Embaixador da fé: ACM criou laços da Igreja Católica ao candomblé

Ele era reconhecido pelo auxílio a projetos sociais e pelo valorização dada ao povo de santo

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 4 de setembro de 2015 às 06:40

- Atualizado há um ano

Em uma manhã de domingo de janeiro de 1999, o então presidente do Congresso, senador Antonio Carlos Magalhães, acabara de fazer sua caminhada habitual quando ouviu a confirmação da visita do recém-nomeado arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Geraldo Majella. O cardeal seria recebido em seu apartamento, na Graça, sem saber que, desse encontro, brotaria um dos mecanismos mais  importantes para reduzir a miséria no país, fruto da simbiose entre poder e religião que tinha em ACM um dos arquétipos mais conhecidos.

Segundo relatos de familiares e amigos do político, ACM queria dar as boas-vindas ao cardeal com algo que fosse ao encontro dos anseios do Vaticano naquele momento. Diante de dom Geraldo, o senador apresentou uma ideia que vinha burilando há semanas: o Fundo de Combate e Erradicação à Pobreza, criado por meio de emenda constitucional de sua autoria. Aprovado em dezembro de 2000, com amplo apoio da oposição e da base governista, o fundo deu régua e compasso para a implementação de programas sociais até hoje vigentes, como o Bolsa-Família.Na Igreja da Conceição da Praia, ACM festeja a Lavagem do Bonfim junto comas baianas e devotos de Oxalá (Foto: Arquivo CORREIO)Nascido em uma família de católicos, ACM não era de ir às missas com regularidade. Porém, não as dispensava nos seus aniversários. Se estivesse vivo, seria na igreja que iria comemorar hoje 88 anos. Ia também às celebrações nas festas dos santos devotados por ele: Senhor do Bonfim e Santo Antonio, os principais, junto com Nossa Senhora. “Ele não era de ir à igreja com frequência, mas tinha seus momentos de fé e orava diariamente”, lembra o filho mais velho de ACM, Antonio Carlos Júnior, presidente da Rede Bahia.

Quando assumiu a prefeitura de Salvador, em 1967, ACM manteve contato mais próximo com os arcebispos da capital. Por pouco tempo, conviveu com dom Augusto da Silva, o Cardeal da Silva, que morreu em 1968. Em seu lugar, assumiu dom Eugenio Sales, futuro arcebispo do Rio de Janeiro, confessor, conselheiro espiritual e um dos maiores amigos do político baiano.  

“Dom Eugênio teve um papel importante na trajetória de meu pai. Ao longo de toda a vida, ele consultava o cardeal em momentos decisivos. Era uma ligação muito forte que os unia”, afirma Júnior. “Na morte do deputado Luis Eduardo Magalhães, dom Eugenio veio a Salvador para dar conforto a nossa família, para ajudar meu pai naquele momento difícil”, detalha.

A amizade com dom Eugênio não seria a mesma em relação aos dois cardeais seguintes - dom Avelar Brandão Vilela e dom Lucas Moreira Neves. No entanto, mantinha relações próximas com ambos, a quem abriu as portas do poder para projetos de interesse da comunidade católica. Em especial, o apoio à Campanha da Fraternidade, às pastorais e à restauração e conservação de igrejas históricas.

Ao mesmo tempo, manteve uma das mais conhecidas parcerias entre a Igreja e a política na Bahia, com Irmã Dulce. “ACM ajudou bastante as obras de caridade dela, tanto em relação aos terrenos para os projetos, quanto em doações financeiras pessoais, coisa que ele fazia de maneira discreta, recusando publicidade”, afirma o jornalista Jorge Gauthier, autor do livro Irmã Dulce - Os Milagres pela Fé.

CandombléOutro capítulo das ligações entre ACM e a religiosidade está no apoio que o político deu ao candomblé. Bastante influenciado pelo célebre reitor da Ufba Edgar Santos, ACM via  nas religiões de matriz africana uma expressão muito particular da cultura que precisava ser valorizada pelo Poder Público. Essa visão, estimulada por sua amizade com o escritor Jorge Amado, o aproximou bastante de Mãe Menininha do Gantois, a ialorixá mais conhecida Brasil afora.

Segundo o ex-prefeito de Salvador Manoel Castro, ex-presidente da Bahiatursa nos anos 1970, qualquer personalidade que chegasse à Bahia era convidada por ACM a visitar terreiros e a conversar com Mãe Menininha. “Ele não admitia intolerância com o candomblé. Pelo contrário. Exigia dos seus secretários que ajudassem os terreiros no que pudessem”, diz Castro. Uma vez o incumbiu pessoalmente de levar Mãe Cleusa (herdeira de Mãe Menininha) a um evento na Nigéria.

O ex-prefeito lembra da Semana da Bahia em São Paulo realizada pela Bahiatursa em 1974, quando foram levados Riachão, Batatinha, Dorival Caymmi, Gilberto Gil,  Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia para se apresentar lá. Na ocasião, como governador, ACM não abriu mão da Irmandade da Boa Morte na comitiva. “Acertadamente, ele via no candomblé uma expressão que nos diferenciava do resto do Brasil, capaz de atrair os olhos do mundo para cá, como Jorge Amado fazia”, recorda.

Segundo Castro, a Boa Morte, “manifestação que ACM era apaixonado”, só perdia espaço no coração dele para a Lavagem do Bonfim. Ali, entre baianas e padres, filhos de santo e católicos, o político andava como embaixador da fé para dois mundos bem distintos e tão próximos.

Quatro instantes para uma história Imagens mostram ACM ao lado de Madre Tereza de Calcultá, na recepção ao papa João Paulo II, com Irmã Dulce e Mãe Menininha.(Foto: Acervo Pessoal)(Foto: Acervo Pessoal)(Foto: Acervo Pessoal)(Foto: CRISTOVAL M. RIBEIRO)