Em tempos de rinocerontes metálicos, somos homens ou ratos, coronel Luiz Artur?

por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 3 de junho de 2018 às 08:36

- Atualizado há um ano

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Erumavez brasilaindavaronil no qual todos os telefones eram pretos reluzentes – circa anos 1960. Objeto de culto e de cobiça, só os + ricos o tinham em casa. Meu pai, esforçado comerciante, só conseguiu tê-lo na panificadora-estrela do mercado-municipal-22. Número do aparelho: 10-65. De lá, eu pedia à moça da companhia telefônica, que perguntava ‘número por favor?’, para falar com os meus melhores amigos: Leda (13-84), Olival (14-16) e Renan (14-28). Na urbe sertaneja tacanha, a novidade provocou alvoroço – e,  até que a telefonia virasse rotina, trotes telefônicos dos + variados calibres foram disparados à exaustão. Exemplo 1. Ligava-se para a casa de alguém e, com voz solene, perguntava-se: - A senhora (ou o senhor) sabe quem envernizou as asas da barata? Exemplo 2. Pedia-se a quem atendia à ligação: - Um momentinho, por favor. Sessenta segundos depois, anunciava-se: - Já se passou o minutinho otário, pode desligar! No bojo desses triviais e ordinários trotes telefônicos, alguém se notabilizou anonimamente. Voz roufenha ligava para a casa de alguém, sempre entre 9 e 11 da noite, e perguntava à queima-roupa: - Somos homens ou ratos?Até que a telefonia virasse rotina, trotes telefônicos dos + variados calibres foram disparados à exaustão Esse personagem de vaga inspiração existencialista ganhou desafetos, todos indignados com a pergunta, procedente sem dúvida, mas cretina. O coronel Luiz Artur, 42, por exemplo, desatinava e vociferava: - Vá tomar no olho do cu, abestalhado! Eu sou é homem! Ratazana é a senhora sua mãe! O cara vagamente existencialista encontrou a vítima perfeita e passou a ligar para esse número todos os dias às 11 da noite, e ia diretamente ao assunto: - Coronel Luiz Artur, somos homens ou ratos? Cada vez mais colérico, o coronel Luiz Artur foi às vias de fato. Em certa noite friorenta de junho, pegou a arma que usava em serviço e, assim que ouviu a pergunta impertinente do outro lado da linha, disparou sete balas no aparelho preto reluzente que se esfarelou em mil cacos. Alguns desses pedaços estilhaçaram os vidros da cristaleira da esposa – Edwiges, 30. [Herança da bisavó materna e peça importante da memorabilia que se acumulava no casarão ao lado da Câmara Municipal, o acidente provocou forte ataque de nervos na Senhora E.:  teve chilique hemorrágico, ou seja, menstruou fora de época]. Para não dizer que não falei de caminhões, o fetiche ideológico deste outono-inferno, volto a revolver a infância. Aqueles carros gigantescos com boleias de todas as cores eram nosso objeto de culto infantojuvenil. Eu adorava ficar à janela vendo aqueles rinocerontes metálicos despontarem na esquina da minha rua, rumo à Rio-Bahia. O focinho desse rinoceronte metálico era ornado por letras garrafais:  F, N e M – Fênêmê em alfabeto baiano hoje extinto. Amávamos tantos esses gigantes que espalhávamos o seguinte boato:  - Essas letras não são sigla da Fábrica Nacional de Motores e sim iniciais da frase ‘Feliz Natal Manoel’. A propósito, feliz Natal, manoéis! Feliz Natal, povo brasileiro!