Energia que dá em árvore

Bahia começa a produzir biomassa concentrada, novo produto da indústria de florestas plantadas

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  • Georgina Maynart

Publicado em 25 de novembro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Muita gente pode desconhecer o significado do nome. Mas os pellets tendem a se tornar cada vez mais usados no mundo. E certamente, em um futuro não muito distante, vão fazer parte da rotina de milhares de pessoas, mesmo que indiretamente. É o que já está acontecendo em muitas partes do planeta.

Os pellets são pequenos pedaços de madeira condensada, produzidos a partir do corte da madeira de eucalipto. Estes resíduos de matéria orgânica vegetal formam uma espécie de biomassa concentrada. Quando queimada, através de um sistema chamado de co-geração, ela é capaz de produzir energia.

“É uma grande tendência maximizar o aproveitamento dos recursos naturais. De um pedaço de madeira, se retira uma parte para fazer tábua ou uma viga. O que sobra, o resíduo, pode ser transformado em pellets, em energia limpa”, diz o arquiteto Sandro Fábio César, coordenador do Laboratório de Madeiras da Universidade Politécnica, ligada à Universidade Federal da Bahia.

O sistema em si não é novidade. O processo é velho conhecido do homem. Desde que a humanidade descobriu o fogo, vários tipos de madeiras vêm sendo usadas como lenha para aquecer fornos, movimentar máquinas ou ativar caldeiras. A grande diferença dos pellets é que, ao contrário dos combustíveis fósseis e da madeira retirada de florestas nativas, eles podem ser gerados a partir de florestas plantadas para este fim, as chamadas florestas renováveis ou artificiais.

Ao contrário da madeira comum, os pellets são leves e exigem menos logística de transporte. O material apresenta ainda uma outra vantagem: não produz fumaça e vem sendo usado para aquecimento térmico nos EUA e na Europa.

“Os pellets formam uma biomassa concentrada que tem a mesma capacidade energética da madeira comum, mas pesa seis vezes menos. Eles já são usados em várias regiões frias para aquecer as casas. No sistema adequado, geram energia elétrica. É uma matriz energética muito competitiva”, explica Wilson Andrade, Diretor da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal. Os pellets formam uma biomassa concentrada e rendem 6 vezes mais que uma tora de madeira (foto: Divulgação/Ibá)

Calor

Em formato de pequenos cilindros, estes extratos de madeira produzem calor igual a seis vezes o peso de uma tora original. A nova tecnologia não está muito distante. Os pellets já vêm sendo produzidos por uma empresa instalada recentemente no município de São Sebastião do Passé. A produção está sendo exportada.

Uma outra empresa química da Região Metropolitana de Salvador vem fabricando a energia compactada e usando para mover equipamentos dentro da própria indústria.

E para quem pensa que o eucalipto é uma cultura que pode prejudicar a saúde do solo, os especialistas adiantam: “O que prejudica o solo é a monocultura. O uso de um só cultivo empobrece o solo e torna ele improdutivo. Neste caso, tanto pode ser eucalipto, quanto milho, ou qualquer outra planta. Se o produtor rural escolher a variedade certa de floresta, fizer o manejo consorciado adequado, e usar a tecnologia certa, não tem como impactar o meio ambiente e esgotar o solo. As florestas plantadas são o futuro, e vão ficar cada vez mais forte no Brasil”, analisa Fábio César.

Proteção para florestas nativas

O pallet é apenas um dos produtos gerados pela silvicultura moderna, a atividade que planta florestas para fins comerciais e sustentáveis e que tem se mostrado como um vetor de crescimento para o agronegócio baiano.

A silvicultura vem se expandido em todo o mundo e tem influenciado, de forma positiva, a redução do extrativismo da madeira nativa, diminuindo a pressão sobre as florestais remanescentes. Tanto que vários estudos indicam que a extração de madeira para lenha vem sendo, gradativamente, substituída pela produção de áreas florestais renováveis ou plantadas.

Segundo dados do IBGE, a extração vegetal na Bahia caiu 61,6% entre 2016 e 2017. Já os dados da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (ABAF) indicam que o plantio de florestas cresce 1,2% ao ano no estado. Só a área de eucalipto teria aumentado 11,3% entre 2007 e 2016.

Ainda segundo o IBGE, a Bahia ocupa a sétima posição em área total dedicada à silvicultura, respondendo a 8,5% de participação nacional. Cerca de 700 mil hectares plantados no estado. As plantações de eucalipto correspondem a cerca de 99,8% do total, com a maior parte da produção sendo direcionada para as indústrias de celulose e papel.

Outras árvores também vêm ganhando espaço, entre elas o pinus e a seringueira. As seringas já ocupam mais de 32 mil hectares no estado e tem a produção voltada para extração do látex. O plantio das seringueiras é pulverizado, mas se concentra principalmente na região Sudoeste e no Extremo Sul da Bahia, com destaque para o município de Igrapiúna.

Especialistas afirmam que a Bahia tem condições climáticas favoráveis para a expansão do segmento. A média anual de produtividade por hectare na Bahia alcança 42 metros cúbicos, enquanto a média nacional não ultrapassa 35 metros cúbicos. A produtividade alcançada aqui é quase o dobro da registrada por outros países produtores, onde a média não passa de 24 metros cúbicos.

Potencial

No total 636 empresas de base florestal atuam hoje na Bahia. Elas representam 7% das empresas do estado. A maior parte, cerca de 51,5% é de empresas que produzem móveis de madeira. Cerca de 34% são indústrias madeireiras que produzem caixaria e produtos de madeira tratada. As empresas de celulose e papel correspondem a 13,8% do total. Já as empresas de silvicultura representam 0,3%.

O segmento apresenta um grande potencial de ampliação, já que estas empresas ainda compram madeira de uso múltiplo, para construção, em outros estados, 85% da matéria prima que utilizam na produção.

“Ainda compramos muita madeira de outros estados. Se nos organizarmos, juntos, produtores rurais, empresas e governo, nós teremos condições de atender esta demanda. Além disso, a rentabilidade da silvicultura é bem maior do que a pecuária, o cultivo de café ou até mesmo o plantio de frutas”, avalia Andrade, da Abaf. O setor de florestas plantadas tem grande potencial de crescimento na Bahia, onde a produtividade é maior que na média nacional (foto: Divulgação/ Abaf)

No segmento de madeira de tora, 86% são direcionadas para produção de celulose e papel, 11% para energia e 3% para serraria e laminação. No total, em 2016 foram produzidas quase 16 milhões de metros cúbicos de madeira em tora no estado.

Dados da Abimóvel (Associação Brasileira das Indústrias de Mobiliário ) mostram que a produção total de móveis de madeira na Bahia alcançou 8,7 milhões de peças em 2016, o equivalente a 2% da produção nacional.

Com uma participação cada vez mais importante na economia do estado, o Produto Interno Bruto do setor florestal da Bahia chegou a R$ 9,3 bilhões em 2016, quando foi feito o último levantamento. O volume corresponde a 4% do PIB estadual. No mesmo ano, os produtos da base florestal atingiram R$ 1,28 bilhões em exportações. Este montante corresponde a 18,8% do volume das exportações estaduais, quase o triplo do volume de automóveis, e mais que o dobro do valor gerado pelas exportações de grãos, sementes e frutas.

Idade influencia

Originária da Austrália, o eucalipto teve o plantio intensificado no Brasil no início do século. Nos anos 20, as siderúrgicas começaram a usar a madeira para transformar em carvão vegetal e utilizar na fabricação de ferro.

A idade da árvore define a destinação final e serve para mercados diferentes. Madeiras com idade entre 3 e 4 anos são usadas para geração de energia, e fabricação de pellets, em serrarias ou para aquecer fornos de estabelecimentos comerciais, como pizzarias.

Madeiras entre 6 e 7 anos servem para fabricação de celulose e papel. Já as madeiras com idade entre 8 e 10 anos são enviadas para serrarias.

Fair trade

O setor de cultivos florestais vem se engajando cada vez mais no chamado fair trade, ou comércio justo, que valoriza a aplicação de sistemas produtivos social e ambientalmente corretos. É uma demanda dos compradores internacionais, que exigem selos de sustentabilidade além da implantação de ações socialmente justas e preservacionistas no entorno das áreas plantadas. Para cada um hectare cultivado, o setor tem reservado 0,7 hectare de mata nativa, percentual além do que determina a legislação ambiental.

Foi assim que, este ano, a empresa BSC/Copener viu a Reserva Particular do Patrimônio Natural Lontra, localizada no Área de Proteção Ambiental do Litoral Norte, ser reconhecida como Posto Avançado da Reserva de Biosfera da Mata Atlântica pelo Conselho Nacional (RBMA).

O Conselho levou em consideração que a área desenvolve funções básicas de proteção da biodiversidade, do desenvolvimento sustentável, além de conhecimento científico e tradicional sobre a mata.

A Lontra fica numa área entre os municípios de Entre Rios e Itanagra, possui mais de 1.300 hectares, e abriga centenas de espécies de animais e plantas, consideradas ameaçadas de extinção. 

“Dos 150 mil hectares total que temos, 61 mil hectares são de área preservada. A Lontra está incluída nesta parte. A legislação estabelece que 20% da área de reserva deve ser preservada, mas nós mantemos 40%, o dobro do que a lei determina. Mantemos o monitoramento constante da fauna e da flora para preservar, inclusive, várias espécies ameaçadas de extinção”, diz Sabrina de Branco, gerente de relacionamento institucional e sustentabilidade da BSC/Copener.

Segundo os especialistas, o plantio de árvores também contribui para o sequestro de gás carbônico da atmosfera e contribui para redução das emissões de gases do efeito estufa.

Outros produtos

Quando se menciona a utilidade dos produtos derivados fornecidos pelas empresas de base florestal, é fácil lembrar de itens como papéis, lápis, pisos laminados, cadernos e embalagens, produtos feitos a partir da fibra do eucalipto. Mas a matéria prima que sai das florestas plantadas também produz outra gama enorme de produtos, que inclui desde esmaltes, ração para cães, sabão, filtros de purificação, roupas, desinfetantes, cosméticos, fraldas, embalagens e tecidos.

Das folhas do eucalipto se extraem óleos essenciais que podem ser usados em produtos de limpeza e em cosméticos, remédios e perfumes. Já a casca pode ser utilizada para produzir tanino, usado no curtimento de couro. De acordo com a Industria Brasileira de Árvores (IBÁ), as florestas plantadas representaram 6,2% do PIB industrial nacional em 2017. Elas geraram uma receita bruta que superou os R$ 71 bilhões.

Expansão

Tradicionais e já consolidadas em muitas áreas do estado, como no Extremo Sul e no Litoral Norte, as florestas plantadas vêm se expandindo por outras áreas da Bahia. Na Chapada Diamantina, principalmente nos arredores dos municípios de Maracás, Planaltino e Lençóis, os plantios florestais já ocupam cerca de 10 mil hectares.

Já no Oeste do estado, em pleno cerrado, as plantações de eucalipto se espalham por mais de 40 mil hectares, segundo dados da ABAF. As maiores concentrações estão nos municípios de São Desidério, Barreiras, Luís Eduardo, Correntina e Jaborandi.

A atividade vem atraindo proprietários rurais que pretendem implantar o sistema de produção integrado entre Lavoura, Pecuária e Floresta, o chamado IPLF, uma tendência mundial. Segundo os especialistas, a integração entre as culturas permite criar gado, manejar a floresta e produzir grãos no mesmo espaço. Um sistema de produção sustentável que aproveita melhor o solo e gera mais emprego e renda no campo, otimizando os negócios rurais.

“Sabemos que para fazer a integração é necessário manejo adequado, assistência técnica e o uso de variedades resistentes. Aqui na região Oeste da Bahia esta interação ainda está começando, mas consideramos o sistema IPLF recomendável principalmente para recuperar áreas degradadas. Lembrando que a silvicultura também pode ser uma excelente alternativa para dar sombreamento para áreas de pastagens do gado”, destaca Alessandra Chaves, bióloga e Diretora de Meio Ambiente da Associação de Irrigantes do Oeste da Bahia.

Nos últimos dois anos foram firmados pelo menos 410 contratos de fomento florestal com pequenos produtores da Bahia. Eles já atendem cerca de 30% do volume de madeira consumida pelas indústrias do setor.

Encontro nacional em Salvador

Esta semana, representantes do setor florestal e de órgãos governamentais da Bahia e do Brasil vão se reunir em Salvador para participar da Reunião Conjunta das Câmaras Setoriais de Florestas Plantadas (CSFP) e da Reunião das Câmaras Setoriais de Fibras Naturais.

Os dois encontros vão ser realizados na sede da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB). O evento marcará o lançamento local do Plano Nacional de Florestas Plantadas realizado pelo Ministério da Agricultura.

O evento faz parte de uma série de atividades promovida pela Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (ABAF) e integra as ações realizadas durante a semana da Feira Internacional da Agropecuária (Fenagro).

No estande da feira, a ABAF divulgará o Programa Ambiente Florestal Sustentável, que inclui informações sobre vários temas, como regulamentação ambiental, código florestal e programa fitossanitário de controle de pragas.

A Câmara é um importante fórum de discussões entre os diversos elos das cadeias produtivas, reunindo entidades representativas de produtores, empresários, instituições bancárias, representante de órgãos públicos como Embrapa, Conab, e Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, além de dirigentes governamentais.

“Nos encontros são discutidas questões que interferem no desenvolvimento do setor produtivo e afetar a renda do produtor rural, no sentido de indicar e apontar soluções, desde a produção até a comercialização”, explicou Wilson Andrade, diretor executivo da ABAF.