E o Carnaval de Salvador virou o reino da fantasia

De simples adereços de cabeça a personagens elaboradíssimas, se viu de um tudo nas ruas

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  • Thais Borges

Publicado em 6 de março de 2019 às 05:19

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Tente lembrar do Carnaval de 10 anos atrás. De um canto a outro do circuito, só se viam abadás coloridos - que continuariam sendo vistos pelo resto do ano, especialmente no corpo dos frequentadores das academias da vida. O abadá, customizado com requinte ou cortado em casa, era símbolo de status. Aquela era a prova de que quem o ostentava tinha participado de uma das maiores festas de rua do planeta. 

Agora, corta para 2019. Num cenário em que há mais de 220 atrações em trios sem corda, a folia da pipoca cresceu. No lugar das camisetas uniformizadas, muitos dos foliões adotaram outra estratégia: plaquinhas com frases sugestivas, saias de tule, meia arrastão e muito glitter. Coloque na conta pelo menos um adereço de cabeça e, daí, já sai uma fantasia. 

Pois, se há uns quatro ou cinco anos, sair fantasiado era algo que acontecia somente em blocos como Os Mascarados e uma ou outra iniciativa do tipo, parece que as coisas se inverteram. No Furdunço da Barra, que aconteceu na quinta-feira de Carnaval (28), não se via nem mesmo um abadá – naquele dia, somente trios da pipoca desfilaram no Circuito Dodô. Nesta terça-feira (5), no Campo Grande, a mesma coisa – exceto afoxés como os Filhos de Gandhy e blocos afro como o Muzenza e o Ilê Ayê, a rua estava tomada de fantasias. 

Eram girassóis, unicórnios, paquitas, laranjas. Eram Jennifers e Fábios, em alusão ao hit chiclete de Gabriel Diniz e a de La Fúria sobre o ator Fábio Assunção, respectivamente. Com plaquinhas penduradas no pescoço, jovens desafiavam: “Tem que ser hoje, porque amanhã não venho”. Até Ivete Sangalo e a família saíram fantasiados – disfarçados de pierrôs, a cantora e a trupe foram curtir a pipoca na Barra. Cláudia Leitte, em sua pipoca de quinta-feira, virou a Capitã Marvel e chegou a pedir que os fãs fossem vestidos como seus heróis preferidos. 

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Teve gente que, de fato, assumiu que trocou os abadás pela fantasia. Até 2017, a cozinheira Adriane Souza, 23, só saía com abadás. No máximo, vestia a fantasia do Olodum, que desfilou nesta terça-feira (5), no Campo Grande. Depois de encarnar uma palhacinha no ano passado, ela decidiu ir de diabinha para o Carnaval deste ano. "Combinei com três amigas que estão chegando. Gostei mais de sair na pipoca fantasiada", contou.  Adriane trocou os abadás pela fantasia (Foto: Thais Borges/CORREIO) Para brincar Houve também quem aproveitasse o Carnaval para reinventar histórias contadas inúmeras vezes. No Campo Grande, o grupo de quatro Brancas de Neve - a comerciários Silvânia Borges, 43; a advogada Paula Malhães, 44; a veterinária Marília Costa, 49 e a administradora Andrea Cordeiro, 46 - compunham uma turma diferente com o administrador Marcos Cordeiro, 50, o único "anão". "Nosso bloco começou com mil pessoas, depois passou para dois mil e agora já tem cinco mil! Os outros anões estão espalhados no circuito", garantiu Marcos, aos risos.

As fantasias conjuntas começaram há cinco anos. Desde então, já incorporaram figuras como Pequenas Sereias e Netuno e até Supergirls e Superman. As Brancas de Neve e o anão aprovaram a nova onda das fantasias (Foto: Thais Borges/CORREIO) "Eu já tinha me aposentado do Carnaval de Salvador, mas depois desse resgate que começou a acontecer, a gente sentiu que voltou a ter espaço para brincar", explicou Andrea. A fantasia é cheia de pontos positivos. "A gente sente que ela traz um caráter mais lúdico e isso ajuda a inibir algumas situações, como assédio e até roubo", opinou Silvânia. Para Marília, a Branca de Neve número 3, o retorno das fantasias começou aos poucos. Veio como uma resposta ao Carnaval das cordas e camarotes. “Até os artistas grandes começaram a ir para a Barra somente, onde tem muitos camarotes. Acabou que o Campo Grande virou um espaço para a gente brincar, pular Carnaval fantasiado como antigamente”. 

A inspiração de muita gente era nos antigos Carnavais de rua. Era o caso da engenheira civil Ana Cláudia Sousa, 53, e da dentista Patrícia D'Almeida, 53, que chegaram ao Campo Grande, nesta terça (5), usando máscaras no estilo veneziano."O Carnaval tem que ter algum adorno, tem que ter algo de diferente, bem no espírito da alegria", disse Ana Cláudia.  Ana Cláudia e Patrícia escolheram usar máscaras e glitter (Foto: Thais Borges/CORREIO) "A fantasia transborda a alma, como o próprio Carnaval", filosofou Patrícia. Para elas, a explosão dos fantasiados, mascarados e ‘purpurinados’ na folia tem a ver com o próprio caráter cíclico da festa. "A gente quer sempre o novo. O próprio abadá veio da mortalha, então acho que tem espaço para tudo", completou Ana Cláudia.

De rosa ou de azul E, como não poderia faltar, as críticas políticas não ficaram de fora dos personagens carnavalescos. "Somos os afrontosos de Damares!", disse administradora Renata Carvalho, 42,  única baiana em um grupo de amigos do Ceará. O objetivo, ela explicou, era fazer uma crítica à ministra Damares Alves, que disse, no início do ano, que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa".  Renata (segunda à esquerda) e Luís (no centro) usaram fantasia de protesto, com amigos (Foto: Thais Borges/CORREIO) "A gente normalmente não se fantasia, mas a ideia é mostrar que cada um pode ser o que quiser e vestir o que quiser. Estamos vendo muito mais gente fantasiada e fazendo críticas políticas. Acho que tem a ver com o aumento do número de fantasias", opinou o vendedor Luís Alberto, 30, na Pipoca de Daniela Mercury nesta terça, no Campo Grande.O artesão Deco Santos, 47, é um dos que se fantasia há anos. Podia até estar parecendo o ‘Sereio de Itapuã’, mas garantiu que sua fantasia é de Príncipe do Mar. "Sempre me fantasio na pipoca de Daniela E vejo que tem mais gente fantasiada esse ano. Como artesão, só posso dizer que adoro. Acho que as pessoas estão mais livres", disse. O artesão Deco produz a própria fantasia (Foto: Thais Borges/CORREIO) Entre os pioneiros nas fantasias, o momento mais "colorido" do Carnaval de Salvador é visto com bons olhos. Derivaldo leva o neto, Robson, para sair nos Pierrôs de Plataforma (Foto: Thais Borges/CORREIO) "É maravilhoso ver isso acontecendo. Lá em casa, é tradição que passa de pai para filho. Eu saio desde os 8 anos de idade e meu neto sai desde os 2. Ele ama", afirmou o auxiliar de escritório Derivaldo Reis, 58, que desfila nos Pierrôs de Plataforma com o neto, Robson, 8. O pequeno Robson logo fez questão de dizer que se diverte com a fantasia. "Eu brinco, fico pulando e não sinto calor, não", garantiu.