'Ele tinha consciência do que fazia', diz esposa de ciclista morto atropelado

Corpo de ciclista foi enterrado nesta quinta-feira (26)

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  • Nilson Marinho

Publicado em 26 de julho de 2018 às 10:32

- Atualizado há um ano

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O ciclista João Evangelista Alves dos Santos, 67 anos, tentava atravessar a pista no momento em que foi atropelado pelo motorista Ademir de Jesus Anunciação, 55, na manhã desta terça-feira (24), na Avenida Luís Eduardo Magalhães. A vítima morreu no local do acidente.

O ciclista, que trabalhava como pedreiro e morava em Pernambués, estava indo buscar uma caixa de ferramentas no bairro do Alto do Cabrito -  a princípio, a família havia informado que ele voltava deste trajeto no momento do acidente.  Idoso não resistiu aos ferimentos e morreu no local (Foto: Acervo Pessoal) Segundo a mulher de João Evangelista, a dona de casa Laurinda dos Santos, 50, a vítima tentava atravessar para o canteiro central que dá acesso à pista sentido Paralela. Ela falou que o relato foi feito por pessoas que passavam pela avenida e viram o momento em que a vítima cruzou a pista, sendo atropelada, logo em seguida, pelo carro. 

O condutor do veículo se apresentou na manhã de quarta-feira (25) na 11° Delegacia (Tancredo Neves). Ele chegou em um mototáxi e entrou pelos fundos da delegacia para evitar falar com os jornalistas que o aguardavam. Durante o interrogatório de uma hora e meia, Ademir afirmou que estava com a carteira de habilitação vencida. 

Ele foi autuado por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), omissão de socorro - por ter fugido sem dar socorro à vítima - , e por dirigir com o documento vencido.

De 2013 até maio deste ano, a Transalvador registrou 654 acidentes envolvendo ciclistas na cidade - 16 morreram. 

A família do ciclista não acompanhou a repercussão da apresentação do condutor. João utilizada capacete e conduzia uma bicicleta sinalizada."Acredito que ele [João Evangelista] não estava errado. Ele tinha consciência do que fazia, era ciclista e andava de bicicleta desde pequeno. Foi um estrago o que fizeram com ele", lamenta a esposa.Enterro O corpo de João Evangelista foi enterrado na tarde desta quinta-feira (26) às 15h no Cemitério Municipal de Brotas.

A esposa do ciclista, Laurinda, acompanhou a cerimônia e falou sobre os últimos momentos com o marido. "Ele saiu de casa para pegar uma máquina de trabalho, no Alto do Cabrito, e não voltou. Lembro que ele me pediu para preparar o café, dizendo que ia retornar".

Laurinda estava casada com João havia cinco anos. Eles moravam no bairro de Pernambués, e também tinham uma casa no Alto do Cabrito. Os dois trabalhavam juntos como pedreiros.

"Minha perna começou a tremer quando eu soube do que aconteceu. A minha ficha só caiu hoje. É muito difícil lidar com isso. Meu marido saiu de casa vivo e apareceu na pista morto", lamenta. A mulher disse ainda que vai buscar justiça. "Eu sei que João estava andando corretamente e vou provar isso. Quero que o responsável pague pelo fez". 

João deixa seis filhas do primeiro casamento. Elas também estiveram na cerimônia, mas não quiseram falar com a reportagem do CORREIO.

Apoio e protesto  Representantes do grupo de ciclismo Giro Livre também foram prestar homenagem a João. O coordenador do grupo, Edvan Cruz, aproveitou a ocasião para falar sobre a falta de segurança dos ciclistas. "Nós fazemos uso da bicicleta para trabalhar, estudar e fazer outras atividades, mas não temos uma infraestrutua para a gente na cidade. Não temos segurança. Como o Giro Livre apoia os ciclistas, nós viemos aqui para nós despedir".

No próximo sábado (28), ciclistas vão realizar um protesto para pedir mais segurança no trânsito. Eles irão instalar uma bicicleta branca no local do acidente. O ato é chamado de 'ghost bikes' e é feito mundialmente em locais de acidentes fatais com ciclistas.

Ouvido e liberado O condutor do veículo que atropelou o aposentado João Evangelista, na terça-feira (24), na Avenida Luís Eduardo Magalhães, em Salvador, foi ouvido na 11ª Delegacia (Tancredo Neves), no dia seguinte ao acidente, e liberado.

Ademir de Jesus D’Anunciação, 47, se apresentou na companhia do advogado. Segundo o delegado plantonista, Israel Aristides, Ademir afirmou que conduzia o carro do sogro e seguia para trabalhar quando foi surpreendido pelo ciclista atravessando a pista.

"Ele disse que tentou desviar para um lado, mas o ciclista desviou também para o mesmo lado", contou o delegado.

No interrogatório, Ademir confirmou que fugiu do local do acidente porque temeu ser linchado mas que, depois, comunicou o acidente ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). 

O delegado disse ainda que não foi necessária a prisão em flagrante porque  Ademir se apresentou no dia combinado com o advogado. O motorista foi submetido ao exame de alcoolemia. "Não teve sinais de embriaguez", pontuou o delegado, que não informou os dados do veículo (cor, modelo e ano) conduzido por Ademir.

Velocidade A velocidade do veículo será apontada pela perícia do Departamento de Polícia Técnica (DPT).  O trecho da via onde ocorreu o acidente tem velocidade máxima de 40 km/h. O laudo deve ficar pronto em até 30 dias. 

Para o advogado criminalista e professor da Faculdade de Direito da Ufba, Cesar Faria, Ademir pode ser indiciado por homicídio doloso (com intenção de matar) após o decorrer das investigações. A pena neste caso pode chegar até 20 anos de reclusão. “É preciso verificar se ele estava com excesso de velocidade e, além disso, averiguar se o motorista foi responsável criminalmente”, explica.

A pena de homicídio culposo (sem intenção de matar) no Código de Trânsito Brasileiro é de dois a seis anos, além da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). No caso de Ademir, a pena pode aumentar mais dois anos porque ele não prestou socorro à vítima. “Outro agravante é o fato dele não possuir permissão para dirigir, já que a CNH estava vencida”, detalha César. 

Ainda conforme o professor, dirigir com a CNH vencida é uma infração administrativa gravíssima, com multa prevista de R$ 293, 47. “Ele vai ser multado, mas isso não tem nenhuma relação com o inquérito criminal. A infração não presume culpa penal”, diz. O CORREIO procurou o Detran-BA para apurar possíveis infrações cometidas anteriormente por Ademir, mas o órgão não respondeu. 

*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier