Em novo álbum, Chico Buarque fala sobre amor, tecnologia e realidade da favela

CORREIO teve acesso ao novo álbum do cantor, Caravanas, que será lançado nesta sexta-feira (25) nas lojas físicas e virtuais

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  • Laura Fernades

Publicado em 22 de agosto de 2017 às 15:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Leo Aversa/Divulgação

Ainda faltam três dias para o cantor e compositor Chico Buarque, 73 anos, quebrar o jejum de seis anos com o lançamento do esperado álbum Caravanas, mas seu 23º trabalho já tem dado o que falar muito antes da divulgação oficial pela gravadora Biscoito Fino. Afinal, a liberação de Tua Cantiga provocou intenso debate em torno do machismo presente – ou não – no eu lírico da música de abertura do disco que o CORREIO ouviu  e apresenta para seu leitor.

A polêmica, que cresceu a partir das leituras do texto escrito pela produtora Flavia Azevedo no CORREIO, que não usou a palavra machismo, ganhou destaque nacional e o próprio Chico veio a campo defender o personagem de abertura do novo disco que será lançado sexta. “Será que é machismo um homem largar a família para ficar com a amante? Pelo contrário. Machismo é ficar com a família e a amante”, postou Chico em suas redes sociais, citando um “diálogo entreouvido na fila de um supermercado”.

Mas antes de resgatar o debate em torno dos polêmicos versos, vale contar o que vem por aí. A começar pelo próprio conceito de Caravanas, batizado com esse nome “talvez para abrigar nove canções que, se não fosse ele, o disco, estariam por aí desprotegidas no deserto. Ou melhor, na floresta das redes contemporâneas por onde canções costumam se perder nos dias de hoje”, explica o jornalista Hugo Sukman, no texto de apresentação do disco.

Samba sincopado, blues, samba-canção, bolero em espanhol e até funk costuram canções predominantemente sobre o amor, seja aquele em tempos de internet, aquele impossível, aquele entre dois amantes, ou o amor a uma terra à beira-mar. Ao todo, o álbum reúne sete músicas inéditas, compostas uma de cada vez desde o final de 2015, e duas regravações. São elas Dueto (1980) e A Moça do Sonho, composta por Chico e Edu Lobo para o musical Cambaio (2001).

Massarandupió Entre as novidades, estão as participações dos netos Clara, 18, e Chico, 21, filhos de Carlinhos Brown com Helena Buarque. A primeira canta em Dueto, música sobre paixões arrebatadoras que “constam nos astros, nos signos, nos búzios”. Na regravação, é possível ouvir Clara rindo do avô atrapalhado tentando atualizar a letra e encaixar “no Google, no Face, no WhatsApp, no e-mail, no Orkut, no Telegram”.

Já o segundo neto compôs a orquestral e solar Massarandupió, uma valsa sobre a praia baiana onde passava as férias durante a infância. Enviada por e-mail para o avô, já que este começou a perguntar por suas criações, Massarandupió quase ficou de fora porque o neto a achava muito infantil.

“Mas foi a que ele mais gostou, ainda bem que eu mandei. Ele me mostrou no aniversário de 20 anos a letra, foi meio que um presente. Não tinha como ser melhor. Me entregou uma versão voz e violão, com a melodia que eu tinha feito e a letra que, por mais que eu nunca tivesse ouvido, parecia que eu estava ali. Falava muito da minha infância, desse subconsciente, das memórias”, disse Chico Brown em entrevista ao Estadão. Chico Buarque ao lado do neto, Chico Brown, 21, filho de Carlinhos Brown, que assina a música Massarandupió (Foto: Leo Aversa/Divulgação) Funk Já em As Caravanas, que finaliza o disco, a melodia de Chico parte de Caravan, clássico do jazz de Duke Ellington (1899- 1974), para dialogar com o beatbox de Rafael Mike Dtp, músico do Dream Team do Passinho. Em arranjo de orquestra do maestro e produtor musical do disco Luiz Claudio Ramos, a música fala sobre a chegada dos ônibus nas praias da Zona Sul do Rio de Janeiro com garotos das favelas cariocas, frequentemente parados e intimidados pela polícia.

“A caravana do Irajá/o comboio da Penha/Não há barreira que retenha/esses estranhos/Suburbanos tipo mulçumanos/do Jacarezinho/A caminho do Jardim de Alá -/é o bicho, é o buchicho, é a charanga/Diz que malocam seus facões/e adagas/Em sungas estufadas e calções disformes/Diz que eles têm picas enormes/E seus sacos são granadas/Lá das quebradas da Maré”, diz um trecho da música que dá nome ao disco.

Em Blues pra Bia, por outro lado, Chico canta o amor que parece impossível para um rapaz, porque “no coração de Bia/Meninos não têm lugar”. Já em A Mulher do Sonho, Chico resgata a parceria com Edu Lobo em um arranjo simples de violão e violoncelo que costura a letra sobre um amor inalcançável que clama: “Há de haver algum lugar/Um confuso casarão/Onde os sonhos serão reais/E a vida não”.

Outra música que vale destacar é o bolero Casualmente, cantado em espanhol e feito em parceria com o baixista Jorge Helder. A música traz a citação de um verso do compositor cubano Silvio Rodriguez, que integra a canção Pequeña Serenata Diurna, gravada por Chico em 1978. A música foi a primeira da chamada Nova Trova cubana a ser gravada no Brasil, na época da ditadura militar, quando gravar músicas de Cuba era considerado uma subversão. Chico ao lado da neta Clara, que canta na regravação da música Dueto (Foto: Leo Aversa/Divulgação) Diálogo Divulgado em meio à polêmica letra de Tua Cantiga, composta em parceria com o pianista e arranjador Cristóvão Bastos, Caravanas  traz de volta a atmosfera clássica do medalhão da MPB, cujo fôlego continua firme aos 73 anos. Principalmente no que diz respeito à divulgação do novo trabalho, que não deixa de dialogar com seu tempo.

Para lançar Caravanas, por exemplo, Chico criou um perfil no Instagram há cerca de um mês, dando destaque para o meme com a capa do seu primeiro disco. “Não tinha Instagram oficial/Agora tenho”, diz a postagem, com as respectivas expressões faciais triste e alegre de Chico. Agora é aguardar a repercussão do novo disco que estará disponível nas lojas físicas e virtuais a partir de sexta. Capa de Caravanas, novo disco de Chico Buarque que será lançado nesta sexta-feira (25)