Em dificuldades, Teatro Vila Velha se anima com possível 'volta' de Caetano Veloso

Cantor, que começou carreira no local junto com Bethânia, Gal, Gil e Tom Zé, falou sobre desejo de voltar a morar em Salvador e fazer shows no espaço

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  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 14 de agosto de 2022 às 11:01

. Crédito: Foto: Marcelo Tinoco/Arquivo Correio

Dia 22 de agosto de 1964, Passeio Público, Campo Grande, Salvador, Bahia. O Brasil vivia os primeiros meses sob o regime de Ditadura Militar e a cidade ganhava o Teatro Vila Velha, projeto encabeçado pela Sociedade Teatro dos Novos, formada por Echio Reis, Sônia Robatto, Carlos Petrovich, Othon Bastos, Thereza Sá e Carmem Bittencourt, que romperam com a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba), e partiram para a criação de um novo espaço sob a liderança do professor João Augusto.

A programação de abertura da nova casa, que incluía 12 espetáculos, seria inaugurada com a peça ‘Eles Não Usam Black Tie’, mas a montagem não ficou pronta a tempo. Foi então que surgiu a ideia de substitui-la por um show. A missão foi dada ao produtor Roberto Sant’ana que, embora tenha se empenhado em executar, no fundo não acreditava que daria certo. “Apenas João Augusto acreditava no sucesso, eram todos desconhecidos e a grande maioria não aspirava seguir a carreira artística”, conta.

Cinco começos Antes das cortinas se abrirem, na coxia, cinco jovens baianos experimentavam a emoção de pisar num grande palco pela primeira vez: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia e Tom Zé. Mal sabiam eles que aquele encontro mudaria o rumo de suas vidas e os levaria ao estrelato.

Quando as luzes se acenderam e a cortina se abriu, a plateia recebeu os novatos com aplausos, Um a um, foram se apresentando: “Eu sou Djalma Corrêa (bateria), eu sou Alcyvando Luz (violão), eu sou Antônio Renato (Piano), eu sou Maria da Graça (Gal Costa), eu sou Gilberto Gil, eu sou Caetano Veloso, sou Maria Bethânia, sou Antônio José (Tom Zé)”.

O show, que foi batizado por Caetano com o nome de ‘Nós, Por Exemplo’, foi uma apoteose.“Foi uma coisa incrível a reação do público nas duas noites de apresentações. Eles foram ovacionados. Ainda me emociono de lembrar aquela plateia de pé, aplaudindo sem parar”, lembra o produtor.Este feito histórico foi registrado em áudios e gravações em Super 8 pelo músico Djalma Corrêa, então baterista da trupe e autor da canção ‘Bossa 2000 D.C.’, que integrava o repertório do espetáculo. O músico, que guarda estas preciosidades até hoje, segue alimentando o sonho de transforma-lo num documentário.

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Volta, Caetano Enquanto o baterista deseja eternizar a magia daquelas duas apresentações em audiovisual, outro integrante da trupe sonha em reviver aqueles momentos onde tudo começou. No último domingo, Caetano Veloso revelou, durante o show que marcou seus 80 anos, exibido pela Globoplay, que seus planos futuros incluem voltar a viver na Bahia e cantar no TVV. “Quero ir morar na Bahia, cantar no Teatro Vila Velha, e quem quiser me ouvir cantar que vá a Salvador”.

A revelação repercutiu na imprensa sem que o cantor explicasse se a declaração havia saído no calor da emoção ou se está mesmo planejando essa volta.“Esta não é a primeira vez que Caetano diz isso; sempre que vem nos visitar aqui no Vila Velha ele fala sobre essa vontade de voltar a se apresentar no palco onde começou a carreira”, afirma o diretor artístico do TVV, Márcio Meirelles.Aquela, aliás, não foi a primeira e única vez que o filho de Dona Canô fez um show no teatro do Passeio Público. Em 1994, o artista voltou a se apresentar naquele palco no evento que marcou a reabertura do Vila. “Ele sempre vem ver nossos espetáculos e foi aqui que ele, juntamente com Paula Lavigne, decidiram produzir o primeiro disco de Virgínia Rodrigues, depois de assistirem a cantora no palco”, completa.

Como vai o Vila Mas afinal, vai que o santamarense decide colocar em prática os planos futuros, o que ele encontraria daquela época por lá? Roberto Sant’ana é categórico: “Nada!”. 

De fato, o Vila não guarda muito daquele período. Nem mesmo um bom acervo de fotografias do show histórico. O espaço, que passou mais de dois anos fechado em função da pandemia, retomou as atividades recentemente, ainda mais combalido desde que cerrou as portas em 2020.

“Foi uma crise que atingiu todo o setor da cultura, mas no caso do Vila, tivemos que demitir praticamente toda a equipe, estamos com problemas no sistema de ar-condicionado, no telhado, com muitas infiltrações e, sobretudo com problemas de segurança e de equipe de limpeza que ainda não conseguimos equacionar, apesar das dívidas acumuladas terem sido parceladas e de estarmos honrando com estes compromissos”, explica Meirelles.

Os recursos são escassos. O mais importante deste é o que vem do programa Ações Continuadas de Instituições Culturais, que garante uma verba mensal a 17 instituições baianas. No caso do Vila, o recurso anual é de R$ 560 mil, o que significa menos de R$ 47 mil mensais, os quais, segundo o diretor artístico, não cobrem os custos para manter o espaço funcionando de forma adequada.

Para complementar os recursos, a casa investe na produção de espetáculos próprios e abre espaço para que outros produtores se apresentem compartilhando a bilheteria, já que a maioria não tem como pagar a pauta. 

Outra forma de angariar fundos para se manter de pé foi aderir a uma plataforma de doação pela internet. “Quem quiser colaborar com o programa Amigos do Vila, com valores a partir de R$ 1, até R$ 200 mensais, pode se cadastrar no Padrim,com.br/TeatroVilaVelha”, sugere Meirelles. Segundo ele, o programa conta com o apoio de vários artistas, hoje famosos, que já passaram pelo Vila, a exemplo de Lázaro Ramos e do próprio Caetano.

Mas não faltam parceiros fiéis ao teatro. O ator e diretor Celso Junior é um admirador do espaço há mais de 30 anos e costuma estrear seus espetáculos por lá.“O Vila sempre teve uma equipe de profissionais muito qualificados, tenho um grande afeto por aquela teatro e, apesar de não estar vivendo os seus melhores dias, em função da crise que está passando, e que se agravou na pandemia, ainda é um grande e importante equipamento”, diz.  Futuro Em meio às dificuldades, o Vila Velha não deixa de acreditar no futuro. Em setembro, o espaço vai estrear o espetáculo ‘Do Outro Lado do Mar’, da dramaturga salvadorenha Jorgelina Cerritos, com direção de Marcio Meirelles. Também está prevista a montagem de outra peça com os alunos do projeto Universidade Livre, que será encenada nas ruas.

A declaração de Caetano foi um bálsamo para a equipe do teatro que vê nesse sonho do cantor uma ponta de esperança de que dias melhores virão. “Todas as vezes que Caetano fala sobre o Vila Velha ele está nos ajudando”, diz o gestor, que ressalta o afeto do cantor pelo TVV, já declarado outras vezes, incluindo no seu livro ‘Verdade Tropical’, no qual dedicou um capítulo à sua relação com o teatro.

Embora tenha retomado as atividades, especialmente as ações continuadas, como a Universidade Livre (programa de formação profissional), o Vila está pronto para receber não apenas Caetano, mas todos os  artistas que, assim como ele, sonham em viver o resto de suas vidas fazendo espetáculos, uma vez por semana que seja, no espaço. “Seria sim, um privilégio, me aposentar fazendo apresentações semanais no nosso Vila Velha”, endossa Celso Júnior.