Em ações semelhantes, encapuzados em carro deixam rastro de mortes em Salvador

CORREIO conversou com famílias de jovens mortos em Cosme de Farias, Uruguai e São Cristóvão

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  • Nilson Marinho

Publicado em 11 de junho de 2018 às 15:40

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Os carros se aproximaram das vítimas. Dentro do veículo, homens encapuzados e fortemente armados já chegaram com uma sentença a cumprir. Não deram chances a elas, nem de explicação, tampouco de fuga. Pelo menos é o que dizem os familiares de quatro dos 29 homens assassinados em Salvador e Região Metropolitana (RMS) nesse final de semana, o mais sangrento do ano até agora. 

O CORREIO conversou com quatro famílias na manhã desta segunda-feira (11) enquanto elas aguardavam a liberação dos corpos no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR). Todas choravam a mesma dor sem saber que a morte dos parentes aconteceu da mesma forma, embora em locais e horários diferentes. 

Emerson de Santana Santos, 22 anos, e o adolescente Jean Carlos dos Santos, 16, estavam juntos na madrugada deste domingo (10) voltando de uma festa, em Cosme de Farias, quando foram abordados por quatro homens encapuzados em um veículo.

Não reagiram à abordagem e morreram após serem atingidos diversas vezes, inclusive na cabeça. Nenhum dos dois tinha passagem pela polícia, de acordo com a família. 

Lucas Puig Maia Mesquita, 24, estava próximo a uma boca de fumo, no Uruguai, quando quatro homens armados e encapuzados desceram de um veículo e o executaram à luz do dia, por volta das 17h de sábado (9). Também atingidos por tiros na cabeça. Lucas tinha passagem pela polícia por tráfico de drogas.

Uenderson Gabriel de Oliveira, 25, estava na companhia da namorada também no Barro Duro, em São Cristóvão, quando quatro homens encapuzados a bordo de um carro modelo HB20 desceram e o executaram, às 22h30 de sábado. A jovem conseguiu escapar. Uenderson, conhecido como Molejo, tinha passagem pela polícia por tráfico.

Na mesma rua, quase no mesmo horário, também foram mortos Evandro Silva Santos, 23, e Eliomar da Cunha Rosa, 22, que pediram aos criminosos para não ser mortos. Tudo indica que os crimes foram cometidos pelos mesmos encapuzados.

Emerson de Santana e Jean Carlos dos Santos Jean Carlos dos Santos tinha 16 anos e cursava o 9º ano do ensino médio na Escola Municipal Cosme de Farias. No período oposto às aulas, ajudava o pai em um bar. No dia do crime, resolveu sair para uma festa na companhia do amigo, o vizinho Emerson. Na volta, às 3h, nas proximidades da casa dos dois, na Rua São Paulo, após o Alto do Cruzeiro, um veículo encostou próximo à motocicleta. Uma voz que vinha de dentro exigiu que os dois descessem do veículo.

De acordo com o pai de Jean, que preferiu não dizer o nome, não houve abordagem e o filho não teve a chance de explicar aos quatro homens encapuzados que era menor de idade e que não pertencia a nenhuma facção."Meu filho não tinha envolvimento com nada. Malmente tomava uma cerveja. Quando fazia era na porta do meu bar", conta o pai. Nas mãos dele, a identidade do menor estava manchada de sangue. Estava com Jean no momento em que foi alvejado com diversos tiros, sobretudo disparados contra a cabeça. Os disparos nessa região, para o pai, são indícios de que os homens tinham muita raiva e queriam matar de vez o adolescente. No entanto, ele não consegue explicar o motivo de tanto ódio. Na fuga, os suspeitos levaram os projéteis para não deixar pistas.

Ao lado do pai de Jean, estava a família do manobrista Emerson de Santana, 22. Era ele quem conduzia a moto. Os familiares também asseguram que o jovem não tinha envolvimento com o tráfico. Eles, assim como o pai de Jean, não sabem os motivos que levaram os quatro homens a cometer o duplo homicídio."Emerson não era de briga, então ele não poderia ter se envolvido em uma briga na festa que estava. Pelo contrário, os amigos diziam que ele era frouxo. Um menino educado, não sei o motivo do crime", disse um dos parentes, que preferiu não se identificar.    Lucas Puig Lucas estava na Rua Professor José Santana, no Uruguai, próximo a uma boca de fumo, na companhia de outros homens. Um carro de cor branca, por volta das 17h, estacionou próximo a eles. Ao perceber que os homens a bordo estavam encapuzados, todos os outros fugiram, mas apenas Lucas continuou. Ele foi o único a ser executado."Os outros chegaram a gritar pedindo para que ele também fugisse, mas não adiantou. Ele disse que iria continuar porque não devia mais nada. Pegaram ele", conta a madastra da vítima, a doméstica Raimunda Sena, 62.Lucas tinha passagem pela polícia por tráfico de drogas. No domingo, um dia depois da sua morte, um outro homem de 35 anos também foi executado a 1 km de lá, na Rua Professor José Santana. Eduardo de Jesus Santos entrou para lista da SPP às 16h30.

Uenderson Gabriel de Oliveira O ajudante de pedreiro Uenderson estava na companhia de mais dois amigos por volta das 22h30 do sábado. Todos estavam com suas namoradas. Os homens encapuzados chegaram no veículo atirando contra eles. As namoradas fugiram, mas os homens morreram na hora. A vítima também tinha passagem pela polícia por tráfico de drogas.

A mãe de Uenderson contou que um carro suspeito foi visto dias antes das execuções circulando pelas ruas. Preocupada, ela alertou o filho para evitar sair de casa à noite, mas não foi ouvida. "Meu filho estava bem próximo de casa quando morreu, uns 50 metros. Todos estavam conversando embaixo de uma mangueira com as namoradas. Não sei o motivo dessas mortes terem acontecido ao mesmo tempo", disse a mãe. Ocorrências De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), dos 29 casos registrados pelo órgão, em 11 ocorrências as vítimas tinham passagens pela polícia. Em outros 10, as mortes foram por envolvimento com o tráfico de drogas.

A SSP salientou ainda que alguns crimes aconteceram pelo uso excessivo de bebidas alcoólicas, gerando discussões por motivos fúteis e posteriores brigas. Todos os casos estão sendo investigados pela Polícia Civil, alguns já com autoria definida.

Crimes A morte para quem trabalha no IML passa a ser algo corriqueiro, mas a quantidade de corpos que chegou ao IML neste final de semana assutou até aqueles que já estão acostumados com o processo natural da vida. 

"Foram 29 mortes. Estou aqui há cinco anos e nunca vi um final de semana tão violento quanto esse", disse um dos funcionários de uma funerária que presta serviços aos familiares das vítimas.