Elefantes brancos? Terrenos famosos e milionários não podem ser vendidos na Bahia

Rodoviária, Detran e antigo Centro de Convenções estão na lista

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  • Gil Santos

Publicado em 6 de julho de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

A venda dos terrenos da rodoviária, do Detran e do antigo Centro de Convenções da Bahia, em Salvador, virou motivo de disputa judicial. Juntos, os espaços, que são do governo do estado, valem mais de R$ 700 milhões. Ao menos, segundo corretores consultados pelo CORREIO, sem considerar as áreas construídas, o terreno do Centro de Convenções tem cotação em torno de R$ 300 milhões e o da Rodoviária, R$ 350 milhões. O espaço do Detran não foi cotado.

O Projeto de Lei que autoriza o governo do estado a vender esses e mais 24 imóveis públicos seria votado nesta terça-feira, 06, mas devido a uma liminar judicial, a Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) teve que retirar a matéria da pauta. O governo tem dez dias para se manifestar. O motivo do imbróglio é a falta de informações detalhadas sobre os imóveis. 

O pedido da liminar foi feito pelo deputado Hilton Coelho (Psol) e o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) publicou a decisão no dia 1º, favorável ao parlamentar. O PL nº 24.160/2021 foi protocolado na Alba em 28 de abril, e o governo pediu urgência na tramitação. O projeto pede autorização do Legislativo para que o Executivo possa vender 27 imóveis públicos, na capital e interior, e apresenta tabela com o número, o código do Sistema de Controle de Bens Imóveis (Simov), a denominação e o endereço dos imóveis.

Alguns parlamentares e entidades de classe sentiram falta de informações, como os mapas desses locais, perímetro, poligonais, valor de mercado, usos anteriores, entre outras. O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAT-BA), Luiz Antônio de Souza, contou que antes de autorizar a alienação das áreas é preciso elaborar Plano Urbanístico devido ao tamanho dos terrenos.

“Na verdade, a gente nem deve chamar de terreno, são glebas. Juntos, a rodoviária, o Detran e o Centro de Convenções têm 380 mil m². Não se pode negociar uma área desse tamanho sem um planejamento urbanístico”, disse. "A gleba da Rodoviária e do Detran, por exemplo, tem potencial construtivo que possibilitaria edificar o equivalente a duas vezes e meia a área construída do Salvador Shopping".

O presidente afirmou que, além da falta de um plano, o PL não explica como as áreas serão vendidas. Em maio, quando tomou conhecimento do projeto, ele enviou ofício ao governo do estado solicitando mais informações, mas disse que ainda aguarda retorno.“É a maior centralidade que existe na cidade, vai da Rótula do Abacaxi até Pernambués, passando por estação de transbordo, e em frente a edifícios que são grandes geradores de tráfego. Quem comprar vai buscar retorno financeiro, mas qual será o impacto disso naquela região? O estado vai vender pelo maior valor, mas o maior valor não é vender a gleba inteira. Esses pontos precisam ser discutidos”, afirmou.O IAB junto com representantes de grupos de pesquisa da Universidade Federal da Bahia (Ufba), da Universidade Católica do Salvador (Ucsal), do Instituto Brasileiro de Direitos Urbanísticos e de outras cinco entidades de classe solicitaram que a Comissão Especial de Desenvolvimento Urbano da Alba realizasse uma audiência pública para discutir o projeto.

O CORREIO teve acesso à resposta enviada pela Comissão às entidades. No documento, a Comissão informa que não conseguiu obter junto à Secretaria de Administração do Estado da Bahia (Saeb) as informações consideradas essenciais para discutir o projeto em audiência pública.

“Em resposta aos três ofícios que encaminhamos, a Saeb nos encaminhou um ‘documento técnico’ que não continha as informações referidas e, após reiterarmos a solicitação, informou que não as tem para os imóveis listados no PL, mas que pretende gerá-las com os processos de ‘regularização’ que serão realizados após a eventual aprovação do PL na Alba e antes da realização do certame licitatório (leilão) dos imóveis”, diz o ofício enviado para as entidades.

Ao CORREIO, o governo do estado, através de sua assessoria de comunicação, explicou que “não há plano urbanístico e não há obrigação legal. A alienação de imóveis é uma discricionariedade legítima do Estado. Quando do edital de alienação é que serão destacadas eventuais restrições da lei municipal de uso do solo”, diz o texto enviado pela assessoria.

No caso da sede do Detran, ao ser perguntado para onde iria o órgão, o governo respondeu que “o Detran ainda está estudando novas áreas para remanejamento da sede que fora esvaziada, pois o atendimento ao público foi transferido para o SAC Shopping da Bahia”.

O projeto tem quatro artigos, o 3º afirma que os recursos arrecadados com as alienações serão aplicados na capitalização do Fundo de Custeio da Previdência Social dos Servidores Públicos (Funprev) e em outros investimentos.

Desembargador identificou ‘vícios formais’ no projeto O caso foi apreciado pelo desembargador Paulo Alberto Nunes Chenaud, do Tribunal de Justiça da Bahia, e a decisão publicada na quinta-feira, 01 de julho. No texto, o magistrado destaca que o projeto enviado à Assembleia Legislativa se trata de "futura licitação envolvendo bens públicos na casa dos bilhões de reais".

O magistrado afirma também que as informações do PL são superficiais e que ele “encontra-se eivado de vício formal, vez que tramitando sem o fornecimento de informações indispensáveis aos parlamentares para o exame dos bens imóveis que o ente estatal pretende alienar”. 

Após analisar o pedido, o desembargador concluiu que os questionamentos no pedido de liminar para suspensão da votação do PL fazem sentido. “Defiro parcialmente a medida liminar pleiteada para determinar à autoridade impetrada, Governo do Estado da Bahia, a apresentação, no prazo de 10 dias, das informações requeridas pelo impetrante em ofícios endereçados aos impetrados e acostados aos autos”.

Questionado sobre o motivo das informações solicitadas não constarem do projeto enviado à Assembleia Legislativa, o governo do estado respondeu que "o PL seguiu um modelo padrão anteriormente já praticado pelo estado".

Procurada, a Alba não informou também se vai recorrer da decisão.