Em busca do sucesso: o modelo clube-empresa e o fenômeno Red Bull

Como a marca de energético cresceu no mundo do futebol através da gestão empresarial

Publicado em 18 de agosto de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Há pouco mais de 15 anos uma certa marca de energético resolveu romper mais uma das suas barreiras de atuação no mercado e entrou no mundo do futebol. Marca essa que, mesmo antes de ser mencionado o nome ou slogan, você com certeza já sabe qual é. De 2005 para cá, a Red Bull investiu centenas de milhões de euros almejando o sucesso no esporte mais popular do planeta. 

O grupo é dono de quatro clubes atualmente: o Red Bull Salzburg, que marcou a entrada dos "Touros Vermelhos" nesse filão e disputa a primeira divisão da Áustria, país sede da empresa; o New York Red Bulls, time dos Estados Unidos; o RB Leipzig, clube alemão com o projeto mais audacioso e que enfrenta o PSG pelas semifinais da Liga dos Campeões nesta terça-feira (18); e o mais recente, o Red Bull Bragantino, derrotado pelo Bahia por 2x1 no fim de semana, pelo Brasileirão.

O tradicional time do interior paulista fechou parceria com a empresa em 2019 e vem numa crescente: foi campeão da Série B no ano passado e agora disputa a Série A. Esse não é o primeiro projeto da Red Bull no Brasil, mas falaremos disso mais para a frente. 

Nesta reportagem, o CORREIO conta um pouco sobre o conceito dos clubes-empresa e como isso alavancou e deixou em relevância o time brasileiro e o xará alemão nas duas últimas temporadas. É preciso entender como o modelo se tornou determinante para que essas equipes - e muitas outras na Europa - tivessem sucesso.

Na análise do advogado mineiro Luciano Motta, especializado em direito esportivo e autor do livro O Mito do Clube-Empresa, a prática “nada mais é do que uma formatação jurídica que um clube de futebol adota”, explica.

Aqui no Brasil, a esmagadora maioria dos times - Bahia, Vitória, Flamengo, Vasco e por aí vai - segue o modelo associativo e não visa um retorno financeiro para quem está à frente da agremiação. “É uma reunião de pessoas que, por um esforço em comum, criam o clube e não têm objetivo de obter lucros”, define Motta. Já o estilo empresarial preza pelo retorno financeiro para aqueles que assumem a posição de sócios e empreendedores no negócio. “Ao fim da temporada, o superávit do clube é dividido entre os investidores”, compara o advogado. 

É claro que o conceito de clube-empresa não se resume a um único formato de investimento e retorno, e o que não faltam são exemplos diferentes de gestão ao redor do mundo. Muita gente não sabe, mas quase todos os clubes conhecidos na Europa seguem alguma vertente empresarial. 

Todos os times que disputam a primeira e segunda divisões da Inglaterra, por exemplo, são clubes-empresa. Nas outras grandes ligas, como Itália, França, Portugal e Espanha, é uma obrigação que os times se estruturem assim. Na Espanha há quatro exceções a essa regra, sendo dois deles aqueles que são considerados os dois maiores do mundo: Barcelona e Real Madrid continuam sendo administrados pelo modelo associativo. Além deles, Atlhetic Bilbao e Osasuna não se renderam ao modo empresarial de gestão.

E já que esses grandes times europeus são clubes-empresa, por que nem todos surgem com um enorme capital e planos hegemônicos? Não existe uma resposta exata para isso, mas é preciso levar em consideração que existem diferentes objetivos para os diferentes administradores, e que nem todos são comandados por empresários bilionários ou sheiks árabes.

Clubes como Paris Saint-Germain, Manchester City e os times da Red Bull são sociedades limitadas, ou seja, pertencem a um dono ou grupo, e podem ter sócios-investidores que compram parte do clube, recebendo o lucro proporcional. No fim do ano passado o City vendeu 10% de sua participação para a empresa americana Silver Lake por 500 milhões de dólares (equivalente na época a pouco mais de R$ 2 bilhões).

Já equipes como Manchester United, Juventus, Lazio, Benfic, Porto e Galatasaray são definidas como clubes-empresa com sociedade anônima com capital aberto, o que possibilita que ações desses times sejam compradas na bolsa de valores.

Fenômeno dos “Touros Vermelhos”

No caso da Red Bull, entre os diferentes propósitos está ampliar seu impacto comercial ao redor do mundo. Em entrevista recente ao portal britânico The Independent, o CEO da Red Bull, Dietrich Mateschitz, comentou sobre o investimento na franquia alemã, o Leipzig: “Não vou vender uma lata de energético com isso, mas vamos criar muito reconhecimento da marca”. 

Isso mostra que a atuação e o sucesso dos times no futebol são consequência de investimentos que visam ao crescimento da empresa como um todo, e não daquele clube específico. Não à toa, jovens jogadores são os alvos dessas franquias, para que se desenvolvam, se destaquem e sejam negociados, chamando a atenção da mídia para a marca. O “centro de vendas” da empresa atualmente é o RB Leipzig, que negociou o centroavante Timo Werner, da seleção alemã, com o Chelsea por 50 milhões de euros.

A história começa em 2009, quando os Touros fizeram uma proposta para comprar os direitos de atuação do SSV Markranstädt, que estava na 5ª divisão do futebol alemão. A escalada para a Bundesliga foi direta e, em 2016/17, primeiro ano do time na elite, quase quebrou a hegemonia do Bayern de Munique e terminou a liga na 2ª colocação, deixando para trás os outros clubes tradicionais da Alemanha. Valor de mercado e média de idade dos clubes da Red Bull*

RB Leipzig: 507,83 milhões de euros | 23,6 anos Red Bull Salzburg: 143,80 milhões de euros | 23,2 anos Red Bull Bragantino: 32,33 milhões de euros | 24,4 anos New York Red Bulls: 19,2 milhões de euros | 24,3 anos

*Informações do site Tranfermarkt

Esse fato é, inclusive, motivo que torna o Leipzig o “time mais odiado do país”, pois boa parte das torcidas alemãs acreditam que regras foram quebradas. Luciano conta que, em 2009, o que a Red Bull fez foi “comprar o lugar” de um clube que já existia em uma divisão intermediária. Quando um clube não paga por essa vaga que já está ocupada - e sim, só é possível ocupar esse local comprando - ele começa de divisões amadoras, o que levaria muito mais tempo para que o Leipzig ocupasse o local onde está hoje.

Aliás, a posição do time em nível continental é de extrema relevância. Nesta terça-feira (18), o Leipzig entra em campo para, quem sabe, derrubar o favorito PSG, comandado por Neymar e Mbappé, e chegar a uma inédita final de Liga dos Campeões. No elenco, há dois jogadores que foram transferidos do elenco austríaco para incorporar a equipe alemã: o meia Sabitzer e o zagueiro Upamecano.

Na Áustria, o Salzburg já acumula 14 títulos na liga, sendo os últimos sete seguidos - desde a temporada 2013/14 - além de sete Copas da Áustria e mais três Supercopas do país. O atacante Haaland, que atualmente faz sucesso do Borussia Dortmund, era centroavante da equipe de Salzburgo.

Nos Estados Unidos, com o New York Red Bulls, o projeto ainda não rendeu um título dos playoffs da MLS, mas já terminou a temporada regular com a melhor campanha em seis oportunidades e um vice-campeonato em 2008, além de receber nomes históricos em seu elenco como Thierry Henry, Rafa Márquez e Juninho Pernambucano.

As constantes transferências e os holofotes voltados para essas equipes são mais um dos motivos para, aqui no Brasil, o Bragantino também se tornar referência na exportação de jogadores

A título de curiosidade, até 2014 a Red Bull estava presente na África. Só que em Gana, após uma queda para a segunda divisão, a empresa resolveu encerrar as operações no país. 

Escalada brasileira 

Como foi dito no início do texto, o Red Bull Bragantino não é a primeira experiência da marca de energéticos no território nacional. O Red Bull Brasil foi criado em 2007 e, em 2014, alcançou uma inédita participação na divisão principal do Campeonato Paulista. Mandando seus jogos no Moisés Lucarelli, estádio da Ponte Preta, em Campinas (SP), o time conseguiu até disputar uma Série D do Brasileiro em 2015, uma Copa do Brasil e, em 2019, conquistou o Troféu do Interior - disputa entre os times paulistas que não inclui os quatro grandes do estado e vale vaga na Copa do Brasil.

Como a ascensão nacional não surgiu de forma rápida, os Touros buscavam uma outra alternativa de crescer no futebol brasileiro. A solução estava em São Paulo, no tradicional Bragantino. Com uma diferença: ao contrário dos outros três xarás no hemisfério Norte, nenhum clube foi comprado para dar lugar ao time da Red Bull. Na verdade, o equivalente aos outros três times é o próprio Red Bull Brasil, que hoje ficou como uma equipe B, de transição. Red Bull Bragantino foi o adversário do Bahia na 3ª rodada do Brasileirão. Tricolor levou a melhor e venceu por 2x1 (Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia) O que o Bragantino fez foi “terceirizar o futebol profissional para que esse grupo explorasse mais o futebol brasileiro, com um poder aquisitivo maior e know how do esporte”, explica o advogado Luciano Motta. Pode ser que essa parceria se torne de fato um clube-empresa, mas até que isso aconteça, o caminho do Red Bull Bragantino tem sido positivo para a companhia de energéticos, para os gestores do Braga e também para a torcida, que voltou a ver o time na Série A e conquistar títulos, como o da Série B em 2019 e o bicampeonato do Troféu do Interior em 2020. 

Resultados que não surgiram à toa. Em 2019, a empresa injetou cerca de R$ 45 milhões no Bragantino. Para 2020, a previsão feita antes da pandemia era de R$ 200 milhões em investimento. Mesmo com uma possível revisão desse número - considerada devido ao impacto do coronavírus -, o clube gastou R$ 78 milhões só em contratações para sua temporada de estreia na Série A.

O presidente Marquinho Chedid acredita em uma longa parceria com a marca: “Sou presidente há 22 anos. Estou cumprindo uma promessa para o meu pai (o ex-presidente do clube Nabi Abi Chedid). Antes dele morrer, pediu para não deixar o Bragantino morrer. E o Bragantino com a Red Bull vai eternizar isso”, afirma.

*Sob supervisão de Herbem Gramacho