Empreendedores negros são maioria nos negócios com impacto social

Desafio é fazer com que iniciativas ganhem visibilidade e dêem retorno financeiro

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  • Da Redação

Publicado em 4 de novembro de 2019 às 06:20

- Atualizado há um ano

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Negros são maioria quando o assunto é empreendedorismo, mas quase nunca são lembrados como cases de sucesso e também têm dificuldade em reverter o impacto que promovem em lucro. Fora isso, a realidade se mostra ainda mais desafiadora para essa população, que costuma abrir o negócio por necessidade, impulsionada principalmente pelo desemprego e pela busca de uma fonte complementar de renda.

Mas outra motivação costuma ser preponderante entre os empresários negros: as causas sociais. "O povo preto tem uma ideologia muito forte, é algo a ser estudado. A gente realmente faz as coisas pelo que a gente acredita. Negócios sociais não é algo exclusivo de pessoas negras, mas os que promovem mudanças estruturais quase sempre são", afirma a empresária e digital influencer Ana Paula Xongani, que há nove anos lançou ao lado da mãe a Xongani, uma das principais grifes de moda negra do país, com coleções que vão desde vestidos e acessórios até moda praia, e forte atuação na internet. Desde 2016, o Afro Fashion Day celebra o mês da Consciência Negra movimentando marcas baianas e modelos negros de Salvador; o evento é uma realização do jornal CORREIO (Foto: Arisson Marinho/ Arquivo CORREIO) Apesar das crises recorrentes na economia brasileira, a mais recente iniciada em 2014, o mercado da moda negra segue em expansão no Brasil, inclusive com a realização de feiras e eventos como o Afro Fashion Day, que reúne cerca de 50 marcas negras e baianas, como Goya Lopes, Mônica Anjos, Negrif, Katuka e NBlack. 

“Ao levar a público as apostas de tantas marcas e criadores, o evento tornou-se um gerador de oportunidades, apresentando estes profissionais ao mercado consumidor e revelando os novos talentos que desfilam em sua passarela”, diz Luciana Gomes, gerente comercial do CORREIO.

Hoje com alcance em todo o país, Ana Paula Xongani começou a investir no ramo por oportunidade, ou seja, se qualificou melhor, estudou o mercado, formulou um plano de negócio e, por isso, viu sua marca alcançar melhores resultados. Para ela, o grande pulo do gato do negócio foi a comunicação.  A empresária Ana Paula Xongani investiu no negócio de forma planejada: "Nossa urgência, nossa pressa, não pode fazer com que abramos mão do planejamento.  Sei que nossas causas são maiores, mas se dinheiro for secundário, não vai durar muito tempo"  (Foto: Acervo Pessoal) "Se nós, negros somos 54% do Brasil todo, a gente entendeu que tinha de falar com o Brasil todo para encontrar pessoas que tivessem poder de consumo e que estivessem alinhadas com nosso propósito, de vestir sua história. Para isso, investimos fortemente no mercado digital. Somos uma das primeiras lojas virtuais de produtos artesanais negros, e sempre prezamos pela qualidade do atendimento, por coisas simples, que demandam estrutura: desde responder rapidamente às mensagens do Whatsapp, por exemplo, até controlar a entrega para não haver extravios e outros contratempos do tipo", explica.

De cada 100 brasileiros negros adultos, 40 são empreendedores - a maior parte se concentra justamente no setor de prestação de serviços domésticos e pessoais, os quais incluem negócios que atendem as necessidades básicas da população, como vestuário. "Vestir é coisa de primeira necessidade, mas escolher o que vestir não", destaca Xongani, ao falar sobre os desafios enfrentados para quem investe em uma grife e em produtos exclusivos, como é o caso dela.  Publicitário e empreendedor,  o baiano Paulo Rogério Nunes acaba de lançar o livro Oportunidades Invisíveis, em que apresenta empresas brasileiras que apostaram na inovação e na diversidade para gerar riqueza. "É um chamado para a sociedade brasileira", diz sobre a publicação (Foto: Divulgação) A Xongani é uma das dez empresas cuja história é lembrada pelo publicitário e empreendedor baiano Paulo Rogério Nunes no livro Oportunidades Invisíveis, lançado esta semana em Salvador. Nele, Paulo Rogério destaca negócios nas áreas de mídia, turismo, tecnologia, moda e beleza que têm a diversidade e a inovação como grandes atrativos para gerar riqueza.

"Lembro da história de um empresário que sempre era chamado para falar desse assunto, mas que quando olhou para o aplicativo do banco no celular durante uma palestra viu que a conta estava zerada. Então, é preciso levantar o tema social, gerar mudanças nessa área, mas não esquecer da rentabilidade e da sustentabilidade do negócio", alerta Paulo Rogério. Outro gargalo é como o poder público, os grandes investidores, as grandes instituições financeiras podem impulsionar essas iniciativas. "O livro é quase um alerta, um 'olha para cá, tem gente fazendo coisa do zero e ninguém está dando apoio'", resume.

Além da Xongani, Paulo Rogério conta as histórias da Makeda Cosméticos, do Da Minha Cor e do Laboratório Fanstasma - selo fonogáfico dos músicos e irmãos Emicida e Fióti, que  também é grife e já desfilou na São Paulo Fashion Week.  "O setor da beleza é muito importante no Brasil,e continua a crescer mesmo com a crise. Apesar de, historicamente, a comunidade afro não ter produtos pensados para seu tipo de cabelo ou pele, ela sempre consumiu esses serviços", comenta Paulo Rogério. 

Não é por acaso, que esse é o setor onde mais se movimento o black money, dinheiro fruto de uma posição política segundo a qual pessoas negras e não negras partidárias da inclusão racial devem priorizar em suas compras marcas que se afirmam como negras. Espaço Colabore, no Parque da Cidade, abriga cinco contêineres do SebraeLab, que visa fomentar a geração de novos modelos de negócio com capacidade de desenvolver ideias inovadoras de impacto social (Foto: Evandro Veiga/ Arquivo CORREIO) Gestor do projeto Startup Bahia do Sebrae, José Soares não vê diferença no que se refere ao planejamento entre microempreendedores negros e brancos. "Em Salvador, atendemos mais a empreendedores negros - até por uma característica de nossa cidade -, mas todo mundo começa de forma bem desorganizada. Nisso, não vejo diferença. Agora, muitos negócios liderados por negros já nascem com esse propósito de mudar uma realidade. Eu fico desconfortável quando fala desse recorte social, mas isso é um fato. Na área da tecnologia, há uma discrepância numérica grande entre as iniciativas capitaneadas por homens brancos e as capitaneadas por mulheres e negros, e essas já nascem do desejo deles de mudar essa realidade social", diferencia Soares.

Ele dirige o SebraeLab, um laboratório para gestão e conexão dos setores criativos que funciona no Espaço Colabore, no Parque da Cidade. A iniciativa visa fomentar a geração de novos modelos de negócio com capacidade de desenvolver ideias inovadoras de impacto social.

No Colabore também funciona a IN PACTO, uma incubadora de negócios sociais, que desde sua criação oferece suporte técnico, operacional, gerencial e estratégico para iniciativas que atendam a pelo menos um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, e que estejam alinhadas com o conceito de impacto de negócio social positivo. A IN PACTO é uma parceria entre a Secretaria de Cidade Sustentável, Inovação e Resiliência (Secis) e o Parque Social, uma Organização da Sociedade Civil que funciona no Parque da Cidade e é responsável pela cogestão da incubadora.

Ainda essa semana, serão divulgados os 18 projetos aprovados para a Pré-Incubação e para a Incubação. A primeira é voltada para ideias, projetos ou negócios em fase inicial de desenvolvimento, inovadores e de impacto social positivo, formal ou informal. "Essa modalidade terá a duração de 6 meses, e durante esse período ocorrerá consultorias, capacitações, mentorias e assessoria de cada um dos projetos", explica a Presidente de honra do Parque Social, Rosário Magalhães. "Já a Incubação dura mais tempo, 12 meses, e é voltada para negócios já formalizados, em início de operação, inovadores e de impacto social positivo", complementa.

De acordo com ela, muitas ideias estão ligadas às áreas ambiental, de educação e de sustentabilidade. "Há uma diversidade de propostas, algumas mais amadurecidas, outras menos, mas todas muito interessantes. Foram aprovadas por uma banca que avaliou, dentre outros fatores, o perfil empreendedor, o potencial de impacto, a consistência do time proponente e a capacidade de atrair investidores parceiros", elenca."Somos reféns de um padrão mental de empreendedorismo que liga diretamente à ideia da startup paulista, liderada por um homem, não negro, que consegue movimentar milhões a partir de uma ideia genial. Há um movimento crescente de inictivas empreendedoras que estão trabalhando para mudar a narrrativa sobre o empreendedorismo no Brasil, gente que vem da periferia, das minorias, que cria uma solução a partir de um preconceito que ela sofre" - Paulo Rogério NunesNascida e criada em Salvador, no Nordeste de Amaralina, Monique Evelle é idealizadora de diferentes negócios sociais da comunicação, educação e empreendedorismo sustentável, como o Desabafo Social, criado por ela aos 16 anos. Reconhecida pela Revista Forbes como uma das personalidades com menos de 30 anos que estão fazendo a diferença - hoje ela está com 25 -, Monique se considera uma ativista social, mas não nega que quer sua parte em dinheiro. “Preto e dinheiro não são coisas rivais [...] Não preciso escolher, posso fazer os dois”, diz.

Muito do aprendizado que construiu nesses quase dez anos deu origem ao livro Empreendedorismo Feminino: Olhar Estratégico Sem Romantismo, que ela lança neste sábado (9), no Espaço Cultural da Barroquinha, durante a Virada Sustentável.  Além do lançamento do livro, Monique  participa na sexta (8), às 17h, do lançamento da primeira plataforma online de atendimento psicológico coordenada, exclusivamente, por profissionais negros e LGBTQI+ e destinada, majoritariamente, a negros e LGBTQI+ e com preços populares. Um projeto da Redes Vivas, iniciativa soteropolitana criada em 2016, dentro do Desabafo Social, pelo psicólogo Gabriel Leal. Monique Evelle lança seu primeiro livro, Empreendedorismo Feminino: Olhar Estratégico Sem Romantismo, durante Virada Sustentável Salvador (Foto: Evandro Veiga/ Arquivo CORREIO) Primeiro, eles fizeram um mapeamento dos profissionais, depois criaram uma clínica social cuja demanda é altíssima, e só então começaram a pensar no que poderia ser feito em larga escala. "Precisamos valorizar os profissionais de saúde, não pode ter só uma ponta ganhando. Então, a gente decidiu criar uma plataforma online. Com a liberação recente do Conselho  de Psicologia, isso tomou forma", lembra Monique, que se preocupou ainda com a segurança dos dados e facilidade de acesso adotando uma rede segura com criptografia. Os atendimentos são feitos por profissionais negros e LGBT, e voltado para todos os públicos. "É bom que tenham outros públicos procurando, mesmo que saibamos que a demanda maior vai ser de pessoas que tenham a mesma vivência", comenta."É um momento rico, apesar dos problemas conjunturais, em que vemos várias alternativas para gerar renda e ajudar a melhorar a sociedade" - Paulo Rogério NunesO Afro Fashion Day 2019 é uma realização do jornal CORREIO com apoio do Salvador Shopping.