Empresas de ônibus já receberam mais de mil autuações em 2018

Entre as principais infrações estão os atrasos ou descumprimento de horários e más condições de higiene

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 19 de outubro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

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As 69 empresas de ônibus intermunicipal que transportam passageiros por 1.150 linhas regulares da Bahia receberam de janeiro a setembro deste ano 1.011 autos de infração, por irregularidades diversas, como serviços ineficientes e práticas abusivas. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (18) pela Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba), responsável pela fiscalização dos serviços prestados pelas empresas.

As informações deste ano apontam que houve aumento no número de autuações, em comparação ao mesmo período de 2017, quando a Agerba registrou 708 infrações. Em 2017, foram ao todo 1.220 autuações, 1.188 em 2016 e 1.561 em 2015.

De acordo com a Agerba, entre as principais infrações cometidas este ano estão os atrasos (de mais de 15 minutos) ou descumprimento de horários (deixam de colocar veículos para fazer o transporte) e ônibus que rodam com o documento de licenciamento atrasado, além de estarem em más condições de higiene.

O CORREIO buscou informações sobre autuações a empresas de ônibus interestaduais que fazem linhas na Bahia, junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável por fiscalizar este serviço, mas foi informado apenas a quantidade de linhas (603) e de empresas (46). Também consultado pela reportagem sobre o assunto, o Ministério Público Federal (MPF), responsável por atuar em defesa do usuário desse tipo de transporte, informou que não poderia fazer buscas referentes ao tema devido a problemas no sistema.

Com relação ao transporte intermunicipal, a situação levou nos últimos três meses o Ministério Público da Bahia (MP-BA) a ingressar na Justiça – baseada nas autuações da Agerba – com ações civis públicas contra as empresas Novo Horizonte e Camurujipe.

A Novo Horizonte foi acionada em 9 de julho e a Camurujipe na segunda-feira (15). Em comunicado ao CORREIO, as empresas defenderam os serviços que realizam e informaram que ainda não foram notificadas das ações do MP-BA. De acordo com o Departamento Jurídico da Camurujipe, a empresa realiza na Bahia 4.800 viagens por mês, transportando 220 mil passageiros em 1,4 milhão de quilômetros. A Novo Horizonte não deu detalhes sobre sua atuação.

No caso da Novo Horizonte, a promotora responsável pelas ações, Joseane Suzart, da 5ª Promotoria de Justiça do Consumidor de Salvador, informou que há 505 queixas feitas por usuários à Justiça contra a empresa até agosto de 2017.

Para a promotora, a empresa presta “serviço precário, inadequado e inseguro, em afronta ao Código de Defesa do Consumidor” porque “disponibiliza aos usuários ônibus em condições precárias de higiene e segurança, que apresentam problemas mecânicos, não cumprem os itinerários, possuem horários imprevisíveis de saída e chegada e que frequentemente atrasam”.

Viagem tensa Das infrações ocorridas a partir de 2012, o pastor evangélico Tiago Cabral, 34 anos, diz ter presenciado muitas até o ano de 2016, período em que viajou por cidades do Sudoeste e Oeste da Bahia, realizando palestras em igrejas e eventos para jovens.

O pastor, que morava em Vitória da Conquista e desde o ano passado está em São Paulo, guarda de boas lembranças dessas viagens apenas as amizades e a experiência adquirida ao falar em público, sobretudo as realizadas em ônibus da empresa Novo Horizonte. É uma experiência que ele não deseja repetir.

“Uma das máximas que prego é não desejar para o próximo aquilo que você não quer para si mesmo, e nesse sentido essas viagens pela Novo Horizonte, de tão ruins que foram, se encaixam muito bem”, ele disse.

Em comum entre essas viagens, os ônibus em mau estado de conservação, o que gerava trocas de veículos e atrasos recorrentes, e a falta de locais para se alimentar de forma satisfatória durante as paradas obrigatórias. A pior delas ocorreu em novembro de 2016, quando o pastor iria fazer palestra em Barreiras, a 685 km de Vitória da Conquista. O problema começou ainda na rodoviária, de onde o ônibus saiu direto para a garagem da empresa para ser trocado.

Em Brumado (ainda no Sudoeste), a empresa substituiu novamente o ônibus já trocado por outro com vidros que não poderiam ser abertos, pois tinha sistema de ar-condicionado. O problema era que o equipamento estava quebrado.“Resultado: viajamos todo o Sertão da Bahia, em horário de dia, no calor. Fizemos quase 20 horas de viagem, era pra fazer 14 horas, foi uma situação muito tensa. O horário da minha palestra teve de ser alterado duas vezes”, relatou Cabral.No fim da história, acrescenta o pastor, ele ainda teve de ser buscado de carro em Ibotirama (227 km de Barreiras), para chegar a tempo na palestra. “De 2012 a 2016, esses problemas ocorreram, mesmo com as reclamações feitas”, afirmou.

Prática abusiva A situação da Camurujipe não é muito diferente. Segundo o MP-BA, a empresa “presta serviço de transporte ineficiente, realizando diversas práticas abusivas e violadoras dos direitos dos usuários, apresentando uma execução plenamente inadequada”.

Nas ações contra a Novo Horizonte e a Camurujipe, a promotora Joseane Suzart pede que as empresas retirem de circulação ônibus reprovados em vistorias ou com vistorias vencidas e que coloque no lugar veículos com equipamentos de segurança, como extintor de incêndio, e o número de inscrição na Agerba em lugar visível ao usuário.

Em específico para a Camurujipe, o MP-BA pede que “os consumidores prejudicados pelas práticas abusivas sejam indenizados em razão dos danos morais e materiais sofridos.”

“Práticas abusivas” a Camurujipe supostamente realiza ao “monopolizar linhas do transporte intermunicipal”, na opinião do usuário do serviço Daniel Lucas Santos Dias, um zootecnista de 34 anos que mora em Itapetinga, no Sudoeste do Estado.

Natural de Jequié, ele até elogia o serviço prestado pela empresa em alguns aspectos, como “ter cinto de segurança nos ônibus, conservação dos mesmos e atendimento dos funcionários, tanto no guichê quanto nos veículos”.

“O grande problema é o monopólio das linhas e aumento do custo de passagem. Há dois anos eu pagava R$ 53 entre Salvador e Jequié, hoje não consigo viajar por menos de R$ 80, entendo que esse monopólio fez com que o custo ficasse elevado”, disse.

Ele tem queixas também contra a Novo Horizonte, que usa às vezes para se locomover entre Itapetinga e Vitória da Conquista. “São carros com poltronas quebradas, cintos de segurança não funcionam, os banheiros são sujos”, falou.

Banho de chuva Natural de Bom Jesus da Lapa e atualmente morando em Xique-Xique, a jornalista Gisele Rocha, de 32 anos, conta que também passa por situações desagradáveis com a Novo Horizonte, devido ao serviço que a empresa presta. “Os ônibus são péssimos, a viagem não tem hora para começar, pois os ônibus estão sempre atrasados, não dá para marcar um compromisso com horário certo. Além disso, a empresa escolhe os piores lugares para parada”, declarou.

“Parece que a Novo Horizonte faz questão de oferecer uma viagem terrível ao seu cliente. Os restaurantes são sujos, com serviço péssimo. Sempre quando tem outra opção de empresa, eu prefiro.”

Antes de acionar a Novo Horizonte, o MP-BA diz que chegou a propor em janeiro deste ano um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas a empresa não respondeu sobre a proposta.

Numa viagem de Vitória da Conquista para o Rio de Janeiro, pela Novo Horizonte, em dezembro de 2015, a secretária Idaiá Bispo Miranda, 34, até chuva tomou.“Quando passamos por Minas Gerais, estava chovendo muito e tinha gotejamento no teto do ônibus, parecia que eu estava num telhado descoberto”, lembra.“Foi uma experiência terrível. Novo Horizonte, nunca mais. Não consegui nem ficar na poltrona, e detalhe: não tinha outra para eu ocupar, pois o ônibus estava lotado”, ela disse.

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Novo Horizonte e Camurujipe defendem serviços prestados Em nota ao CORREIO, a Novo Horizonte declarou que “externa profundo respeito pela atuação do Ministério Público na defesa dos direitos coletivos, mas discorda veementemente das acusações infundadas sobre má prestação de serviço”.

“Assim que formos intimados, demonstraremos que a Novo Horizonte é uma das transportadoras mais importantes do Brasil”, afirma o comunicado.

A empresa, presente em 13 estados e mais de 100 municípios, diz que atua com “respeito aos princípios da legalidade, eficiência, modicidade tarifária, continuidade e essencialidade dos serviços públicos”.

Informa que em 2017 foram adquiridos 55 ônibus, que se somam à frota de mais de 600 veículos, e diz que queixas à empresa podem ser feitas pela ouvidoria, nos telefones 0800 888 0809 e 0800 880 0144 (para deficientes auditivos).

Em sua defesa, a Camurujipe declarou, também por meio de nota, que “quase a totalidade das defesas e recursos interpostos pela Camurujipe são julgados procedentes, com consequente cancelamento da autuação”, junto à Agerba. “Essa circunstância, de suma importância, entretanto, não foi levada em conta pelo MP-BA”, afirma a nota.

Sobre as vistorias, a empresa declarou que “é ainda submetida a revisões periódicas preventivas de acordo com as orientações dos fabricantes”.

Além disso, diz que “passa por regular procedimento de limpeza e higienização, garantindo sua circulação em condições de segurança e conforto”.

A Camurujipe informou que em 2017 comprou 20 veículos novos e que “está prestes a implementar horário com veículo LD [com um andar], de última geração, pensando na qualidade do serviço e na segurança e conforto do usuário”. Afirma a empresa que “o número de reclamações de usuários gira em torno de 0,0001% da quantidade de usuários transportados, o que demonstra a qualidade satisfatória dos serviços”.