'Eles jamais apontariam arma para um padre', diz líder de terreiro invadido por PMs na Liberdade

Templo foi tombado pela Prefeitura em 2016; assista depoimento

Publicado em 18 de agosto de 2017 às 10:47

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

O terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, localizado na Rua do Curuzu, foi fundado em 1890. Pela primeira vez nos seus 127 anos de história, a casa foi invadida na manhã de quinta-feira (17). O pai de santo Amilton Costa, sacerdote do templo há mais de 30 anos, afirma que três policiais militares quebraram a porta do terreiro e acessaram a parte sagrada da casa, por volta das 10h, onde ficam recolhidos os filhos de santo que estão em obrigação religiosa. Costa afirma que os policiais são do Batalhão de Choque (BPChq) da Polícia Militar que integram as tropas que fazem a operação de combate ao tráfico de drogas na Liberdade. 

"Eles arrombaram minha porta. Mandaram que eu saísse mas eu disse que quem tinha que sair da minha casa era eles. Eu disse que era ilegal o que eles estavam fazendo e que eu não permitia a entrada deles na minha casa. Eles jamais colocariam a arma na cara de um padre como colocaram na minha", afirmou o religioso, destacando que houve preconceito por parte dos militares por se tratar de um terreiro de candomblé. 

O terreiro foi o primeiro a ser tombado com base na Lei 8.550/2014, de Preservação do Patrimônio Cultural do Município de Salvador. A oficialização ocorreu em 15 de janeiro de 2016 pela Prefeitura de Salvador. Desde o início da manhã desta sexta-feira (19), oficiais da PM e integrantes da Fundação Gregório de Matos estão no terreiro para apurar a denúncia.  Oficiais da Polícia Militar ouvem denúncia do pai de santo na manhã desta sexta-feira (18) Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO  

Líder religioso do local, ele ressalta que a parte sagrada da casa - que não pode ser acessada por quem não é do terreiro - foi vasculhada pelos policiais. "Aqui não guardo ladrão. Não sou a favor de ladrão, não gosto de ladrão e não sou a favor de droga. Só não posso entrar em conflito com minha vizinhança para dizer para não fumar droga, matar ou roubar. Quem tem que fazer isso é o governo, é a justiça e não eu", destaca o religioso ressaltando que faz um trabalho de educação com as crianças e jovens da comunidade."Eles não respeitaram a minha religião, não me respeitaram. O que eles fizeram é crime", diz o doté (sacerdote) Amilton CostaOs militares, segundo Amilton Costa, apontaram fuzis para ele e um filho de santo que estava na casa no momento. O líder religioso destacou ainda que, antes dos militares acessarem o imóvel, policiais civis tinham ido ao local e pedido para revistar o imóvel. Doté afirmou que deu a autorização, mas que foi surpreendido com a ação dos militares.

"Quando eu estava falando com os policias civis ouvi um barulho no fundo da casa. Quando cheguei lá, a porta estava arrombada e os policiais botando a arma na minha cara", argumentou. 

Procurada pelo CORREIO, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou apenas que a Corregedoria da Polícia Militar está apurando a denúncia. A PM, por sua vez, em nota, afirmou que "orienta o cidadão a formalizar o registro junto à Ouvidoria da Corporação através do 0800 284 0011 ou do site institucional www.pm.ba.gov.br no link da Ouvidoria".

O prefeito ACM Neto cobrou nesta sexta-feira (18) esclarecimentos da ação . "É um dos terreiros mais tradicionais da cidade e foi tombado por nossa gestão à frente da prefeitura. Me parece inquestionável que a polícia tenha que prestar esclarecimentos do que ocorreu. Ali é um verdadeiro templo religioso que foi alvo de um ato de violência que precisa de explicação imediata", disse durante assinatura de ordem de serviço da Unidade de Saúde da Família em Pirajá. 

O prefeito reforçou que o terreiro é patrimônio da cidade. "Não tenho a informação, ainda, da apuração do ocorrido, mas fiquei assustado e preocupado porque se trata de um patrimônio imaterial da nossa cidade. Quando o terreiro foi tombado, ele se tornou um patrimônio da cidade. Esse ato que foi realizado no terreiro é absolutamente incompatível com o espírito da nossa cidade, que é do respeito e da tolerância à diversidade religiosa e aos templos religiosos", concluiu.