento trazido em uma picape cedida à Justiça Eleitoral pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). A máquina é uma urna de contingência, utilizada para substituir um equipamento que apresentou defeitos no início da votação.

De acordo com Edna Saboia, coordenadora de Eleições do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), o procedimento de substituição de urnas é “correto, dentro da legalidade e comum nas eleições”. Ao todo, 42 urnas foram substituídas na capital cearense.

O Tribunal afirmou que o tumulto foi gravado por uma eleitora que não entendeu o transporte da urna. “Ressalta-se que o vídeo está editado e não mostra o momento em que uma servidora explica o processo de troca”, comunicou o TRE-CE.

Como verificamos?

Entramos em contato com o TRE-CE, que divulgou uma nota sobre o ocorrido. Também questionamos Edna Saboia, coordenadora de Eleições do TRE-CE. O editor-chefe do site de checagem E-Farsas Marco Faustino cedeu ao Comprova áudios de uma conversa com uma auxiliar convocada pela Justiça Eleitoral que presenciou o incidente, Ana Cristina Rodrigues.

Verificação Em que contexto foi gravado o vídeo?

De acordo com o Tribunal Regional do Ceará, o vídeo mostra um tumulto causado por uma eleitora que não aceitou o processo de troca de uma urna eletrônica defeituosa. A confusão ocorreu em um local de votação da 85ª zona eleitoral de Fortaleza, na escola Professor César Campelo.

Uma auxiliar convocada pela Justiça Eleitoral presenciou o incidente e conversou com o editor-chefe Marco Faustino, do site de checagem E-Farsas. Ana Cristina Rodrigues disse que uma urna da seção 141 estava apresentando defeitos pela manhã. “Quando isso acontece, o presidente da mesa tem que reiniciar a urna e se ela continuar travando, tem que substituir”, disse ela. “Mas isso é último caso, porque nós só temos duas urnas de reposição”.

De acordo com a auxiliar, por volta das 11h30 uma eleitora viu uma urna de contingência chegando para a substituição. Ainda segundo Ana Cristina, essa mulher começou a fazer acusações de fraude contra o candidato a prefeito Capitão Wagner (PROS). Uma segunda eleitora filmou, do lado de fora da escola, a picape em que a urna de contingência foi transportada.

“Mostramos para que ela (a mulher que filmava) pudesse ver que era uma urna de reposição, um procedimento normal”, disse Ana Cristina. “Ela continuou gritando dizendo que a gente tava roubando. Ela filmou e editou, deixou só a parte que interessava.”

Segundo o TRE-CE, algumas das pessoas mostradas em torno da picape faziam parte da equipe de apoio da Justiça Eleitoral. O carro utilizado para transporte da urna de contingência foi cedido pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e estava identificado com adesivos.

“A equipe estava em carro adesivado pelo TRE-CE que foi requisitado ao DNOCS, visto que a Justiça Eleitoral não possui carros suficientes para abranger todas as rotas, sendo necessária a requisição de veículos de outros órgãos públicos”, informou o Tribunal.

Urnas de contingência

São aparelhos reservas, preparados para substituir equipamentos que apresentem algum defeito no dia da votação. Elas são preparadas e lacradas na mesma audiência que as demais e, portanto, apresentam como opções os mesmos candidatos de uma urna “normal”. Caso a urna original apresente problemas após o início da votação, a Justiça Eleitoral transfere o flash card e o disquete do aparelho com defeito para a urna de contingência, garantindo que os votos já registrados não sejam desconsiderados. A nova urna é, então, lacrada novamente e passa a ser a urna da seção eleitoral.

Caso os problemas persistam, a Justiça Eleitoral prevê também a possibilidade de se utilizar um flash card de contingência, também preparado previamente, ou, se não houver alternativa para usar a urna eletrônica, de coletar os votos manualmente através de cédulas.

De acordo com Edna Saboia, coordenadora de Eleições do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), o vídeo em questão gravou o transporte de urnas para substituição, procedimento que é usual em todas as eleições. “Há mais de 600 urnas de contingência, que são as urnas reservas que ficam em pontos específicos. Quando tem uma ocorrência [de mau funcionamento da urna em uso] em algum local de votação, as equipes de apoio do TRE transportam essas urnas de contingência para substituição. Quem transporta essas urnas são os veículos requisitados pela Justiça Eleitoral. A frota (para as eleições atuais) é de uns 500 veículos, só aqui em Fortaleza, e os carros são requisitados de vários órgãos. O veículo que aparece no vídeo é do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). O procedimento é correto, dentro da legalidade e comum nas eleições”.

Registros de denúncia

Segundo a Polícia Militar do Ceará, apenas seis ocorrências foram encaminhadas à superintendência da Polícia Federal em Fortaleza por irregularidades no dia da votação. Os registros são de suspeita de distribuição de material de campanha, realização de carreata, apreensão de folhetos e dinheiro (sem comprovação de compra de votos) e outras três ocorrências em Fortaleza e em Caucaia, município da Região Metropolitana, classificadas como “tentativas de atrapalhar os trabalhos eleitorais” que não foram especificados pelo TRE-CE.

Para Saboia, esta foi uma das eleições mais tranquilas que a servidora já vivenciou. “A quantidade de ocorrências foi bem menor do que na eleição passada”, destaca.

Quem é o Inspetor Alberto?

O vídeo com maior viralização no Facebook foi divulgado pela conta do Inspetor Alberto, nome de urna do servidor público aposentado José Alberto Bastos Vieira Júnior, de 59 anos. Ele foi eleito vereador em Fortaleza com 7.301 votos pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS). Essa foi a quinta eleição que ele disputou e a primeira em que teve sucesso – desde 2006, quando concorreu a deputado estadual, vem se candidatando a cargos proporcionais.

Em suas redes sociais, onde ostenta foto ao lado do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ele se define como “armamentista, conservador e antiesquerdista”.

Nos documentos disponíveis no sistema de divulgação de candidaturas do TSE (DivulgaCand), os três números de telefones fornecidos são do partido PROS. Tentamos contato com o Inspetor através de uma pessoa chamada Tancredo Santos, seu correligionário, que não respondeu às mensagens do Comprova.

No início da noite, Alberto voltou ao seu perfil no Facebook para postar em letras maiúsculas, sugerindo estar gritando: “O Facebook está tentando manipular as pessoas! Está alegando que a notícia é falsa! Contra fatos não há argumentos!”

Por que investigamos?

Atualmente em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as eleições 2020, a pandemia e as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. A verificação de conteúdos que tratam de apuração é importante porque conteúdos inverídicos podem atingir a confiança das pessoas nas eleições.

O vídeo que viralizou teve 121,6 mil interações no Facebook, segundo a plataforma de monitoramento de mídias sociais CrowdTangle.

O Aos Fatos, o E-farsas e a Agência Lupa verificaram o mesmo conteúdo e o classificaram como falso.

Durante a eleição de 2020, o Comprova mostrou que as justificativas dos eleitores não podem ser transformadas em votos válidos; que a apuração brasileira é aberta a qualquer pessoa; que é possível realizar recontagem dos votos; e que o sistema que aparece em um vídeo para simular fraude não é o mesmo das urnas eletrônicas.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 28 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas do O Povo, Estadão, Jornal do Commércio e Marco Zero, e validada, através do processo de crosscheck, por trêss veículos: Folha, CORREIO e BandNews FM.