Engenho D'Água é tombado pelo Ipac

Fazenda ligada ao ciclo da cana de açúcar teve a casa grande erguida em 1610; capela, do século XVIII, tem planta octogonal rara

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  • Georgina Maynart

Publicado em 7 de junho de 2018 às 18:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (foto: Roberto Abreu / Divulgação)

Pela primeira vez na Bahia, uma fazenda foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) levando em consideração não apenas o acervo arquitetônico, mas também o patrimônio turístico, econômico e a paisagem cultural onde está a propriedade. Se trata da Fazenda Engenho D´Água, em São Francisco do Conde. Além de possuir um conjunto arquitetônico considerado exemplar no Recôncavo Baiano, a fazenda se destaca pelas ações de preservação cultural e sustentabilidade econômica e turística na região. O tombamento aconteceu na terça-feira (5/6) e deve preceder a outros, ampliando o número de imóveis protegidos para preservar a memória cultural e histórica do campo baiano.

A parte arquitetônica da Fazenda Engenho D´Água inclui duas obras erguidas nos séculos XVII e XVIII. Estão sendo tombadas a casa grande, erguida em 1610, e a capela em estilo renascentista datada de 1729. Na igreja, que estava totalmente destruída, foram recuperados o teto, os sinos, o gradil, o ossuário e os alpendres com 8 lados iguais. A imagem sacra do padroeiro Bom Jesus das Bolsas também foi restaurada. Na casa grande o destaque é o salão nobre, os antigos arcos de madeira e a decoração em estilo clássico.

O nome Engenho D´Água vem das fontes que brotam na fazenda, todas preservadas. Além disso, a propriedade respeita a legislação trabalhista e conseguiu implantar projetos sociais que permitem a sustentabilidade econômica do negócio. Através de uma parceria com a Federação de Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia  (FAEB) e com secretarias municipais costuma ceder o espaço para que estudantes possam ter aulas práticas de campo.

História

Encrustada no Monte Recôncavo, a propriedade guarda parte da história do Brasil. Os antigos donos, integrantes da família de Joaquim Inácio Bulcão, o Barão de São Francisco, tiveram participação importante na luta pela independência do Brasil de Portugal no século XIX. A casa grande chegou a funcionar como hospital para abrigar os feridos na batalha do 2 de julho.

De lá para cá, a propriedade teve vários donos, até ser adquirida em 2002 por Mário Ribeiro, que encontrou o imóvel em ruínas. Para o produtor rural, o tombamento é uma espécie de reconhecimento pelo trabalho de recuperação realizado durante mais de uma década, que afirma:“O tombamento é motivo de muita felicidade, porque isso fortalece tanto o lado turístico como o de preservação. Nós queremos que isso se prolongue pelas próximas gerações. Que os futuros proprietários tenham responsabilidade em continuar preservando”.Ribeiro, que passou os últimos 15 anos reerguendo as instalações da fazenda, não revela quanto gastou na reconstrução, mas destaca que era um sonho antigo ver tudo de pé novamente: “É um projeto de vida, eu encontrei uma fazenda em ruínas, consegui dar visibilidade a fazenda, torná-la rentável, além de desenvolver um trabalho social sobre meio ambiente”.

Para o Diretor do IPAC, João Carlos Oliveira, “o grande diferencial do conjunto arquitetônico da Engenho D´Água é a importância no contexto de ocupação da Baía de Todos os Santos. Ela é composta de um complexo que tem a casa grande, mas mantem a leitura espacial da senzala e a construção de uma capela que possui uma das poucas plantas octogonais raras na arquitetura do século 18. É um espaço preservado não só do ponto de vista arquitetônico, como do ponto de vista da paisagem cultural”.

Quando tombados, os imóveis só podem passar por alterações depois de consultas técnicas e avaliações do IPAC. Em contrapartida, com o valor histórico reconhecido oficialmente, o espaço ganha valor cultural e turístico agregado e facilidade em projetos de financiamento.

A fazenda Engenho D´água fez parte da história do ciclo da cana-de-açúcar e chegou a exportar o produto no auge da economia canavieira no século XVIII. Mas com a decadência da economia açucareira, a cana de açúcar foi sendo substituída por outras culturas. Hoje a fazenda produz cacau, banana e gado leiteiro.

Pioneira na produção de cacau no recôncavo, a Engenho D´água produz 3 mil arrobas de cacau por ano. Plantadas para sombrear os cacaueiros, as bananeiras também viraram fonte de renda, com uma produção anual de 70 mil cachos de banana prata. O produtor rural desenvolve ainda a pecuária, com a criação de gado leiteiro e a produção de derivados como queijos artesanais. A fazenda possui ainda uma hospedaria e recebe visitantes em eventos pré-agendados.

Tombamentos em área rural serão ampliados

Existem outros imóveis tombados pelo IPAC em fazendas da Bahia, e pelo menos outros 80 projetos estão em análise envolvendo patrimônios imateriais. Mas o tombamento da Engenho D´Água é o primeiro em que se valoriza múltiplos aspectos da propriedade rural.

“É um processo que a gente está começando agora e deve evoluir para outros. Sempre com esta intenção de ampliar o leque de preservação do patrimônio baiano. O processo é inédito no sentido de preservação de uma paisagem cultural, onde se garante a questão do patrimônio arquitetônico, ao mesmo tempo que a produtividade do local, ligada a história voltada para a agropecuária e ao desenvolvimento turístico regional”. Além disso, o tombamento deve estar sempre ligado à sustentabilidade. E a Engenho D´Água apresenta todas as condições e princípios que motivaram este tombamento”, acrescente Oliveira.