'Esse filme mudou minha vida', diz Kéfera sobre Eu Sou Mais Eu

Longa volta aos anos 2000 e aborda temas delicados, como bullying, autoestima e preconceito

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 24 de janeiro de 2019 às 06:07

- Atualizado há um ano

“Esse filme mudou minha vida”. Foi assim que a atriz Kéfera Buchmann, 25 anos, iniciou o bate-papo com o CORREIO sobre Eu Sou Mais Eu, que estreia nesta quinta-feira (24) nos cinemas. Dias antes, a influenciadora digital e youtuber emocionou-se ao desabafar em seu Instagram – onde soma quase 13 milhões de seguidores – sobre o quanto se identifica com a trajetória de sua personagem no longa. 

Assim como Kéfera, a protagonista Camilla Mendes foi vítima de bullying durante a infância e adolescência – trauma que afeta diretamente na sua autoestima. “A história foi muito inspirada no que eu passei - distúrbio de autoimagem, bulimia, anorexia. Choro muito quando assisto ao filme porque toca em um lugar muito delicado. Essa época foi dolorosa e carrego muitas feridas”, conta ela, visivelmente emocionada.

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Reviver situações que ela mesma passou nas filmagens e revê-las no filme foi desesperador para a atriz. “Mas tenho percebido que as pessoas se reconhecem e não estou sozinha”, afirma Kéfera, que também é produtora associada do filme e acompanhou a produção desde o início.

Gravado no final de 2017, o longa dirigido por Pedro Amorim (Divórcio/2017) também ajudou a atriz a dar mais um passo na sua trilha rumo ao amor próprio. “Precisei passar por um trabalho roteirizado, inspirado na minha própria vida, para bancar mais essa história do ‘ser mais eu’ também”, confessa. Durante as gravações, inclusive, Kéfera decidiu parar de alisar o cabelo e assumir suas ondas: “É engraçado inspirar o filme e ser inspirada por ele. A coisa era sobre mim o tempo todo. Fazê-lo me mudou muito”. (Foto: Catarina Sousa/Divulgação) A reflexão sobre autenticidade e autoestima que tanto impactou a atriz é também levada aos telespectadores, endossando a principal mensagem do filme: a de não ter medo de ser quem você é.

Para entender isso, porém, a arrogante Camilla terá que voltar ao passado. Famosa na televisão e na internet, a cantora trata mal todo mundo que passa pela sua vida. Tudo muda quando uma fã obcecada (Estrela Strauss, que também é preparadora do elenco) a transporta magicamente para 2004, época das locadoras, do discman, da escova progressiva e do Orkut. Nos tempos atuais, Camilla é uma cantora pop nada simpática (Foto: Catarina Sousa/Divulgação) A música também compõe o cenário nostálgico, com destaque para o sucesso Ragatanga, de Rouge, e para uma versão de Máscara, de Pitty, interpretada pela protagonista. 

A ordem da fã – que é como uma fada imaginária - é que ela ‘seja ela mesma’. Só que, ao acordar 15 anos atrás - quando sofria bullying na escola ao lado do seu fiel escudeiro, o tímido Theodoro Gusmão, o Cabeça (João Côrtes) - a protagonista demora de entender a mensagem e resolve se vingar dos colegas. Depois do sucesso de É Fada, Kéfera dá vida a cantora Camilla Mendes (Foto: Catarina Sousa/Divulgação) “Ela tem muitas feridas e tem a necessidade de se sentir vingada. Não é que ela seja uma pessoa ruim. Ela se tornou uma pessoa muito amargurada e machucada. E o problema é que ela entra em um lugar muito errado. Camilla acaba sendo aceita e fazendo sucesso não porque ela está sendo ela e está bem resolvida, mas porque ela está tentando entrar dentro de um modelo padrão. Ela tenta ser a bonita o tempo inteiro, acaba conquistando a fama na volta ao passado, mas porque está dentro de um estereótipo padrão que agrada todo mundo. Não porque ela teve coragem de encarar a essência dela. Ela tem muita coisa pra aprender e por isso que volta ao passado”. completa Kéfera. Assista abaixo entrevista completa com a atriz.

Autêntico e visto como ‘esquisitão’, o amigo Cabeça é peça chave nesse processo. “Uma das coisas mais legais desse personagem é que ele não sente pressão nenhuma para se enturmar. Ele gosta do jeito que ele é e não está nem aí de verdade. Isso me atraiu muito. Essa capacidade dele ser verdadeiro e orgânico”, pontua Côrtes, 23. 

O ator, que sofre como Camilla no filme, também tem lembranças ruins dos tempos da escola.  “Sofri muito bullying. Foi uma fase difícil porque eu era magrelo, tinha o cabelão, usava aparelho fixo e não me enturmava”, diz ele, ressaltando que boa parte dos momentos marcantes do longa se passa na escola: “É um ambiente que pode ser gostoso, mas pode ser muito hostil. A gente traz no filme o quanto a relação entre os estudantes pode ser cruel”, comenta. Na pele da vilã Drica, Giovanna Lancellotti é a rainha do bullying no filme (Foto: Reprodução) A popular Drica (Giovanna Lancelotti), por exemplo, maltrata os colegas sem piedade. “É preciso de coragem para ser quem a gente é, mas a nossa hora vai chegar. O filme é sobre bullying, sobre aceitação e também sobre o quão difícil – mas libertador - é ser a gente é sem ceder aos julgamentos”, resume João. Assista abaixo bate-papo com ele.

O elenco conta ainda com Flávia Garrafa (Fala Sério, Mãe!), Arthur Kohl (O Mecanismo), Marcella Rica (Boa Sorte), André Lamoglia (Juacas) e a participação especial de Felipe Titto.

Entrevista com o diretor Pedro Amorim

Formado em Cinema pela New York University, Pedro Amorim dirigiu diversas séries como "O Homem da sua Vida" (HBO), "Cidade dos Homens" (O2) e "Me chama de Bruna" (Fox). Dirigiu longas de sucesso como "Mato sem cachorro" (2013), "SuperPai" (2015) e o recente "Divórcio", uma das maiores bilheterias do cinema nacional em 2017 e o vencedor na categoria Melhor longa-metragem de comédia na 17ª edição do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.

Seus próximos longas serão "Eu Sou Mais Eu", com Kéfera Buchmann, que estreia em janeiro de 2019, "Carlinhos e Carlão", protagonizado por Luis Lobianco, previsto para estrear no primeiro semestre de 2019, "A Próxima Canção", com Marcelo Serrado, Thati Lopes e Luis Miranda, "Derrapada", adaptação do livro "Slam", de Nick Hornby, com Leandra Leal e Matheus Costa, e o filme e série "Armação Ilimitada", com André di Biase e Cadu Moliterno, uma continuação da série de TV de grande sucesso dos anos 80.

Como foi o convite para participar do projeto?  O convite para fazer o filme foi feito enquanto eu ainda estava filmando outro longa chamado "Carlinhos e Carlão”. Eu estava emendando um projeto atrás do outro e como já estávamos chegando ao fim do ano eu queria mais era tirar férias. Mas dois motivos me fizeram aceitar entrar no projeto. O primeiro foi ser da produtora Damasco Filmes. Tenho muito respeito e admiração pelos profissionais da produtora. E o segundo motivo foi poder contar uma história sobre bullying e amizade numa roupagem de viagem no tempo, um gênero muito pouco explorado aqui no Brasil.

Qual foi sua participação na concepção do filme? Ajudou com o roteiro, com ideias?  Quando eu fui chamado para o projeto, o filme tinha um roteiro bem diferente. A questão musical era praticamente inexistente. O personagem do Cabeça (interpretado pelo João Côrtes) não existia. O filme era mais infantil. Ela abordava os temas de bullying e autoaceitação de forma mais branda. Eu perguntei aos produtores qual era o público alvo do filme e decidimos juntos que os temas que nos interessavam abordar conversavam mais com um público um pouco mais velho que o infantil. Tendo isso em mente, adaptamos o roteiro para abordar e aprofundar essas questões de forma mais madura e divertida.  Drica, a vilã, e Cabeça (Foto: Catarina Sousa/Divulgação) Eu acabei assinando a colaboração de roteiro junto com o produtor do filme Marcus Baldini e o Homero Olivetto pois trouxe experiências pessoais para o projeto. Eu sou filho de diplomata e sempre pulei de um país para o outro. E em alguns desses países me sentia deslocado e sofria bullying de forma parecida com a enfrentada pela Camilla e Cabeça. E como eu estava numa cultura totalmente diferente eu tentava me adaptar aos costumes locais, comprando roupas e acessórios parecidos com os dos alunos daquelas escolas estrangeiras  mesmo que aquilo não tivesse a ver comigo. Eu me forçava a ser algo o que não era, o que é uma grande discussão dentro do filme.

Como eu tocava bateria (por isso o Cabeça é baterista), meu refúgio sempre foi a música e os amigos que eu conseguia fazer através da música. E vi que essas situações batiam com os temas da história do filme, que fala sobre autoafirmação, de não ter medo de quem você é, o que deu o gás para colocarmos todas essas experiências dentro do roteiro. 

Eu trabalho de uma maneira extremamente colaborativa e além das minhas experiências pessoais, um fator que deu muito peso e embasamento à história do filme foi angariar as experiências pessoais do elenco, principalmente as experiências pessoais da Kéfera. Conversando com ela eu percebi que esse filme também era extremamente próximo à experiência de vida dela. E juntando as nossas experiências conseguimos falar sobre bullying, autoaceitação e amizade com propriedade.

Esse é seu terceiro longa de comédia depois de "Divórcio" que foi um dos filmes mais vistos de 2017. Gosta de trabalhar com o gênero? Como foi o clima no set? O que me atrai no filme não é necessariamente o fato de ser um filme de comédia, mas o que ele quer falar. Qual é a relevância da história que está sendo contada. Por acaso a maioria dos projetos que eu acabei fazendo, tanto de série como de longa metragem acabaram sendo mais cômicos, mas sempre tratando de assuntos sérios. 

Olhar de uma forma cômica para as agruras da vida sempre foi uma característica minha e por isso até os projetos mais sérios que eu faço acabam tendo algum humor dentro deles. Acho que a razão pela qual eu acabo fazendo mais filmes desse gênero é o fato de poder  fazer uma espécie de terapia coletiva do riso. Através do riso a gente consegue falar de assuntos muitas vezes traumáticos de uma forma leve. A ideia é dar a oportunidade ao espectador de rir de seus próprios problemas e ajudar a enfrentá-los. E eu acho que é isso que mais me atrai na comédia.

Geralmente, os sets em que eu trabalho têm um clima bom (risos), mas é verdade. E acho que isso acontece quando você trata todos os membros da equipe e elenco com respeito. Quando você inclui todos, desde o assistente de maquinária ao elenco principal, dentro do processo criativo, geralmente todo mundo acaba se dando bem, independentemente de eventuais divergências criativas. É muito legal ver todo mundo ajudando a contar uma história. E nesse set não foi diferente. Apesar de todas as dificuldades que temos numa filmagem rolou uma relação de respeito e amizade muito grande, ninguém poupou esforços para fazer esse filme acontecer.

Vocês gravaram um clipe para o filme e um show com fãs de verdade. Como foi esse trabalho? Primeiramente ficamos receosos. Chamar pessoas para aparecerem num horário certo, por livre espontânea vontade, é sempre muito arriscado numa filmagem. Se não aparece ninguém, ou se aparece gente demais, você pode comprometer o filme. Lembrando que essa era a diária onde a gente tinha a maior quantidade de equipamentos, gruas, câmeras filmando ao mesmo tempo.  Mas todos resolvemos abraçar a força do “fandom” da Kéfera. E ela comprou a ideia, postou um vídeo fazendo um convite aos seus seguidores para comparecerem no dia da filmagem. E no dia da cena do show compareceram por volta de 400 fãs. 

O trabalho de organização da produção foi muito organizado e cuidadoso. Trataram todos aqueles fãs que apareceram com muito respeito. E eles colaboraram muito também. Esperaram o tempo que tinham para esperar com calma e paciência. Foram muito solícitos e colaborativos quando entraram em cena. E quando a Kéfera apareceu no palco foi uma explosão de alegria, aplausos, gritos e até algumas lágrimas. 

É impressionante ver a força que a Kéfera tem com seus fãs. E graças a essa comunhão dela e seus seguidores conseguimos fazer a cena com verdade e energia. Alguma cena foi mais trabalhosa ou mais especial para você? Não acho que exista cena fácil quando se faz cinema (risos). Fazer filmes é saber lidar com o imponderável, é saber se adaptar às condições adversas dentro de um espaço restrito de tempo. Quem rege o andamento da filmagem é o tempo. E nesse filme a gente tinha alguns obstáculos bem difíceis de atravessar. Mas quando você tem uma equipe preparada, você fez seu dever de casa e tem um elenco afiado, passar pelos obstáculos fica mais fácil.

A cena da festa do Vitor talvez tenha sido a cena mais difícil de ser filmada pois se passava toda no exterior da casa, com muitos figurantes  e muitos eventos narrativos de diferentes graus de dificuldade na mesma locação. Eram cenas noturnas que sempre dificultam o andamento de um set. E para piorar caiu um temporal e perdemos mais de três horas de filmagem. Tivemos que esperar tudo secar, enxugar cenário, consertar ou improvisar objetos que quebraram com o temporal. Tivemos que fazer algumas adaptações no roteiro, priorizar cenas narrativas e filmar de uma forma que a gente conseguisse minimizar os danos. Sem perder a essência do filme, principalmente numa locação que é fundamental pra narrativa da história.

E mais uma vez eu tiro meu chapéu para Kéfera que teve que fazer inúmeros takes e cenas dentro da piscina da festa em duas noites, que por conta da chuva, ficou muito fria. Ela foi muito guerreira. Ela fez todas as cenas sem reclamar e com muito bom humor, por mais que tivesse tremendo de frio dentro d’água. E esse tipo de comprometimento motiva a equipe inteira.

Como foi o trabalho com Kéfera Buchmann, João Côrtes, Giovanna Lancellotti e o restante do elenco e equipe? A Kéfera e o João tiveram uma química instantânea, pareciam que se conheciam desde bebês. Eles são pessoas muito alegres e inteligentes e a dedicação que eles tiveram enquanto protagonistas ajudou a criar um clima de comprometimento e alegria no set. Eles ficaram um mês ensaiando com a ajuda fundamental da preparada de elenco e atriz (ela faz a fã no filme) Estrela Strauss. O método de preparação da Estrela fez com que todos pusessem suas verdades para fora nos ensaios e isso transpareceu no filme. Principalmente quando a Camilla volta para o passado. 

Além dos ensaios de interpretação, a Kéfera teve que fazer inúmeros ensaios de coreografia e canto para entrar no personagem e fazer tudo com verdade. A mesma coisa aconteceu com o João Côrtes, que teve que aprender várias músicas para o filme. Ajudou imensamente o fato de ele ser músico de verdade e do filme poder ter contado com a direção musical do Rodrigo Lima que preparou os atores pra cenas de banda. A nossa principal meta, mais do que a música ficar perfeita, era ela soar de verdade. E acho que conseguimos.

Além disso tudo a Kéfera também é produtora do filme. Então ela participava constantemente do processo criativo, dando opiniões e sugestões, sempre de uma maneira bem colocada e respeitosa, em todos os níveis  narrativos do filme que ajudaram muito a história ficar bem contada. 

Trabalhar com a Giovanna Lancelotti foi muito prazeroso. A Giovanna além de ser uma atriz afiadíssima é extremamente profissional. Dentro dos muitos projetos que ela estava tendo ela arrumou espaço na agenda dela para participar dos ensaios. Ela não poupou esforços para seu personagem ficar real. É uma atriz que se joga, não tem medo de se arriscar e se expor. 

Esse comprometimento em contar essa história também se aplicou ao resto do elenco. Acho que pelo fato de a gente ter criado um círculo de confiança tão grande, todo mundo se jogou de peito aberto nos personagens. E com a equipe foi excepcional. Já havia trabalhado em vários outros projetos com boa parte dela e isso faz com que a gente crie um sentimento de trupe intenso. E todo mundo trabalha de forma extremamente colaborativa dando opiniões em todos os aspectos da produção e história. E criar essa parceria sempre faz com que tudo flua melhor. Fizemos tantos projetos juntos que a gente se entende só com o olhar. 

Qual sua expectativa para a estreia? A expectativa é a melhor possível. A Kéfera tem um grande número de seguidores e isso ajuda muito na divulgação. E fazer uma comédia de gênero sobre viagem no tempo que fala sobre assuntos extremamente relevantes e atuais como bullying, amizade e autoaceitação é extremamente atraente e potente. É entretenimento com verdade. E isso, a meu ver, gera muito interesse.