Entenda o que é o street wear, estilo que aparece no viral 'Quanto Custa o Outfit'

Diferentemente do vídeo que se tornou meme, baianos explicam que roupas não precisam ser caras

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 17 de junho de 2018 às 05:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: O designer Fagner Bispo é adepto do street wear e mistura peças baratas com itens de grife (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

Você já deve ter visto por aí. Era para ser um vídeo de seis minutos sobre as roupas que um grupo de pessoas vestia em um evento de venda e troca de roupas em São Paulo, mas virou meme. Entre cifras milionárias – calças custando R$ 3 mil, camisas de algodão por R$ 2 mil e até relógio de mais de R$ 30 mil – jovens mostravam o valor das peças que estavam usando e diziam os preços. 

A ideia do canal Hyped Content BR, na verdade, era falar para o próprio público que aparecia no vídeo Quanto Custa o Outfit (o primeiro foi postado no fim de maio; o segundo no início do mês). E, para quem conhece preços de marcas como Supreme, Off-White e Gucci, aquilo talvez não seja tão chocante. Só que o negócio viralizou tanto que rendeu uma série de respostas – até o vídeo de um baiano comentando o original de forma debochada já chegou a mais de 500 mil visualizações. Esta semana, os originais foram excluídos da conta, mas é possível assistir mesmo no YouTube. 

No meio de tanta zoação típica da web, uma coisa acabou ficando escondida: o estilo street wear, que era o objeto de discussão inicial. Mas o que é, afinal, o street wear? Para responder a essa pergunta, o CORREIO foi atrás de quem entende bem o que é essa tendência: baianos que criam, vestem e vendem esse tipo de roupas, calçados e acessórios e garantem que o “outfit” não tem nada a ver com o preço. 

É na internet que a maioria das peças são vendidas por aqui. Mas numa busca rápida em sites como o Mercado Livre, por exemplo, dá para ter uma dimensão de como as coisas não estão tão disponíveis quanto em outros estados. Quem procura por itens da Supreme – que talvez seja a marca mais representativa e que não costuma ter grandes tiragens da mesma peça – pode encontrar mais de 30 mil anúncios no estado de São Paulo contra 24 na Bahia. 

Detalhe: parte dos produtos anunciados claramente não condiz com o preço verdadeiro. Tem baiano vendendo um moletom da Supreme em parceria com a grife francesa Louis Vuitton, por exemplo, por menos de R$ 400. No entanto, nada que venha com a insígnia da LV costuma custar menos do que alguns milhares de reais. É a mesma coisa de uma bolsa da mesma parceria anunciada por R$ 200. 

Baianos que vestem Mas como é o estilo dos baianos do street wear? O designer Fagner Bispo, 35 anos, garante que os baianos que se vestem assim buscam o mesmo que os outros adeptos de uma tendência mundial: conforto.“Geralmente, são peças mais largas, que não são tão justinhas no corpo. É uma roupa que tem características esportivas, que usa o visual de cores, estampas, mas o que acaba definindo mais isso é a questão da modelagem”, diz. Para ele, o street wear é paixão antiga. Começou lá pelos idos de 2001, quando era calouro na faculdade de Desenho. Naquela época, conheceu a marca Cavalera, que, ali, se tornou sua primeira referência do estilo. O problema é que, em Salvador, é difícil encontrar lojas que vendam peças street wear. Ele costuma garimpar em lojas de departamento ou em sites e comunidades da internet. 

Fagner faz parte de um dos maiores grupos no Facebook para venda e troca de peças – o Brazilian Appareal, com mais de 14 mil membros. Já comprou tênis em dois grupos. Ele explica: o tênis, hoje, é o protagonista da ‘cena street wear’.  O designer Fagner Bispo conheceu o estilo em 2001 (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Mas e o vídeo-meme? “Eu achei bastante cafona. É desnecessário dizer quanto se gasta para se vestir”, admite ele, acrescentando que ‘preço não define estilo’. “Você pode estar super bem vestido com menos gastos do que eles gastam ali no vídeo, mas a gente não pode generalizar. Claro que o vídeo acabou tomando proporções que, quando uma pessoa leiga vê, acha que a cena street é aquilo, que tem que ter roupa cara para fazer parte desse cenário”. 

O garimpo de Fagner é o que ele chama de ‘hi-lo’. No vocabulário da moda, a expressão é uma abreviação de ‘high-low’, que, basicamente, consiste em misturar peças de grife ou caras (o ‘high’) com peças mais descoladas, esportivas sou simplesmente que saíram por uma pechincha (o ‘low’). É aqui que as lojas de departamento – como as gringas Zara e Forever 21 – mais ajudam, principalmente com as peças mais lisas ou sem estampas. 

Moda da rua A rua foi a inspiração da estilista Najara Black, 34, para criar sua marca – a NBlack –, há 13 anos. Antes disso, ela já tinha descoberto o street wear porque gostava de customizar suas próprias roupas. Hoje, ela tem uma loja física da marca e se veste, basicamente, das próprias criações.  A estilista Najara trouxe o street wear para sua marca (Foto: Angeluci Figueiredo/Arquivo CORREIO) “Eu falo que minha marca é uma marca de rua. Eu me identifico com o que está na rua, como um grafite, e tinha muita influência do rap. Escutava muito Jay-Z e meu irmão andava de skate. Aos poucos, a gente foi amadurecendo mais a proposta da marca, porque hoje ela é mais inclusiva, trabalhamos com mais diversidade”, conta Najara. Ela diz que as principais características do street wear baiano são as cores e as estampas, além de aspectos geométricos. Os preços, explica, são equilibrados. “O meu cliente não vai pagar caro numa peça. Não vai pagar R$ 200, R$ 300, a menos que sejam peças exclusivas, por exemplo, só ter três ou quatro delas”. 

"Alegria de viver, de sorri, de cantar. Se você tá feliz bata palmas " Ph: @eu_italosoares Make: @lissamonte93

Uma publicação compartilhada por Najara Black (@najarablack) em

No início, Najara não entendia de costura, nem de administração. Ela só sabia de uma coisa: queria usar a moda para trazer mais representatividade para o mercado. “A gente começou querendo levantar a autoestima dos jovens negros e afrodescendentes e começou a dar certo”. 

Agora, ela acredita que há mais gente disposta a experimentar estilos diferentes, como o street wear, do que quando começou. “Acho que os jovens estão pesquisando mais, ousando mais, arriscando mais”. 

Street wear à baiana  Quando fundou a Orig Skate Co em Salvador, há cinco anos, Wilson Simões, 37, pensava em fazer em que realmente acreditasse. Tinha estudado Moda e Design na Espanha, mas sabia que a moda na Bahia estava atrelada à moda praia. 

“Venho tentando conciliar o estilo da cidade praiana com esse formato de moda bastante ligado a centros urbanos. Tento adaptar a moda da minha marca para que não fique tão desconectada da cidade”, explica. Hoje, a loja homônima, que fica no Rio Vermelho, vende a própria marca (70% dos produtos disponíveis) e outras quatro marcas – incluindo a gringa Supreme.  O empresário Wilson Simões fundou uma marca de street wear (Foto: Marina Silva/CORREIO) Wilson cresceu acompanhando o mercado da moda, ainda que de forma indireta. Neto de costureira, via a avó trabalhar nos anos 1990. Aos 12 anos, começou a andar de skate e, por consequência, a usar tênis com muito mais frequência. 

“Como eu tinha que ter vários tênis, comecei a associar a roupa que eu via minha avó fazendo ao skate que eu andava, ao formato do skate e à grande variedade de tênis que o skate possibilitava”, lembra ele, que, ainda entre 1995 e 1996, descobriu o street wear como estilo propriamente dito, lendo revistas dos Estados Unidos. 

Ele explica que entende street wear como a forma como alguém se comporta diante da cidade – ou seja, mais do que uma roupa, seria um comportamento."O elo que eu tentei criar era mais do que uma roupa de street wear para as grandes metrópoles, mas trazer o que a gente usa aqui, que é a bermuda, a camisa básica normal de algodão leve. Para que eu conseguisse implementar, eu procurei não forçar muito a barra e entender um pouco do que a gente consome aqui”. Ele também defende que o valor das peças não define o estilo. “Seu outfit não precisa ser caro, mas traduzir o que você é. Quando passa a ser a compra pela compra, vira o meme do Instagram. Quem vive muito isso (o estilo) não está preocupado com o valor que está comprando, mas a história do produto. Aquilo (o vídeo) é mais um meme, mas claro que, quando viralize, até o camelô passa a ter o produto”. 

Estilo tem a ver com gestos de quem usa  Na verdade, entender o que é street wear não é tão simples assim. De fato, na tradução literal, o estilo significa a roupa que é usada na rua, vista nas ruas... No entanto, há uma influência grande de movimentos musicais como o hip hop, além de características esportivas, como destaca a coordenadora dos cursos de Moda e Design de Interiores da Unifacs, Virgínia Saback. 

“A gente tem um contingente de pessoas que se vestem com esse tipo de roupa em Salvador. Tem um grupo de meninos mais jovens, irreverentes, que quebram paradigmas. Esse movimento se adequa à sua forma de pensar e se expressar”, explica a professora. 

Além disso, ela destaca que a ‘roupa de rua’ vem justamente em um momento em que a rua vem sendo mais ocupada – e isso acontece desde a prática de exercícios físicos na rua até restaurantes indo para a rua. 

Segundo ela, usar esse tipo de estilo envolve uma questão autoral e a mistura – inclusive com as lojas de departamento – é comum. “Tem uma questão muito gestual. Você pode pagar uma calça jeans larga, o tênis branco, uma jaqueta e um boné, mas, se tiver um gestual mais formal, ninguém vai entender aquela mensagem como uma peça de streetwear”. Esse ‘gestual’ incluiria desde a forma de andar até a própria forma como a pessoa se relaciona com a roupa. 

Os tênis podem ser considerados o ponto mais importante na composição do ‘outfit’. “O tênis está em todos. É o gestual, o andar do cara, a forma como ele abre os braços, aquela coisa meio larga. Tem uma simbologia nesse sentido e ela vem oriunda de movimentos periféricos, de minorias... Esses movimentos elegem algumas rupturas que são vistas através dessas roupas”. 

A partir do momento em que um estilo como esse entra em evidência, outras marcas – que não necessariamente ofereciam esse tipo de produto – passam a investir nele. “As marcas estão de olho nesse filão e tem todos os poderes aquisitivos, tem pessoas pobres, ricas... O que impera, de fato, é muito mais a relação que as pessoas têm de acreditar no que estão vestindo”.