Entenda a polêmica dos alimentos ultraprocessados x Guia Alimentar

Documento indica diretrizes para uma alimentação saudável no país e sofreu ataques do Ministério da Agricultura

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 28 de setembro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Shutterstock

Uma nota técnica divulgada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no início do mês, pedindo a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira em realação aos alimentos ultraprocessados tem gerado muita polêmica. E fez com que cozinheiros e especialistas viessem a público  se posicionar contra a mudança no documento, que  traz uma série de diretrizes e orientações a respeito de alimentação no Brasil.

Elaborado pelo Ministério da Saúde, o Guia Alimentar teve sua última publicação no ano de 2014. O documento conta com forte respaldo internacional e é, inclusive, utilizado como referência em outras nações.

Professora da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (Enufba), Tereza Cristina Deiró explica que o guia é baseado em uma classificação que divide os alimentos de acordo com o nível de processamento de sua produção. Além disso, traz alertas relacionados à problemas de saúde como obesidade e diabetes.

São três grandes categorias de alimentos: minimamente processados, processados e ultraprocessados. O primeiro deles inclui frutas, legumes e leguminosas, sementes, leite, carne, grãos e ovos, por exemplo.

A segunda categoria se refere àqueles alimentos que sofreram alterações para ter maior durabilidade ou mais sabor - o que normalmente é feito através da adição de açúcar, sal, óleo ou fermentação: queijos, pães caseitos, frutas secas, carnes defumadas como o bacon entram nessa categorias.

O último da lista, e pivô da polêmica, são os alimentos ultraprocessados. Eles têm esse nome por passar por uma série de processos industriais que lhe acrescem uma série de ingredientes como conservantes, edulcorantes, quantidades gigantesca de açúcares e sal. Aqui falamos de refeições prontas, carnes processadas como salchichas e hambúrgueres, shakes que substituem refeições e os famosos nuggets.

De acordo com a Nota Técnica feita pelo Mapa, o Guia traz uma classificação "confusa, incoerente, que impede ampliar a autonomia das escolhas alimentares". Além disso, o documento assinado por Luís Eduardo Rangel e Eduardo Mazzoleni, diretor e coordenador do departamento de Análise Econômica e Políticas Públicas da Secretaria de Política Agrícola do ministério, pediu uma revisão completa do Guia com participação de setores especializados na ciência dos alimentos.

A professora Tereza Cristina aponta que emitir esse tipo de nota sequer deveria ser uma atribuição do Mapa, principalmente levando em consideração que o Ministério da Saúde é quem detém a autoria do documento.

"Esse Guia é fundamental para a promoção de uma alimentação saudável e consequente melhoria na qualidade de vida dos brasileiros. É interessante na verdade é que haja uma difusão do conteúdo que ele carrega", diz a especialista.

Comida de Verdade

Entusiasta do que chama de 'comida de verdade', a chef, escritora e apresentadora de TV Rita Lobo afirmou no programa Timeline  que o Guia tem impacto direto na construção de uma merenda escolar mais saudável para os alunos. "O que a ciência descobriu é que, à medida que as populações como um todo vão se afastando da cozinha e vão consumindo mais industrializados, os índices de obesidade e outras doenças crônicas começam a subir. É só olhar para os Estados Unidos", disse a chef.

Uma pesquisa recente, publicada em agosto pelo British Journal of Nutrition, aponta que os alimentos ultraprocessados podem aumentar em 39% o risco de sobrepeso, obesidade e da circunferência abdominal, sem contar o aumento na taxa do colesterol ruim, o LDL, em 102%.

Até a ministra da Agricultura, Tereza Cristina rejeitou a nota técnica elaborada por seus secretários e a devolveu à Secretaria de Política Agrícola pedindo que seja reformulado.

A ministra considerou, em seu despacho, que a nota não é consistente o suficiente para discutir o assunto e isso entra em conflito com as recomendações de seu gabinete sobre a necessidade de se qualificar documentos que são publicados pela pasta.

Além disso, Tereza Cristina pondera também que aspectos relacionados às questões nutricionais são de competência da área da saúde. O Mapa atua em políticas de produção e industrialização de alimentos, pode até sugerir a revisão de documentos públicos. Mas desde que esteja tecnicamente embasado.

O Guia Alimentar para a População Brasileira é um arquivo público e sua distribuição é gratuita. Não há mais tiragens do exemplar, mas é possível conseguir a íntegra da versão no site do Ministério da Saúde, clicando neste link, ou fazendo o download do arquivo abaixo.