Empreendedores negros são maioria, mas faturam menos

Afroempreendedorismo é tema de bate-papo hoje no Shopping Salvador

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  • Da Redação

Publicado em 12 de novembro de 2018 às 08:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Equipe da Diáspora Black, site de aluguéis por temporada: empreendimento foi criado após caso de racismo - Foto: Arquivo CORREIO

Mais da metade dos empreendedores brasileiros são negros ou pardos: 51%, de acordo com o relatório Donos de Negócio no Brasil, feito pelo Sebrae com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2014). Em 2001, a porcentagem era de 43%. Só que o aumento dos números não se traduz em resultados qualitativos. 

O afroempreendedorismo é tema de um bate-papo que acontece nesta segunda-feira (12), às 18h, no Teatro Eva Herz na Livraria Saraiva, no Salvador Shopping, com entrada grátis. A conversa é parte da programação do Afro Fashion Day 2018, evento do CORREIO que celebra o mês da Consciência Negra, e acontecerá antes da grande final das seletivas de modelos não-agenciados para a passarela mais negra do país. A empresária Madá Negrif, da marca Negrif, também fará parte da mesa, que terá mediação da jornalista Midiã Noelle, do site A Lista Negra.

No faturamento das empresas, as únicas faixas em que negros e pardos são maioria são as duas mais baixas: a de quem não faturou nada (60%) e a dos que faturam até R$ 12 mil por ano (53,9%). Acima delas, brancos são maioria em todas. Na faixa mais alta apurada pela pesquisa, a de quem faturou entre R$ 60 e R$ 360 mil, a porcentagem de empresas de brancos foi o triplo (3%) da de negros (1%). As informações são do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2017, pesquisa do Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP) com apoio do Sebrae. Ainda de acordo com o GEM, só 25% dos negros e pardos empregam ao menos uma pessoa, contra 32% dos brancos que têm entre um e cinco empregados. 

"Empreender é sobrevivência para a população negra no Brasil desde a abolição da escravatura. Ao serem lançados à própria sorte, negros precisaram se reinventar. As heranças históricas se refletem até hoje, inclusive nos negócios", diz o baiano Antônio Pita, da Diáspora Black (diaspora.black), site de aluguéis de temporada (tipo o Airbnb), com enfoque na população negra e colunista do site A Lista Negra, onde escreve sobre empreendedorismo negro e negócios.

Para Ítala Herta, diretora de operações da Vale do Dendê, organização que incentiva o empreendedorismo na periferia e no Centro Histórico de Salvador, os motivos são iguais. "Desde a ‘falsa abolição’, o negro não empreende por opção: é por necessidade. Muitos começam pela sobrevivência", aponta ela. De acordo com a pesquisa do IBQP, em 2017, enquanto apenas 30% dos brancos empreendeu por necessidade, 46% dos negros o fizeram pelo mesmo motivo.

Afroempreendedorismo “O aumento do número de afroempreendedores pode ser considerado positivo se pensado na ampliação de negócios. Porém, o fato de serem microempreendedores mostra um lugar dentro da estrutura de sociedade”, afirma Renato Carneiro, designer e empresário paulista radicado em Salvador. Ele é sócio das lojas Katuka Africanidades e Mercado Negro Katuka, no Pelourinho, onde emprega oito pessoas e fatura cerca de R$ 1 milhão por ano. A primeira existe há 10 anos e é focada em moda, arte e livros. A segunda surgiu em 2017 e é especializada em artigos de religiões de matriz africana.   O designer Renato Carneiro (Katuka): convidado de bate-papo sobre afroempreendedorismo “É importante que estejamos próximos e façamos trocas. Trabalhamos com economia criativa, colaborativa, com produtos de valor agregado, relacionados à história de uma comunidade”, enfatiza Renato. 

Formação Para o economista Rogério Teixeira, 37, Gerente Regional em Salvador e Região Metropolitana do Sebrae, a representatividade da população negra é importante. “Ações como o Afro Fashion Day são fundamentais para o estímulo dos empreendedores negros e para oportunidades de negócios. Na nossa comunicação, procuramos dar abrangência à diversidade, para o afroempreendedor se sentir representado”. 

Medo e insegurança estão entre as questões que prejudicam os projetos da população negra, de acordo com a gestora de negócios Flávia Paixão, que é mentora e trabalha com capacitações. “Percebo uma baixa autoestima relacionada a situações vividas nas fases da infância e da adolescência que são trazidas para a vida profissional. Isso impede que grande parte dessas pessoas invista em capacitações”, conta ela, que mantém no Youtube o canal Empreenda com Paixão. 

“Sou negra e sinto que isso passa mais segurança para empreendedores negros. Eles falam isso”, revela Flávia, que considera o trio “autoestima, segurança e planejamento” mais importante do que dinheiro para um negócio bem-sucedido. Um exemplo, para ela, é Camila Reis, dona da marca Óleos da Mi (oleosdami.com.br), cuja loja fica em Nazaré. “Ela começou com R$200 e abriu um negócio que está prosperando”, conta Flávia, que cresceu no bairro de Saramandaia e fez mestrado em planejamento, implementação e gerenciamento de sistemas de qualidade integrados.   Camila Reis criou a própria marca de cosméticos de óleos naturais Sonhos possíveis A Óleos da Mi vende cosméticos naturais pelas lojas física e online. “Eu achava que ia ficar no meu bairro e não no país todo”, conta Camila, que tem 29 anos, mora em Cosme de Farias e fatura, anualmente, R$ 27 mil. A marca, criada em 2016, hoje tem no portfólio 23 óleos, 7 manteigas, 5 argilas e 4 extratos e foi uma das participantes da aceleradora Vale do Dendê. Este ano, 107 empresas se inscreveram para as 30 vagas da Vale. 

“A gente pode dizer que coisas mudaram, mas não estão do jeito que gostaríamos. Faltam investidores, linhas de crédito e reparação tributária”, avalia Ítala, uma das coordenadoras do escritório de negócios sociais, que engloba aceleradora, escola de empreendedorismo e consultoria com foco em diversidade. 

Outro caso de sucesso é a Afrobox, loja multimarcas de empreendedores negros que, após participar da aceleração, ganhou visibilidade e recebeu investimento internacional. O baiano Yan Ragede, 28, fundiu sua empresa com outra e se tornou sócio da Afropolitan Station, do Grupo Afropolitan, um marketing place para empreendedores negros. "O fundo Afro.Estate, grupo de investidores anjos (com sede em Guiné, na África), investiu entre R$ 50 mil e R$ 100 mil em seis startups: as três do Afropolitan, onde estou incluído, o Clube da Preta, o DIVR e a AWO", conta Yan.  O baiano Yan Ragede (Foto: Divulgação)  O também baiano Antônio Pita criou, com amigos, o Diáspora Black, site de aluguéis de temporada para a população negra. A ideia surgiu após Carlos Humberto, o CEO da empresa, cansar de sofrer racismo nas viagens. “A gente está na fase de atração, ampliando a cada mês as operações. A aceleração na Estação Hack, do Facebook, em São Paulo, fez a gente mais que dobrar. Saímos de cerca de 1.200 usuários ativos para 4 mil. Isso se refletiu nas vendas também, com um crescimento de 30%”, conta o jornalista.

AFD 2018 Realizado pelo Jornal Correio, com apoio do Salvador Shopping, Sebrae, Casa Salvador, Califórnia Media House, o Afro Fashion Day celebra o Mês da Consciência Negra. Este ano, o desfile coletivo terá 49 marcas e vai acontecer no dia 24 de novembro, sábado, às 19h, com entrada franca, no Museu du Ritmo (Comércio).

EMPREENDEDORISMO NEGRO

Afrolab -  Inciativa do Instituto Feira Preta que promove capacitações e atividades de apoio. Site: feirapreta.com.br

A Lista Negra -   Site que conta histórias de vida de empreendedores negros. Site: alistanegra.com.br 

Black Rocks -  Aceleradora de startups lideradas por pessoas negras. Site: blackrocks.com.br

Clube da Preta -  Primeiro clube de moda afro que reúne em um box produtos feitos por afroempreendedores da periferia. Site: clubedapreta.com

Hub Salvador -  Plataforma para conectar startups, investidores, aceleradoras e profissionais. Site: hubsalvador.com.br

Black Money - Movimento de desenvolvimento do ecossistema. Site: movimentoblackmoney.com.br

Rede Brasil - Afroempreendedor   Estimula a atividade empresarial afrobrasileira. Site: reafro.org

Vale do Dendê  - Holding social que fomenta ecossistemas de inovação e criatividade. Site: valedodende.org

 Afro.Estate - Fundo de investimento-anjo gerido pela Diasporah Holding. Site: afro.estate

5 PASSOS PARA EMPREENDER (Pela gestora de negócios Flávia Paixão, do canal @empreendercompaixao no Youtube)Perca o medo de empreender : Supere isso. Planeje-se e toque a ideia para a frente Identifique o que você gosta de fazer e acredite naquilo. Já é meio caminho andado Fique atento às oportunidades de serviços que ainda não foram criados para atender ao seu possível público-alvo  Observe  o que esse público diz: desde queixas às necessidades  Anote todas as questões e dúvidas, se organize e comece o negócio. Lembre-se: um passo de cada vez, mas sem perder o foco.