'Esquemas para nota subir', revela aluno do BI para entrar em Medicina da Ufba

1.2 mil alunos chegam a competir pelas 32 vagas disponíveis

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 2 de outubro de 2017 às 07:52

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Betto Jr./CORREIO

Estudantes de Universidade Federal da Bahia (Ufba) que usam o Bacharelado Interdisciplinar de Saúde como porta de entrada para o curso de Medicina, sofrem com a enorme pressão por resultados. Situação leva a boicotes entre colegas, mentiras e depressões. Leia relatos dos universitários:

Daniel, 22 anosEstigma Deito na cama de noite e a única coisa que consigo pensar é se eu vou conseguir passar e o que fazer para conseguir ter uma nota boa. Choro com muita frequência. Você fica 24 horas planejando tudo: ‘preciso tirar 10 naquela disciplina. Preciso tirar 10 naquele trabalho. Eu preciso saber quais são as matérias que eu tenho que pegar para ter o coeficiente para entrar’. A maioria dos professores já tem um estigma da gente. Estigma porque a gente vai estar lá por nota e não porque a gente quer aprender a disciplina. A gente fica com medo de ser perseguido por ser do BI. Temos fama de chatos. Muitos professores não entendem que é uma distorção do BI. Tem que saber lidar com eles. Muitas pessoas ficam babando ovo de professores. Minha família nem sabe que eu faço esse curso. Não contei para eles.

Ludmila, 25 anosEstresse Meu namorado pode responder. Tem dias que fico louca,  sem dormir, que acho que não vou passar. Você fica desesperado o tempo todo, com uma pressão na cabeça, sem saber se você vai passar. Às vezes, você sentar para conversar com um aluno do BI que está formando é tão estressante quanto o curso. Você chega com a cabeça tranquila e sai com a cabeça girando, pensando mil coisas. Inicialmente, eu segui os meus princípios. Mas depois você vê que não dá para ser assim. As matérias estão acima da amizade. Eu fui burra. Acabei botando as amizades, ou pelo menos o que eu achava que eram minha amizades, em primeiro lugar. O BI é você começar confiando em todo mundo e terminar não confiando em ninguém.

Leandro,  28 anosIsolamento Não tenho vida social. Não tenho lazer. Os três anos do curso só faço estudar. Minha família me chama para as festas e eu não vou, velho (começa a chorar). A família não entende porque não entende o sistema. Eu estudo todos os dias para conseguir um objetivo. A gente passa as férias inteiras correndo atrás de disciplinas. A gente não tem férias. O cara que passou para Medicina pelo BI, que enfrentou tudo isso e conseguiu passar,  não quer saber nunca mais de BI na vida dele. Já passei noites em claro estressado. Tenho vários colegas que, como eu, estão com problemas mentais. Eu não consigo desenvolver uma relação com colega nenhum, me fecho no meu mundo, tenho insônia, perdi o apetite, estou emagrecendo.

Rodrigo, 22 anosRivalidade Já agi contra meus próprios princípios. Já tive que mentir algumas vezes. Não curto mentira, mas tive que mentir para obter informações que iriam me ajudar. Falei para um colega que tinha uma nota e não tinha. Eu queria saber a dele. Hoje, tenho certa maturidade para não fazer mais isso. Estou perto de formar. A proposta do curso é boa, a execução é que não é. Logo aparecem esquemas para você fazer com que sua nota suba, senão você não consegue entrar. Muitas vezes você pega disciplina que não é do seu interesse, mas que você sabe que vai ter facilidade maior e, consequentemente, aumentar o seu escore. A gente costuma falar que o BI é uma guerra. O que a gente vê de fato é que isso aqui é uma guerra mesmo.