Efeito Bacurau: Luciana Souza fala sobre participação no filme

"Imaginei que o filme  gerasse polêmica, mas nem tanto", afirma a atriz baiana

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  • Ana Pereira

Publicado em 29 de dezembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Divulgação

Em cartaz desde agosto e já visto por mais de 800 mil pessoas, Bacurau termina o ano com a sensação do cinema nacional de 2019. O filme, que acaba de ser lançado em DVD, levou o prêmio do júri do Festival de Cannes, dividiu opiniões e incendiou o debate sobre a importância do cinema como arma política. Quem ainda não conferiu o longa pode aproveitar o domingo e assisti-lo na Saladearte MAM (13h20) e Cinema do Museu (20h30). 

“Imaginei que o filme gerasse polêmica, mas nem tanto. Acredito que o momento político também é muito favorável para essa repercussão. A exibição de um filme dimensiona muitas camadas não tão despertadas na leitura do roteiro ou mesmo na produção das filmagens e isso gera outro impacto” reflete a atriz Luciana Souza, presença baiana no filme de Kleber Mendonça e Filho e Juliano Dornelles .

Escolhida depois de passar por três seleções e entrevista com os diretores, Luciana diz que está sendo muito bom vivenciar todas as relações e desdobramentos proporcionados pelo filme. “Bacurau tem promovido muitos encontros com pessoas, grupos, escolas e universidades, entre outros segmentos, onde se pode refletir sobre nós, nordestinos, brasileiros, história do Brasil”, destaca a atriz. Entre as muitas experiências, está a ida ao Festival de Cannes, na França, que   foi como “um ritual quase de suspensão temporária da realidade”. 

Antes de chegar a Bacurau, Luciana esteve em filmes como Flores Raras, de Bruno Barreto, e em Ó, Paí, Ó, no qual ela vive a marcante Dona Joana,  a síndica evangélica  do cortiço  no filme de Monique Gardenberg.  Assim como toda a equipe do filme, Luciana diz que está na torcida para que  a sequência seja finalizada. “A continuidade de Ó, Paí, Ó, como de muitas outras produções cinematográficas no Brasil, tem sofrido dificuldades junto às políticas culturais do momento”, pontua. 

Quem quiser matar saudade de Dona Joana terá nova oportunidade entre 30 de janeiro e 08 de fevereiro, quando o espetáculo do Bando de Teatro Olodum volta a cartaz no Teatro Vila Velha. Luciana, uma das fundadoras da  companhia, junta-se ao grupo nas comemorações de 30 anos de estrada.  “O Bando gerou e gera multiplicadores, formou artistas, técnicos e produtores culturais, além de formar plateias, misturar classes sociais. Trouxe o público das comunidades para frequentar os teatros e despertar o interesse pelo mesmo”, resume Luciana, que agora integra a EnCompanhia de Interesse Popular.

Luciana (de vermelho) com a equipe de Bacurau no festival de Cannes( (Foto/ AFP) Entrevista/Luciana Souza

Bacurau foi o grande destaque do ano do cinema nacional. Como foi para você participar deste filme que mobilizou tanta energia e ainda segue em cartaz?

Realmente muito especial poder participar de um filme que vem tendo essa repercussão dentro e fora do Brasil. Por discutir questões da nossa realidade, estimular tantos debates em vários segmentos da sociedade, num momento em que se fala tanto sobre direitos, deveres, desigualdades e ao mesmo tempo com tantas conquistas ameaçadas. Bacurau tem promovido muitos encontros com pessoas, grupos, escolas, universidades entre outros segmentos, onde se pode refletir sobre nós, nordestinos, brasileiros, história do Brasil e é de grande valor para um artista estar vivenciando essas relações, debates que uma obra de arte pode incitar na sociedade.

Como foi sua seleção para o elenco do filme?

Passei por uns três testes com a produção de elenco, no ano anterior às filmagens e por fim tive a oportunidade de conversar com os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que vieram em Salvador e conversamos sobre assuntos diversos e um pouco sobre Bacurau.

Você imaginava que o filme geraria tanto debate e causaria tanta polêmica?

Imaginei que o filme  gerasse polêmica, mas nem tanto. Acredito que o momento político também é muito favorável para essa repercussão. A exibição de um filme dimensiona muitas camadas não tão despertadas na leitura do roteiro ou mesmo na produção das filmagens e isso gera outro impacto. Bacurau já foi visto por mais de 800 mil pessoas, isso também é polêmico no cinema nacional.

Como foi a experiência no Festival de Cannes?

Oportunidade única estar no Festival de Cannes e com um filme premiado. Vivi momentos de muita beleza e alegria; um ritual quase de suspensão temporária da realidade. Um festival que envolve muitas coisas, pessoas do mundo todo, a cidade respira o festival e pude estar muito atenta, vivenciando as peculiaridades daquele evento e refletindo sobre a que espaços o trabalho pode nos levar.

 O Bando de Teatro do Olodum está completando 30 anos. Você estará presente de alguma maneira nas comemorações?

O Bando de Teatro Olodum é como uma família que a conexão é de longa vida. Na verdade, o Bando esse ano já iniciou suas comemorações, em outubro, com a exibição do documentário “Bando, um filme de” dirigido por Lázaro Ramos e Thiago Gomes, onde tivemos a oportunidade de reunir muitos integrantes dessa trajetória; em janeiro e fevereiro/2020 teremos a apresentação da peça teatral Ó, Paí ,Ó, no teatro Vila Velha, além de uma performance na programação do Concha Negra.

Poderia falar um pouco sobre sua experiência com o teatro negro e com o Bando?

O Bando de Teatro foi o espaço de firmar a existência de um teatro negro na cidade de Salvador. Antes do Bando, o teatro baiano não possuía essa representatividade de uma massa negra na cena, protagonizando, falando de suas questões de identidade e tendo visibilidade na mídia. O Bando gerou e gera multiplicadores, formou artistas, técnicos e produtores culturais, além de formar platéias, misturar classes sociais. Trouxe o público das comunidades para freqüentar os teatros e despertar o interesse pelo mesmo. E nós somos autores e atores desse movimento, que construiu uma estética, um modo de fazer teatro que representasse uma camada da sociedade invisibilizada pelo racismo estrutural e institucional.

Dona Joana era um personagem central no filme Ó, Paí, Ó. Você está no elenco da continuidade? O que pode adiantar sobre a produção?

A continuidade do filme Ó, Paí, Ó, como muitas outras produções cinematográficas no Brasil, tem sofrido dificuldades junto às políticas culturais do momento. É desejo de todos nós continuarmos nosso trabalho e atender também um apelo do público que nos cobra a todo instante, o que nos é gratificante receber reconhecimento e empatia das pessoas. E o que depender do nosso empenho, será feito para atender essa expectativa, pois sabemos da importância do cinema na vida das pessoas, na história da cultura brasileira e a nossa bandeira de luta é resistência.

Você está envolvida com outros projetos de cinema e teatro?

No cinema posso adiantar a previsão de estreia para 2020 do longa Sol da paulista Lô Polliti, filmado na cidade de Curaça-Bahia, um drama familiar e o curta- metragem Astronave, dos diretores pernambucanos Enock Carvalho e Matheus Farias, fillmado em Recife, sobre gênero, identidade e drama social. No teatro, faço parta da EnCompanhia de Interesse Popular que estará realizando a IV Oficina de Teatro para Iniciantes, no período de 20 à 25/01, no Centro de Articulação da Pastoral Afro, localizado no Pelourinho. Estaremos em cartaz nas tardes dos sábados de janeiro e fevereiro, nas ruas do Centro Histórico com o espetáculo Pé de Samba – uma homenagem ao samba de roda. 

 Lançado pela Vitrine Filmes (R$ 34,50),  o DVD de Bacurau  traz como extra o documentário Bacurau no Mapa