'É massa saber que sua arte fez e faz parte da vida de tanta gente', diz Pitty

Após se emocionar com especial do CORREIO sobre seu primeiro álbum, cantora fala sobre lembranças, feminismo e carreira

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 10 de maio de 2018 às 14:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Jorge Bispo/Divulgação

Talvez você não se lembre, mas, em 2003, o salário mínimo era R$ 200, o dólar estava cotado em menos de R$ 3, Bruna Marquezine conquistou o Brasil na novela Mulheres Apaixonadas com a pequena Salete e Sabrina Sato entrava no Big Brother Brasil. Em 2003, nascia também Admirável Chip Novo, o álbum de estreia de Pitty, que completa 15 anos neste mês. 

Com uma voz potente e estilo único, a baiana Priscilla Novaes Leone, na época com 25 anos, ensinou a nova geração a não julgar o próximo. O disco traz 11 músicas de rock hardcore com referências pop, além de excelentes letras - Máscara e Teto de Vidro viraram hinos dos jovens que na época buscavam por libertação. Irreverente e de personalidade forte, Pitty virou uma estrela nacional. (Foto: Jorge Bispo/Divulgação) Pensando nesse disco que entrou pra história do rock nacional, o CORREIO fez um especial, relembrando os principais hits do álbum e conversando com fãs da cantora baiana, que contaram como o CD marcou suas vidas. No Twitter, Pitty contou que ficou emocionada com a matérie e, logo após, compartilhou uma série de lembranças da época. 

"É uma coisa incrível conseguir essa conexão com as pessoas através da música. É raro, valioso e me sinto muito grata ao universo por toda essa história. Tanta gente cruzou meu caminho, tanta vida que não cabe num tweet. OBRIGADA. Porém: nostalgia zero, todo respeito à história. Consciência do agora total. Saudade de futuro sempre. A todo vapor rumo a novas músicas, e quiçá, conexões ;)", comentou ela. (Foto: Divulgação) Ela revelou que a camiseta azul do Dead Kennedys que está no encarte (acima) "era uma velha de guerra, puída, do rolê": "Fiz questão de usá-la nesse dia como um amuleto e uma lembrança do meu chão. Tenho ela até hoje". Contou ainda que lembra dos questionamentos acerca de qual deveria ser o primeiro single do álbum. "'Máscara? Tá doida? A música tem quase 5 minutos, parte em inglês, muro de guitarra no refrão. Não vai tocar em lugar nenhum'. A intuição dizia que tinha que ser essa. E foi. Maurício Eça, parceiro dos meus primeiros clipes, ajudou a dar forma a uma estética e linguagem que compartilhávamos nas nossas conversas", contou. 

Pitty contou também que ficou com medo de lançar Equalize. Ela não queria parecer superficial.

"Briguei tanto, tanto com Equalize... Morria de medo porque sabia que era uma música bonita, e tinha receio de músicas bonitas. Falar de amor dentro do meu contexto parecia superficial. Medo de ser confundida. No final, ela me venceu e ganhou vida própria", lembra. A baiana disse também que resgatou seu violão "véio de nylon", cheio de adesivo, no qual compôs as músicas desse disco no seu quartinho dos fundos em Salvador: "Tenho composto nele ultimamente e pensado em levá-lo na nova turnê...". A cantora também conversou com o CORREIO sobre o álbum. Confira entrevista abaixo. 

O álbum Admirável Chip Novo completou 15 anos segunda (7). Como é, pra você, ter marcado uma geração? Você sente saudade daquela época? Me sinto muito honrada e grata. É massa saber que sua arte fez e faz parte da vida de tanta gente, é incrível conseguir passar pela existência e ter a benção desse tipo de comunicação com as pessoas. Acho que o que eu sinto não é necessariamente saudade, porque tenho mesmo é vontade de futuro. As coisas acontecem agora; eu estou compondo, fazendo disco, montando show novo, lançando várias parcerias bacanas. O que sinto pela época do Chip Novo é afeto, gratidão, consciência do momento mágico e único, essas coisas. 

Você tem alguma canção preferida do disco? Se sim, qual (quais)? Por qual motivo? Por cada uma tenho apego, por motivos diversos. Tantas histórias! Lembro de como cada música daquela foi construída, e o processo de produção para que cada uma existisse. Máscara sempre me vem à cabeça como um marco, por ter sido a primeira a ser lançada, por ter sido o cartão de visitas. É massa olhar pra trás e pensar que foi a escolha certa que as pessoas conhecessem meu som através dela. Tenho muito carinho também por Equalize, porque além de ser uma parceria com Peu, foi uma música que eu tinha receio de botar na rua. Meu repertório sempre foi mais pesado, e eu ficava assustada com aquela música por ela ser um elemento dissonante. No final, venceu a beleza da canção: Equalize ganhou vida própria e eu tive que abrir passagem, porque as pessoas piraram no som.

Quais lembranças marcantes você tem daquele ano (2003)? A de sair de Salvador e largar tudo pra ir atrás do sonho de viver de rock no Brasil. Largar faculdade, amigos, emprego, tudo o que eu conhecia. A solidão do apartamento emprestado no Rio, e a vontade, a cada manhã, de fazer aquilo dar certo. O trabalho árduo e contínuo com a gravadora e meus companheiros de banda, dia após dia. Foi um ano de muitas apostas e batalhas; e no final, de conquistas.

Muitas das pessoas que entrevistei citaram que suas letras as ajudaram a se “aceitarem” como são, independente do que os outros dizem. Essas suas mensagens eram intencionais? Você chegou a sofrer na sua infância/adolescência por não se “encaixar” nos padrões considerados ideais pela sociedade? Na época, você já se considerava feminista? Olhando em retrospecto eu vejo que as lutas estavam todas lá, mas elas não tinham os nomes que têm hoje. Era um feminismo, anti-racismo e anti-homofobia vividos na prática, nas quebradas, na rua, no convívio diário. Não tinha a teoria, não tinha o manual. Tudo que me inspirou e que aprendi sobre liberdade, autogestão, responsabilidade, ética, respeito; eu encontrei na filosofia anarquista, no hardcore, no rock, e na literatura. Claro, eu me sentia um ET morando em Salvador e gostando das coisas que gostava, tendo a condição financeira que tinha, me vestindo do jeito que me vestia, sendo mulher. E esse desejo de aceitação e segurança para se ser quem é eram naturalmente expurgados através das músicas, das letras, dos gritos. É assim que essa voz se expressa, e é maravilhoso quando outras vozes se somam a isso, se identificam e engrossam o coro.

O que você acha que mais mudou no seu trabalho de lá pra cá? O conhecimento técnico sobre gravação, produção. Outros caminhos poéticos, melódicos e harmônicos vêm sendo experimentados nas composições. A estética, as simbologias. Algumas coisas vão mudando, outras vão-se somando à essa bagagem anterior e já se tornam novas coisas. Mas a essência permanece. A vontade de falar com o inconsciente coletivo e os assuntos relativos à identidade, liberdade, relações humanas, existência. É sempre a eterna busca do nosso lugar no mundo e dentro da gente mesmo.

Confira especial do CORREIO sobre Admirável Chip Novo

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