É sacanagem se comemorar, nas escolas, o Dia das Mães

Flavia Azevedo é produtora e mãe de Leo

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 12 de maio de 2018 às 15:54

- Atualizado há um ano

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Dia de Quem Cuida de Mim ou Dia da Família ou chame como quiser. Não importa o nome da urgente alternativa. Porque o fato é que é sacanagem se comemorar, nas escolas, o Dia das Mães e o Dia dos Pais. E essa ideia não é só minha. Toda pessoa bacana que conheço já torce o nariz para essa tradição. É preciso atualizar. ////// (Algumas escolas já mudaram e esse é um movimento real, mas a maioria ainda não) ////// Primeiro, pelo desejo - que toda pessoa lúcida tem - de ver reconhecidos os diversos modelos de família. Dois pais, duas mães, avós que criam os netos, apenas a mãe ou só o pai e esses são só alguns exemplos das infinitas possibilidades de organizações familiares. Infelizmente, apenas um formato é abraçado na lógica de homenagens na maioria das escolinhas. ////// E depois, se discorda dessa "modernidade", pense de outra maneira: você pode garantir que estará vivo(a) no ano que vem? E seu (sua) filho (a) sem você, na festinha? Vai ficar bem? Agora lembre que ele (a) tem coleguinhas de realidades diversas. Apenas se coloque em outros lugares. Não dói. Ou pode doer, mas vai te fazer bem. ////// Eu nem advogo em causa própria. Meu filho tem pai e mãe vivos (espero que por muito tempo, mas não posso garantir) e a postos para receber todas as homenagens e transbordando de amor. Meus olhos estão lá, toda vez, pra segurar o olhar dele, nas apresentações. Mas o pai de Gabo, filho da minha amiga Heloísa, morreu quando ele era bebê. E mesmo ela sendo psicóloga, não há nada que possa fazer pra preencher o vazio provocado, a cada ano, numa festa que só diz o seguinte, pra ele: "você não tem". Para muitas crianças é dor com data marcada. Sofrimento desnecessário. Pra quê? ////// (Fora os genitores ausentes que aparecem, quando muito, apenas nas festinhas) ////// Um exemplo, entre milhões. "Mas tem que aprender a lidar com frustrações", alguém diz. Sim, claro. Mas, que tal, nesse caso, adultos(as) aprenderem a lidar com as próprias? Porque parece que são as mães e os pais que mais se opõem à extinção de festas escolares que ainda reverenciam o padrão. ////// (Observe que, para as escolas, é até mais prático) ////// Pelo menos foi isso que me disseram na ex-escola do meu filho. Numa reunião, antes do Dia das Mães, eu sugeri "bora substituir pelo Dia da Família". O silêncio foi sepulcral. "As mães reclamam até se a lembrança não for boa, imagine se a gente cancelar a festa", me disse, baixinho, uma professora. E eu lamentei pelo nível dos humanos presentes ali. ////// Se existe uma mãe, que ela seja suficientemente sensível pra entender que um papel rabiscado pelo filho já é algo a se amar. Que o valor se mensura de outra maneira. E minimamente digna pra considerar que há outras crianças no mundo e que nenhuma devia sofrer durante as homenagens em que ela se sente feliz. O mesmo para os pais. ////// No Dia da Família ou de Quem Cuida de Mim, eu também estarei lá e na primeira fila. Porque eu sou a mãe e cuido dele, pessoalmente. Em alguns casos, mas não no nosso, devia ir a babá. Justíssimo seria. No nosso mundo, o pai do meu filho certamente iria. Assim como meu pai e minha mãe que me ajudam a cuidar dele, desde os primeiros dias. Pronto, essa é a nossa configuração. ////// (Pessoal e instransferível) ////// A "minha festa" me alegra? Demais! Claro que sim! Mas seria "minha" do mesmo jeito, com o nome que tivesse. E muito mais, com certeza, se os preparativos, o burburinho na escola, a felicidade do meu filho não causassem dor em outras crianças. Se todas se sentissem parte, todas elas fossem incluídas numa comemoração que falasse apenas de amor e cuidado e cada um escolhesse, na própria intimidade, a quem entregar o convite. Até a(o) diretora(o) do orfanato poderia ser convidada(a). Pense aí. Estamos falando, de fato, de múltiplas realidades. ////// Feliz Dia das Mães, se esse for o seu caso. E sempre podemos comemorar, em casa, as nossas especificidades. Mas a coletividade é outra onda e precisa ser includente, em todos os casos. Criança nenhuma merece achar que a própria família não tem legitimidade. Nem ficar faltando aula pra não sofrer nos ensaios de um show pro pai ou mãe que não existe na vida dela. E tem que aprender a comemorar a própria realidade. Porque a lição que toda escola devia ensinar é: se tem amor e cuidado, basta. Fora isso, não importa mais nada e danem-se as tradições.

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