Eleição no Subúrbio tem urna, praia, som e cerveja

E volta para casa só na segunda-feira

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  • Fernanda Santana

Publicado em 7 de outubro de 2018 às 19:47

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr/CORREIO

O Subúrbio Ferroviário de Salvador é um lugar de tradições nem tanto tradicionais, digamos assim. Nos finais de semana, feijoada no boteco-cacete armado Pôr do Sol, em Plataforma, camarão em Neinha, baba em campos improvisados. Todas as opções terminam na praia. Eis que se convencionou, no decorrer dos anos, tornar o dia da eleição também um dia de festa. De modo que, se você vota no Subúrbio, é quase inevitável escapar da praia, do som, da cerveja. Os amigos puxam, a música convida, a vontade pede. Virou tradição. 

Acontece, geralmente, da seguinte forma: o indivíduo acorda cedo, entre 6h e 7h, busca logo um documento com foto, segue para a votação e, de lá, só volta para casa na segunda-feira. Uma espécie de vento sopra da praia e mareia os moradores. Nem a política vale a resistência. Então, santinho às mãos, cada um vai para sua zona e seção correspondentes. Perceba os trajes nas filas dos colégios, comprove você mesmo a força de uma tradição sem idade. Perceba também os isopores, cervejas, brinquedos para praia. Qualquer biquíni à mostra não é mera coincidência. Taís Rufino já foi preparada: depois da urna, o domingo pede praia (Foto: Betto Jr/CORREIO) Na fila do Colégio Estadual João Batista Caribé, em São Tomé de Paripe, Taís Rufino, 29 anos, já batia os pés impacientemente. Um olho nas mensagens, outro na fila. O laço do biquíni logo acima da blusa. “Tô aqui já querendo descer para Paripe [praia vizinha ao colégio]. Vendo aqui com minhas amigas como é que vai ser”, contou a autônoma. Mas a combinação de eleição e farra e suor e cerveja fica também para as famílias. No que Taís fechava a boca, chegava Leandro Pires, 30. Nos braços, um grande isopor já cheio de cervejas.

Antes mesmo de ir votar, ele e a esposa, Daiane Rosa, 24, passaram num depósito de bebidas. Aí, meio que para justificar toda a preparação, Daiane brincava, em repetições:“Lógico [que a gente faz farra], né, não, é?”.Lógico, Daiane. Dever cumprido, a praia de São Tomé de Paripe já começava a receber os primeiros eleitores quando mal passava das 9h. As latas de cerveja ganhavam santinhos grudados no rótulo. Personalização da farra eleitoral. Leandro, Daiane e o filho Gustavo: preparação para a farra em família (Foto: Betto Jr/CORREIO) As barraquinhas da orla estavam com os primeiros clientes. No batente da barraca de Gilberto Negro, 47, Jailton Primo, 50, entornava a quarta cerveja. Sim, porque também na tradição há algumas variáveis. E, no caso de Jailton, a farra começa antes, pausa somente em frente à urna e depois retorna. “Foram três periguetes antes, três depois. No meio-dia, a gente dá uma paradinha... Amanhã é dia, né? Tem trabalho, a gente tem que ficar esperto”, explicou. Em toda tradição, também há, afinal, um pouco de matemática.

Há quem tente teorizar como funciona o dia eleitoral no Subúrbio. Uma teoria totalmente balizada pela prática. “A gente mora perto, sabe que a praia é muito boa. E tem outro, é bom votar cedo para evitar problema. Aí ficou sendo assim, aqui: votou, vai para a praia, vai curtir”, justificou o todo entendido rodoviário Jorge Luiz, 60, na areia da praia de São Tomé de Paripe, entre uma garfada de farofa e outra. Ao lado, a esposa, Marinalva Santos, 45, sorria em concordância.

Mas, no campo da teoria, ouvir a experiência de quem está ali no dia a dia, de feriados a eleições, também pode ser importante. Por que logo o Subúrbio tem algo de diferente dos outros bairros de Salvador? Farra tem em todo lugar, é possível que se diga no caso de nunca ter ido ao Subúrbio em dia de eleição. Há 21 anos, Rosemeire Marques, 53, tem uma barraca na beira da praia. É ela quem faz outra síntese da história.

A reportagem provoca, enquanto os eleitores já tinham substituído, definitivamente, os santinhos pela cerveja: “Animado, né?”. A experiência responde:“Tá até fraco este ano. Acho que muita gente nem veio votar [fala, em alusão à crise política]. O negócio é que todo mundo aqui vota, cumpre com sua obrigação. Mas é um momento de reencontro também, muita gente que morou ou mora aqui se encontra em dia de eleição”.Os reencontros são mesmo parte da tradição de votar e ficar no Subúrbio após a votação. Como no caso dos 22 titulares do Baba dos Amigos, quinzenalmente presentes na areia da praia para bater o baba. Todos moradores de Paripe e adjacências, não atrapalhariam o futebol pela política. Na verdade, mais fácil o contrário. O som em um dos carros do amigo tocava alto, alguns rapazes jogavam imagens de políticos para o alto e Marcelo Celestino, 41, entregava: “Ninguém aqui votou... Quer dizer, ele votou [falou, apontando para o amigo Erlon Brandão, 38]. O resto só começa a ir votar por volta das 13h”.O artista plástico argentino Hector Julio Paride Carybé, certa vez, escreveu sobre a Bahia: “Há muita confusão aqui, Senhor”. A metáfora da tradicional eleição no Subúrbio. 

*Com supervisão do editor Herbem Gramacho.