Espetáculo virtual com ilusionismo celebra 60 anos da Cia Teatro dos Novos

Com direção de Marcio Meirelles, Quem Não Morre Não Vê Deus estreia nesta sexta-feira (5)

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  • Laura Fernades

Publicado em 5 de março de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marcio Meirelles/Divulgação

Um jogo de ilusionismo vai colocar, em um único cenário, todos os atores da Companhia Teatro dos Novos que estão isolados em casa. O encontro ao vivo acontece nesta sexta-feira (5), às 20h, na estreia digital do espetáculo Quem Não Morre Não Vê Deus, no YouTube. Com direção de Marcio Meirelles e texto censurado de João Augusto (1928-1979), artista fundador do Teatro Vila Velha (TVV), a peça celebra os 60 anos da companhia.

“Se reinventar é uma obrigação do teatro, ou então ele morre”, defende Marcio, 66 anos, sobre o texto escrito durante a ditadura militar e encenado a partir de 2003 que, pela primeira vez, ganha uma versão “completamente pensada para o virtual”. “O que a gente está fazendo, é criar uma ilusão quase de cinema, mas que é teatro, dentro de uma tela de computador, de celular ou tablete”, explica o diretor.

Ainda que use e abuse das ferramentas digitais, porém, o espetáculo segue sendo “analógico, braçal, artesanal como o teatro é”, pondera. Ou seja, não é igual ao cinema com pós-produção e efeitos aplicados, explica Marcio. “Nesse espetáculo, os atores manipulam o aplicativo, o cenário, a luz, até chegar ao ponto”, conta sobre a peça que tem cenário de Erick Saboya, figurino de Zuarte Jr. e transmissão de Walter Junior.

A experiência é mais complexa para o ator, na opinião da atriz Chica Carelli, “porque a gente não vê o colega, tem que calcular bem para onde direcionar o olhar e decorar onde supostamente ele está”, explica. “Mas encaro como uma questão de experimentar coisas novas. Não vou dizer que acho melhor que presencialmente, de jeito nenhum, mas é uma possibilidade de continuar nosso trabalho e nossa comunicação com o mundo”, defende.

A partir de um jogo de aplicativos e outros canais digitais, como o Zoom, Quem Não Morre Não Vê Deus cria a ilusão de que os atores estão no mesmo lugar e até entram e saem pela mesma porta. “Tinha rejeição absoluta, até que entendi que tudo era tecnologia. A gente pode se apropriar dessas ferramentas”, reconhece o diretor da peça cujo cenário cria o diálogo do popular e tradicional cordel, com o digital, a contemporaneidade. Peça da Companhia Teatro dos Novos tem cenário de Erick Sboya (Foto: Marcio Meirelles/Divulgação) Sem medo O texto se passa nos anos 30 e usa a poética de cordel para falar sobre a relação do povo com os regimes totalitários. A trama se desenrola a partir da história de dois homens que estão sendo perseguidos pela polícia e pedem abrigo em um povoado. Mas a líder desse povoado, que já se relacionou com um deles no passado, não quer que a dupla entre para não atrair a polícia também.

Quando um dos personagens coloca os dois para dentro, todos os moradores resolvem enfrentar a polícia juntos. “O eixo central é a milícia, essa ameaça que a sociedade civil se junta para enfrentar”, explica o diretor. “Se vão sobreviver ou não, não importa. É o que diz a frase: quem não morre, não vê Deus”, diz, em referência ao título da peça. 

Mulher de idade, Atenisca é uma personagem que “está pronta para enfrentar tudo e não tem medo da situação”, conta sua intérprete, a atriz Chica Carelli, 63 anos. “Meio clarividente”, a personagem prevê coisas e já naquela época falava que era necessário “matar os morcegos, porque eles vão trazer um vírus”. “Muita coincidência!”, diz Chica, surpresa com o diálogo com os dias atuais.

“Vai minha admiração por essas mulheres que são do interior do Nordeste, bem pé no chão, mas que ao mesmo tempo têm uma maneira poética de ver o mundo. Uma maneira engraçada, com uma linguagem gostosa que João Augusto traz”, elogia, citando o autor da peça. Assim como sua personagem, a atriz veterana da Cia. dos Novos é uma “pessoa que enfrenta as coisas como elas são” e isso inclui novas formas de fazer teatro.

Chica acredita que o teatro, seja da forma como for, “é sempre um encontro”. “E o fato de ser ao vivo faz ele tão humano. Estamos ali em comunicação direta, correndo o risco de a internet cair e isso que é bonito. A gente está naquele momento em comunhão. Estamos trancados dentro de casa, mas não estamos sozinhos. Estamos juntos”, garante.

Cia Teatro Os Novos montou 53 espetáculos

Um dos fundadores do grupo de teatro O Tablado, ao lado de Maria Clara Machado, o carioca João Augusto (1928-1979) fez parte do grupo que criou a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, em 1956, onde se tornou professor. João dirigiu espetáculos musicais de artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa, além de ter sido o primeiro diretor do Teatro Castro Alves.

Diretor da Sociedade Teatro dos Novos, criada em 1959, trabalhou ao lado de nomes como Othon Bastos, Carlos Petrovich, Sônia Robatto, Echio Reis, Tereza Sá (Maria Francisca) e Carmem Bittencourt. Em 1964, o grupo inaugurou o Teatro Vila Velha com o objetivo de ter um espaço para criar e pensar sua época de forma ampla, a partir do fazer teatral. Desde sua criação, o Teatro dos Novos já montou 53 espetáculos.

“Tenho o maior orgulho desse elenco, porque a Companhia Teatro dos Novos se renova. É um elenco de verdade”, elogia Marcio Meirelles, que passou a dirigir o grupo a partir de 1998. Em 2018, o diretor artístico junto com a atriz e diretora Chica Carelli reestruturaram o Teatro dos Novos com a presença de jovens atores da universidade LIVRE, programa desenvolvido e mantido pela companhia de formação em artes do palco.

Serviço De sexta a domingo, às 20h, até dia 21.  Ingresso: R$ 10, R$ 20 e R$ 50 (o público escolhe o valor que quer pagar). Vendas: www.sympla.com.br/vilavelha Transmissão: YouTube (Novo Vila Virtual) Dia 14/3: acessibilidade para pessoas com deficiência visual, com audiodescrição  Dia 19/3: acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva, com tradução para libras