Embasa despeja esgoto sem tratamento no mar há dois anos, diz PF

O problema foi constatado durante uma investigação para averiguar o problema na estação de tratamento em 2016

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  • Thais Borges

Publicado em 15 de novembro de 2017 às 06:54

- Atualizado há um ano

. Crédito: Almiro Lopes/CORREIO

Talvez você se lembre da imagem de uma mancha escura no mar do Rio Vermelho, em março do ano passado. Na ocasião, um acidente com um ônibus provocou a interrupção de energia na Estação de Tratamento de Água do Lucaia e, em dois dias, a Embasa acabou despejando 756 milhões de litros de esgoto sem tratamento na praia. 

O odor pode não incomodar mais, mas o problema não deixou de existir. Segundo a Polícia Federal (PF), a Embasa vem lançando esgoto sem tratamento – ou bruto, como é o termo técnico – no mar há mais de dois anos. “A gente foi instaurar o inquérito para averiguar o que tinha acontecido naquela época, mas percebemos que o caso era mais grave”, afirmou o delegado Fernando Berbert, responsável pela Operação Águas Limpas, deflagrada nesta terça-feira (14), justamente para investigar se a empresa vem cometendo crime ambiental. 

Foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão – três em Salvador, na sede da Embasa, e outros dois no Rio de Janeiro e em São Paulo – para localizar documentos relativos à investigação. Os mandados, deferidos pela 17ª Vara Federal, foram solicitados depois que a PF requisitou os documentos e a Embasa negou. De acordo com o delegado, só no ano passado, foram dois pedidos negados. 

O quadro em março de 2016 indicava que, devido à falta de energia, o esgoto estava sendo despejado diretamente na praia do Rio Vermelho, sem passar pelo emissário submarino, que tem 2,35 quilômetros de extensão. O emissário, que é chamado também de Sistema de Disposição Oceânica (SDO), é quem leva o esgoto – já tratado – para dispersão em águas oceânicas, a 27 metros de profundidade. Antes disso, o esgoto passa justamente pela tal estação de tratamento de água.  Em 2016, o esgoto não foi bombeado pelo emissário marinho (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Só que, de acordo com a PF, desde outubro de 2015, esse esgoto não é tratado e continua assim. Dessa forma, tudo que tem caído no mar – mesmo que a mais de dois quilômetros de extensão da costa – é exatamente o esgoto doméstico. No caso do emissário do Rio Vermelho, mais especificamente de 60% da cidade. 

"A equipe da perícia mostrou que esse sistema estava inoperante meses antes de isso acontecer”, diz o delegado Berbert. Segundo a perícia da Polícia Federal, a bomba que deveria fazer a elevação do efluente, permitindo o escoamento do esgoto estava inoperante. Ou seja: com essa bomba sem funcionar, o esgoto não passa pelos processos obrigatórios de tratamento, como o gradeamento, peneiramento e caixa de areia. Considerando que o emissário bombeia 8,3 mil litros por segundo, de outubro de 2015 para cá, significa dizer que a o órgão de saneamento despejou mais de 330 bilhões de litros de esgoto no oceano. 

Bomba sem funcionar A tal bomba deveria ter passado por um reparo em 2015, mas, segundo a polícia, a Embasa entrou em disputa judicial com a empresa fornecedora do equipamento para definir de quem é a atribuição do conserto. Enquanto isso, o esgoto continuou sendo lançado pelo emissário marinho. Nesta terça-feira, mesmo dia em que a operação foi deflagrada, agentes da PF que estiveram na estação teriam encontrado uma equipe da Embasa fazendo a instalação de um novo aparato. 

“A Embasa teve a opção de não poluir. Deveria ter conversado e depois discutia com a empresa quem ia pagar, porque o serviço de esgoto é público e essencial. Era uma coisa de 2015 que a gente esperava que já tivesse sido consertada, mas, pelo jeito, não foi”, explicou o delegado.

Em nota ao CORREIO, a Embasa afirma que "o sistema de bombeio de efluente da ECP do Lucaia para o emissário submarino do Rio Vermelho está funcionando", mas as bombas de peneiramento estão operando parcialmente e que isso ocorre porque algumas bombas apresentaram defeito de fabricação. De acordo com a empresa, eles entraram com uma ação judicial contra a fornecedora, Haztec, e obtiveram uma liminar favorável. "Com isso [a ação judicial], terá o restabelecimento da operação do conjunto dessas bombas, que fazem parte de uma das etapas de processamento do sistema. É importante esclarecer que a estação do Lucaia, em seu conjunto, continua operando e lançando os efluentes em profundidade oceânica conforme projeto original".

Tratamento O esgoto que passa pelos emissários submarinos é o que tem o tratamento ‘preliminar’, segundo o professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Luiz Roberto Santos Moraes, que pesquisa saneamento. Esse tipo remove apenas as partículas sólidas, mas não retira a matéria orgânica. O esgoto sanitário é composto por 99% de líquido e 0,1% de material sólido. 

“Nas fezes, por exemplo, você tem líquido e solido, comparado a todas as outras águas que são usadas na casa da gente. Todas as chamadas ‘águas servidas’ juto com as águas ‘imundas’ formam o esgoto”. Para o professor, é preciso saber exatamente o que aconteceu para identificar o impacto no ambiente marinho. 

Ele explica que todo o sistema precisa estar funcionando de maneira adequada e que isso precisa ser fiscalizado periodicamente por órgãos ambientais. “É preciso avaliar constantemente se esse esgoto não está gerando um impacto negativo na fauna e na flora marinhas. Numa falta de energia elétrica, é preciso ter grupos de geradores para não acontecer nenhuma descontinuidade no funcionamento desse sistema”. 

Ao CORREIO, o delegado Fernando Berbert explicou, também, que é possível discutir a responsabilidade da Embasa também na situação de queda de energia, em 2016. “A gente entende que como todo sistema, a empresa tem que trabalhar com uma certa redundância, não pode trabalhar com uma só fonte”. 

Uma nova perícia foi realizada nesta terça-feira e deve indicar qual foi o prejuízo ambiental causado pelo não tratamento do esgoto nos últimos dois anos. A partir daí, a PF deve decidir sobre a responsabilização dos envolvidos. Tanto a empresa quanto seus diretores podem responder por crime ambiental. 

Fiscalização A Embasa despeja 10 m³ de lixo no mar por segundo. Para quem não sabe o que a grandeza significa, o número nem parece assustar. Mas quando fazemos uma simples conta de conversão matemática, vemos que o problema é muito maior: são 10.000 litros de lixo despejados por segundo na costa soteropolitana.

“Isso não afeta diretamente as orlas marítimas, porque o emissário é posicionado para que o lixo não chegue na costa. Mas no local em que o lixo é despejado, o impacto é maior. O tratamento primário, que eles deveriam fazer, remove sólidos grosseiros, como areia, absorvente, plásticos, entre outros. Se isso não for feito, vai para o emissário e, consequentemente, para o mar”, explicou o professor do Instituto de Biologia da Ufba, Eduardo Mendes.

O professor explica que a emissão de resíduos sólidos só afetaria a orla caso houvesse uma mudança na direção das correntes, que ocorre uma ou duas vezes no ano, quanto há uma entrada de um vento na direção leste, por exemplo. “É raro. Então não influencia tanto na orla”, disse.

Mendes ainda exemplifica a quantidade de lixo que é jogado no mar: 1 m³ é equivalente a um quadrado de 1 metro de largura e de altura. São 10 quadrados de lixo desta dimensão jogados no mar por segundo. O dia tem 86.400 segundos, o que significa dizer que são 864 milhões de litros de esgoto despejados diariamente através do emissário no mar.

O CORREIO entrou em contato com o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) para questionar sobre o papel do Instituto na fiscalização da emissão. O Inema afirmou que o órgão apenas monitora, não fiscaliza a emissão de poluentes no mar. A reportagem, então, questionou se a entidade não havia registrado um aumento de coliformes fecais, se o lançamento de esgoto poderia ter influenciado outras praias e qual raio essa emissão irregular pode afetar no oceano. O Inema não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.

A Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS), órgão do governo do estado, também foi procurada para saber de que forma é realizada a fiscalização da emissão pela Embasa, mas também não houve resposta até o fechamento da reportagem.

Colaborou Júlia Vigné