Entenda e opine sobre projeto de lei que regulamenta uso de agrotóxicos no País

Mudanças em tramitação no Congresso podem influenciar alimentação e saúde da população; veja como participar do debate

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  • Murilo Gitel

Publicado em 10 de junho de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (foto: Arnaldo Alves / ANPR)

O polêmico Projeto de Lei 6299/02, que trata do registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos no país, mobiliza atualmente tanto organizações ambientais e de defesa do consumidor, como também a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que já se manifestou contrária ao substitutivo do PL que tramita na Câmara dos Deputados. Na prática, a proposta retira da agência a competência de realizar a reavaliação toxicológica e ambiental desses produtos.

De autoria do ministro da Agricultura Blairo Maggi, o PL tramita na Câmara dos Deputados desde julho de 2015 no intuito de realizar mudanças como a alteração do nome “agrotóxico” para “defensivo fitossanitário”, o que facilitaria o registro de produtos cujas fórmulas, em alguns casos, são compostas por substâncias consideradas cancerígenas pelos órgãos reguladores. Em suma, altera os artigos 3º e 9º da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989.

Por sua vez, a proposta do substitutivo ao texto de Maggi, de autoria do deputado Luiz Nishimori (PR-PR), é de que não haja mais avaliação e classificação de produtos pelas áreas de Saúde e Meio Ambiente, mas somente uma “homologação” da avaliação realizada pelas empresas que registram os produtos agrotóxicos.

A proposta também garante autonomia ao Ministério da Agricultura para registrar novos agrotóxicos, autoridade que hoje é conferida à Anvisa e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). .

Críticas

Na avalição da Anvisa, o projeto deixa de atender quem deveria ser o foco da legislação: a população. “O PL não contribui com a melhoria, disponibilidade de alimentos mais seguros ou novas tecnologias para o agricultor, e nem mesmo com o fortalecimento do sistema regulatório de agrotóxicos”, aponta a Anvisa.

Nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Paula Bortoletto defende a mobilização e o debate acerca do uso indiscriminado desses produtos químicos. A especialista observa que o uso de agrotóxicos afeta não somente a agricultura, mas traz claros riscos para à saúde humana e para o meio ambiente.“Caso esse PL seja aprovado, a situação será perversamente agravada. O direito de todos à alimentação adequada e saudável passa pelas formas de produção dos alimentos, que devem ser ambientalmente sustentáveis e livre de agrotóxicos”, ressalta Bortoletto.Na segunda semana de maio, um manifesto assinado pelo Idec e por mais 270 organizações de defesa do consumidor e do meio ambiente contra o que eles batizaram de "Pacote do Veneno" foi enviado à comissão especial da Câmara dos Deputados. O documento alerta que o Brasil já é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo devido à isenção de impostos.

Defesa

Todavia, entidades do setor agropecuário defendem o PL 6299/02. O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), Humberto Miranda, garante que o projeto vai facilitar o comércio internacional, contribuir com maior segurança jurídica aos usuários e beneficiários do sistema de registro e gerar maior segurança à sociedade.“Um dos importantes benefícios será a maior celeridade nos processos de registros, por meio do estabelecimento de critérios, prazos, taxas, entre outros aspectos. O registro de um produto fitossanitário, por exemplo, demora de cinco a oito anos no Brasil, enquanto em países agrícolas como EUA, Canadá, Austrália e os da União Europeia têm seus registros em no máximo três anos”, argumenta Miranda.O presidente da Faeb também ressalta que a legislação do Brasil, quanto à fabricação e utilização de agrotóxicos, é uma das mais rigorosas do mundo. “O Poder Público não é obrigado a homologar avaliação de risco. Só o fará se estiver de acordo”, pondera.

Por meio de nota enviada ao CORREIO Sustentabilidade, a Associação de Agricutores e Irrigantes da Bahia (Aiba) disse que “considera defasada a lei que rege o uso de defensivos agrícolas no Brasil.” Diante disso, a entidade de classe propôs algumas alterações, que, segundo ela, buscam garantir a viabilidade fitossanitária e econômica do setor, bem como “a segurança alimentar e continuar gerando emprego e renda.”

Entre as propostas da Aiba estão a dilatação do prazo de obtenção do registro de defensivos para 12 meses; desburocratização para todos os tipos de processos de registro; implantação do Sistema Eletrônico Único para submissão dos pedidos de registro; avaliação de risco para registro de novas moléculas, assim como acontece em países desenvolvidos; sistema de registro coordenado pelo Ministério da Agricultura, com competência de definir as prioridades de registros para Anvisa e Ibama; criação de fundo específico para aproveitamento das taxas pagas pelas empresas; e criação de produtos com eficiência e custos compatíveis, antes de bani-los do mercado.

Entenda

Os agrotóxicos são utilizados na agricultura para eliminar insetos ou ervas daninhas nas plantações, todavia, aqueles usados na produção da maioria dos alimentos no Brasil causam danos ao meio ambiente e à saúde, tanto do produtor rural quanto do consumidor, segundo especialistas. Cada brasileiro consome, em média, o equivalente a um galão de cinco litros desse tipo de produto a cada ano, de acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

De acordo com o Inca, além da contaminação dos alimentos, da terra, das águas (que em algumas situações torna-se imprópria para o consumo humano), há também a intoxicação de seres vivos, como os mamíferos, peixes, aves e insetos. Regiões com alto uso desses produtos apresentam incidência de câncer bem acima da média nacional e mundial.

Em 2010, o mercado brasileiro de agrotóxicos movimentou 7,3 bilhões de dólares e representou 19% do mercado global. Soja, milho, algodão e cana-de-açúcar representam 80% do total de vendas nesse setor.

Os alimentos que mais consomem agrotóxicos no Brasil, conforme lista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), são os seguintes: soja (40%), milho (15%), cana-de-açúcar e algodão (10% cada), cítricos (7%), café, trigo e arroz (3 cada%), feijão (2%), batata (1%), tomate (1%) maçã (0,5%) e banana (0,2%).

Saúde

A pesquisadora e professora de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Bombardi estuda o alto índice de agrotóxicos que consumimos no Brasil e os reflexos que eles representam para a saúde. A especialista observa que o agrotóxico mais vendido no Brasil é o herbicida glifosato.“Se a gente pensar na quantidade de toneladas de glifosato que é vendido no Brasil, é grave. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) o glifosato pode vir a causar câncer. A gravidade da nossa permissividade é essa. Vejo como um atentado à saúde da população como um todo”, alerta.Opine

Recentemente, o site da Agência Câmara lançou uma enquete para saber a opinião dos internautas em relação ao PL 6299/02. Até o fechamento desta matéria, o resultado apontava 88% de reprovação ao projeto (15.022 votos) e 12% de aprovação (2.026 votos).

Para participar da enquete, basta clicar aqui e registrar o seu voto.

O projeto em 4 pontos:

* O texto do substitutivo estabelece a centralização de competências de registro, normatização e reavaliação de agrotóxicos no Ministério da Agricultura, destituindo os órgãos federais da saúde e do meio ambiente destas funções, previstas na atual Lei de Agrotóxicos (Decreto nº 4.074/2002);

* O PL terceiriza as responsabilidades pelas doenças e agravos à saúde do trabalhador e do consumidor; pelo monitoramento dos resíduos de agrotóxicos e do uso adequado; pelo acompanhamento sistemático das populações expostas e das intoxicações; e pelos planos de emergência nos casos de acidentes de trabalho, transporte e ambientais que possam advir da cadeia produtiva e logística do agrotóxico;

* O Idec afirma que o uso de agrotóxicos afeta não somente a agricultura, mas traz claros riscos para à saúde humana e para o meio ambiente;

* Para a Anvisa, o projeto não leva em conta os interesses da população brasileira. “Não contribui com a melhoria, disponibilidade de alimentos mais seguros ou novas tecnologias para o agricultor e nem mesmo com o fortalecimento do sistema regulatório de agrotóxicos”, diz o órgão.