Em Dia Mundial da Pobreza, Dom Murilo Krieger almoça com moradores de rua na Cidade Baixa

Moradores de rua de Salvador receberam 500 quentinhas distribuídas por mais de 100 voluntários das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), no Largo dos Mares

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  • Tailane Muniz

Publicado em 18 de novembro de 2018 às 16:25

- Atualizado há um ano

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. por Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Há quem não enxergue nada de especial em um prato com arroz, feijão e frango. Há, ainda, quem conte, todos os dias, não só com o almoço, mas também com a sobremesa. Não fosse o fato de que muita gente vive nas ruas em situação de vulnerabilidade - o que inclui passar fome -, um prato de comida sequer seria simbólico, neste domingo (18), Dia Mundial da Pobreza.

E se, para alguns, um prato de comida não é algo especial - o que talvez se justifique por ser um direito garantido a todos, sem qualquer distinção, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) desde 1948 -, moradores de rua de Salvador celebraram, ao meio-dia deste domingo, as 500 quentinhas distribuídas por mais de 100 voluntários das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), no Largo dos Mares, na Cidade Baixa.

Gente como Jandira Santiago que, dos 48 anos de idade, em ao menos 12 deles viveu nas ruas dos Mares. O período, recordou ela, envolveu passar muita fome. A mulher, mãe de quatro filhos, ainda mora ao relento. Seus rebentos, por sorte, como considera: foram adotados. Hoje, Jandira se juntou a outras dezenas de pessoas com histórias de vida parecidas com a dela para comemorar os grão de arroz, feijão, e o frango - tudo fruto de doações.   Jandira mora na rua há 12 anos (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) "Eu fico feliz, pois é menos um dia pra gente se preocupar com o que vamos comer. Gostei muito mesmo, não é todo dia que a 'merenda' passa. Quando passa é ótimo, mas quando não passa é triste", disse, em referência a um grupo que distribui sopa na região em que a moradora de rua dorme, próximo à Osid. A ação, realizada pela Arquidiocese de Salvador, com apoio da Osid, aconteceu pela primeira vez desde que o Dia Mundial da Pobreza foi instituído pelo papa Francisco, há um ano. Além das quentinhas, distribuídas no estacionamento do Santuário da Bem Aventurada Dulce dos Pobres, os voluntários promoveram uma feira livre, no Largo dos Mares, com serviços de corte de cabelo, oficina de pintura, além de aferição de pressão e Índice de Massa Corporal (IMC). Ao menos 180 pessoas em situação de rua foram atendidas.

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"E o amanhã?" Após celebrar uma missa no santuário da bem aventurada, o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, ajudou a distribuir as quentinhas. Pouco depois, se aproximou da mesa farta e pediu para que fosse servido. À voluntária, solicitou: 'Põe pouco, não quero desperdiçar', e riu. 

Krieger, que sentou para almoçar ao lado de moradores de rua de várias áreas de Salvador, pontuou que, embora o momento fosse de felicidade, o "amanhã" é incerto para todas aquelas pessoas. Segundo o arcebispo, a falta não é só do alimento, mas de cobertor, da saúde e moradia."É um ato simbólico, porque isso aqui deveria ser parte da vida de todos. Uma alimentação na hora certa, um lugar para morar, o acesso à educação e à saúde. Nosso ato precisa despertar uma pergunta nas pessoas: 'e o amanhã?'", destacou Dom Murilo, acrescentando que "somos uma sociedade que tem condições de ajudar, mas não temos sensibilidade".Invisíveis A superintendente da Osid, Maria Rita Pontes, disse que "não há nada de especial" no ato que, segundo ela, já compõe o calendário de eventos da instituição. "Não vejo como algo especial porque é o que todos deveriam ter. Quando a Arquidiocese sugeriu a ação, nós abraçamos a ideia. Para nós, é simbólico, para que a sociedade passe a enxergar essas pessoas, elas não são invisíveis", considerou.

Invisível como Sidney Espinheira, 48, afirmou que se sentiu pelos quatro anos em que viveu perambulando pelas ruas do Centro. Ex-usuário de drogas, ele se afastou da família por culpa do vício, mas já se reaproximou dos parentes e agora já não vive mais "dias incertos"."Tudo mudou depois que conheci as ações do projeto [da Osid]. Fiz oficinas de artesanato e larguei a droga. Essa ação é muito importante para todo mundo que está aqui, até para mim, porque a sociedade não olha pra gente. Eu não sentia só fome, eu sentia muito frio", disse o ex-morador de rua, que definiu o ato como uma "prova de amor ao próximo". Deficiente, Adenilton vive há um ano na rua (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Na rua há um ano, Adenilton dos Santos, 43, sequer tem contato com a família. Pai de uma criança que a idade ele sequer se recorda, ele comentou que são inúmeras as dificuldades de quem não tem onde morar."Fui parar nas ruas porque não me dou bem com minha família. A fome, eu já vi de perto muitas vezes. E ter esse prato com uma comida boa, limpa, sem precisar fazer nada é realmente uma bênção", pontuou.Deficiente das pernas desde que sofreu um acidente de carro, há 26 anos, Adenilton contou que não tem condições de exercer uma atividade rentável. Sozinho, sobre a cadeira de rodas que comprou com o dinheiro do auxílio doença, ele se locomove pelo Centro de Salvador e adjacências, "sempre esperando encontrar um lugar seguro".