Representante da terceira geração da família Cravo, Christian Cravo, 43 anos, está morando novamente em Salvador para cuidar da implantação do Instituto Mário Cravo Neto, em homenagem a seu pai. O espaço reunirá o acervo de cerca de 94 mil itens, desenvolverá projetos e criará um prêmio de fotografia. Na capital baiana, ele apresenta a exposição Luz e Sombra, na Paulo Darzé Galeria de Arte. Confira entrevista com o fotógrafo.
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Christian Cravo: novamente em Salvador (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
O que o motivou a escolher a África como tema da exposição e do livro?
Já estava há anos trabalhando com a temática humana e já tinha sentido a necessidade de mudanças estéticas do meu trabalho, não sabia ainda o que era, mas tinha esse sentimento latente. Em 2009, meu pai faleceu e isso foi uma decepção carnal muito grande; em 2010, teve o terremoto no Haiti, país onde eu já havia trabalhado havia nove anos. Foi aí que decidi romper com a velha estética do meu trabalho, baseada na cultura humana e ir à África fazer um trabalho mais contemplativo. Busquei um lugar que me permitisse a contemplação e comecei pelas paisagens, no deserto da Namíbia.
Quais as dificuldades encontradas na produção?
Foram inúmeras. A começar pelas distâncias, que eram muito longas. O mundo tá cada dia mais engessado em termos de burocracia, de papelada, de dificuldades de liberdade intelectual. Na África e em muitos países, esse trabalho envolveu taxas, vistos de trabalho, o custo disso foi muito grande. Superou a distância física.
Como chegou ao resultado final para escolha das imagens do livro e da exposição?
Quando eu começo um trabalho, eu já tenho um sentimento do que quero, na medida que vou lapidando, as imagens começam a se formar na minha cabeça. Claro que, entre o que você quer, o que está procurando e o que vai conseguir, pode ser muito distante, até porque a fotografia é, das artes, uma das poucas que têm de ser presencial. Sempre o fator sorte, estar no lugar certo na hora certa, é uma grande influência no fazer do trabalho. Daí essas insistentes viagens. O trabalho foi se moldando ao longo de sete anos.
Qual, na sua opinião, é a imagem mais forte e que deu mais trabalho para atingir o resultado que desejava?
Pra mim, a imagem mais forte é gnus cruzando o rio, uma foto muito dramática, uma foto que tem uma mensagem dupla: tanto transmite o drama da natureza como um movimento em massa, que não se consegue parar, isso me dá muita admiração. A que mais demorou foi o perfil do leão, que era uma equação matemática, uma questão de tempo e de situação quase que impossível e que demorei de seis a sete anos pra chegar naquele resultado. Teoricamente muito simples, mas toda a situação seria muito improvável.
Como está sendo a experiência de revisitar o trabalho de Mário Cravo Neto para o instituto?
Tem sido um trabalho muito bom, muito frutífero e recompensador. A gente, apesar de ser filho, pai, mãe e irmão, nós nunca temos um amplo acesso ao que o outro pensa, a não ser quando a gente tem todas as chaves de todos os cofres, e esse é o caso, temos as chaves para abrir os pensamentos mais íntimos de Mário Cravo Neto, os projetos mais embrionários e traçando panorama desde a sua adolescência até pouco antes de falecer. A forma como a gente tá buscando aquele conhecimento embrionário é muito importante para desvendar quem era Mário Cravo Neto como artista, de múltiplas facetas, um artista genial, um dos maiores artistas que o Brasil já teve no século XXI.
Como funcionará?
Funciona de duas formas básicas. Em Salvador, temos a base administrativa, que é o conselho, a sede é aqui, onde se traçará as decisões do que fazer com a obra dele, em termos de parcerias técnica e cultural. No Rio, temos uma parceria técnica forte com o Instituto Moreira Salles, que envolve a preservação dos originais da obra dele, define as exposições. As parcerias são dadas de forma individual e independente. Estamos descentralizando o instituto para ter uma estrutura mais enxuta, mais econômica, porque a grande dificuldade das instituições no Brasil é como se sustentar. Seu próximo trabalho envolve sua mulher e suas três filhas.
O que podemos esperar?
Mais uma vez envolve a necessidade de uma mudança estética, de experimentar. A África me trouxe pra casa, pra família, a necessidade de estar presente com minha família, de explorar a minha família... é sempre um vaivém, artisticamente falando, a arte é visceral, é um reflexo da sua vida pessoal.