É tempo de Nego Fugido, a 'ópera popular da liberdade' no Recôncavo

Nos domingos de julho dá para assistir ao teatro de rua que conta a história da abolição da escravidão sob a ótica dos negros

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  • Victor Villarpando

Publicado em 16 de julho de 2018 às 12:30

- Atualizado há um ano

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Entre casinhas pequenas, o chão de paralelepípedos era o mais puro retrato da tranquilidade do interior. Até depois do almoço. Aí começa a aglomeração que dá lugar a algazarra, gritaria e ao som das palhas secas de bananeira varrendo o chão.

Uma multidão de adultos e crianças com os rostos, pintados de tinta preta com óleo, brilham ao sol e em todos os domingos de julho sobra vida nas ruas de Acupe, distrito de Santo Amaro da Purificação. Nego Fugido é espetáculo de rua encenado pelos moradores de Acupe, distrito de Santo Amaro da Purificação: a abolição contada pelos escravos (Foto: Imas Pereira/Divulgação) É a apresentação do Nego Fugido, manifestação cultural que conta a abolição da escravidão pela ótica dos negros escravizados no Recôncavo, encenada pelos moradores.

Entre 13h e 14h começa a preparação, na rua Nova Brasília, em frente à casa de Dona Santa, como é conhecida Edna Bulcão, de 73 anos, madrinha do grupo. Ela participa da folia desde os 2 anos e há mais de 30 é responsável pela organização. Foto: Imas Pereira/Divulgação Cadastre seu e-mail e receba novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, decoração, pets, tecnologia, bem-estar e o melhor de Salvador e da Bahia, toda semana:

Pouco depois que os atabaques começam a tocar, o pessoal ganha as ruas e roda pela cidade até 18h. As crianças representam as “negas”, escravos fujões, de shorts e rostos pintados. Os mais velhos são os caçadores, também com rostos pintados, saias de palha de bananeira seca, espingardas de madeira e um líquido vermelho-vivo tipo sangue escorrendo da boca. Escravos, capitães do mato, policiais e o rei são alguns dos personagens (Foto: Imas Pereira/Divulgação) Com estardalhaço, as negas pedem doações em dinheiro e os caçadores fingem chicoteá-los e caçá-los. O rei e a polícia observam e ficam com o dinheiro no final.

Difícil não ficar impactado com a apresentação. Não só pelo aspecto visual, que é impressionante, mas pelos aspectos simbólicos, que contam e recontextualizam a luta pela liberdade no Recôncavo. Foi uma experiência bem forte. Foto: Imas Pereira/Divulgação No último domingo do mês, a querela ganha o desfecho tão esperado, digno de novela: escravos e caçadores se rebelam, conquistam a abolição e até leiloam o rei. A criançada do vilarejo se diverte com as apresentações do Nego Fugido (Foto: Imas Pereira/Divulgação) No meio da balbúrdia, é possível encontrar mulheres enroladas em lençóis coloridos e figuras fantasiadas das maneiras mais diversas, com coloridos incríveis. É o grupo As Caretas de Acupe, que também roda as ruas da cidade em cortejo com um sambão animadíssimo. Tudo isso numa vila com 12 mil habitantes, de acordo com o último censo do IBGE (2011).Siga o Bazar nas redes sociais e saiba das novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, decoração, tecnologia, pets, bem-estar e as melhores coisas de Salvador e da Bahia: Dá para ir e passar o dia inteiro. Ou ainda passar o fim de semana em Cachoeira e ter Acupe como daytrip. Confira as dicas para um rolé por lá. Pouco depois do Nego Fugido, os Mascarados passam fazendo a festa nas ruas (Foto: Imas Pereira/Divulgação) Porto de Acupe Perto da igreja católica da cidade, o porto é o melhor lugar  para assistir ao pôr do sol. À beira do mangue, dezenas de barquinhos coloridos se amontoam, perto de uma estátua de Iemanjá. O reflexo do sol poente deixa as águas alaranjadas, refletindo o céu e o entorno.

Lá é possível alugar um barquinho para um rolé pelas redondezas (Madre de Deus, Saubara, Bom Jesus dos Pobres, Cabuçu...). O pescador Ângelo (71 98214-0866), que mora no local, é o contato para a  empreitada. A diária do barco em que cabem até quatro pessoas, já com o guia, sai por R$ 100. Um maior, para até 15, R$ 300. É bom combinar com pelo menos dois dias de antecedência. O Porto de Acupe fica à beira de um mangue: cenário lindo para admirar o pôr do sol e local onde é possível alugar barquinhos para dar uma volta (Foto: Imas Pereira/Divulgação) Mania Bar e Restaurante O pequeno restaurante funciona no quintal de seu Carlos e dona Isabel. São apenas cinco mesas de plástico e não há cardápio. Mas os dois senhores, muito simpáticos e casados há quase 40 anos, têm prazer em informar.

Quando visitei, as opções eram frango caipira, moqueca ou ensopado de tainha ou carne de panela. Tudo muito simples e extremamente saboroso, inclusive o arroz, o feijão sem carnes e a salada.

O peixe é do dia e o limão vem do outro lado do quintal. A coca-cola estava geladíssima. A cobrança da comida é por pessoa. Com cerca de R$ 20 para cada, dá pra comer superbem um prato principal com três acompanhamentos. Fica na Rua dos Ferreiros, nº 3. A rua fica à direita depois da igreja católica da vila. Telefones: (75) 3201-2442 e (71) 98874-2049. A moqueca de tainha do Mania bar e restaurante: comida fresca, deliciosa e barata (Foto: Imas Pereira/Divulgação) Onde ficar Acupe é uma vila bem pequena. É próxima de Salvador, coisa de duas horas de carro. E mais perto ainda de Cachoeira: cerca de uma hora, também de carro.

A minha sugestão para fim de semana é se hospedar em Cachoeira. De lá, destaco a Pousada Identidade Brasil, que fica na Praça Vinte e Cinco de Junho. Ela ocupa dois andares de um sobrado histórico. O café da manhã na Pousada Identidade Brasil é delicioso, farto e supercolorido (Foto: Victor Villarpando) A decoração é linda e a comida é maravilhosa. A dona, Rosangela Cordaro, que é pesquisadora de arte popular e cultura afro-brasileira, é uma simpatia e conhece tudo da cidade.

A Pousada do Convento do Carmo, que fica perto da praça, é bem mais simples, mas interessante. Não é todo dia que dá para dormir e acordar num convento do século 17. Mas nada que se compare às minúncias e delicadezas da Identidade Brasil. O quarto Iemanjá, da Pousada Identidade Brasil: melhor lugar em Cachoeira (Foto: Divulgação) Como chegar De Cachoeira, vá pela BA 880, pegue a 420 e depois vire a direita no caminho para Saubara, a BA 878. De Salvador, vá pela BR 324 e pegue a BA 420 em direção a Santo Amaro. Alguns minutos depois da cidade siga para a BA 878.

A viação Santana tem ônibus saindo da rodoviária de Salvador às 8h10, 10h30 e 18h20. O trecho sai a R$ 21,10 e dura cerca de 1h50. Já para voltar, no domingo mesmo, não há opção direto de Acupe. Já de Cachoeira, o último ônibus para Salvador sai às 19h, pela mesma empresa, com viagem durando 2 horas, e custa R$ 26,48.