‘Estamos em um tempo muito bélico do mundo’, diz Guilherme Arantes

Leia a entrevista com o artista que apresenta novo disco nesta quarta-feira (28)

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  • Laura Fernades

Publicado em 28 de julho de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Márcia Gonzalez/Divulgação
Capa do álbum A Desordem dos Templários

O cantor e compositor paulista Guilherme Arantes completa 68 anos nesta quarta-feira (28) e, para celebrar a data, escolheu lançar o disco A Desordem dos Templários (Coaxo do Sapo). A data foi escolhida por causa de Marisa Monte, que fez o mesmo em seu aniversário. “Achei uma boa ideia, resolvi copiar”, ri Guilherme, ao telefone. A data foi uma oportunidade, mas o disco já vem sendo pensado há muito tempo.    Da Espanha, onde está isolado desde o final de 2019, Guilherme conta que passou oito meses de cama por conta de uma crise na coluna. Debruçado em livros, passou a compor poemas e letras que foram parar no disco. O lançamento que estava previsto para depois virou um presente de aniversário, mas seu desejo real é fazer um show presencial na Concha Acústica do Teatro Castro Alves.    Claro que quando a pandemia permitir. Baiano de alma, ele e a mulher planejam voltar em setembro para sua casa em Villas do Atlântico, Lauro de Freitas. Afinal, os planos eram passar só quatro meses estudando a cultura espanhola. A pandemia chegou e o resto todo mundo já sabe.     “Sou quase baiano (risos). Vamos voltar para cuidar do nosso dia a dia, visitar os parentes todos, 5 filhos, 4 netos, tenho que fazer shows também. A gente vai fazer esse show de profundidade”, promete. Enquanto isso não acontece, Guilherme está concentrado em oferecer um pouco de afeto, compaixão e humanidade para o mundo com seu disco, já que “as pessoas estão se estranhando”. "Estamos em um tempo muito bélico do mundo", critica.   Na entrevista a seguir, o artista fala sobre a “truculência do mundo”, revela intimidades que disse à mãe em seu leito de morte, diz quais são suas angústias, fala sobre o disco que está disponível em todas as plataformas digitais e sobre o poder desse trabalho que mistura som progressivo e pop romântico. “Acaba tendo um aspecto salvador pra mim, um aspecto redentor”, confessa. Confira.  (Foto: Márcia Gonzalez/Divulgação)  Por que escolheu seu aniversário como data de lançamento do disco?  Quando a Marisa Monte lançou no dia do aniversario dela, achei uma boa ideia. Resolvi copiar (risos). Ela lançou um disco muito bonito, coerente, muito doce, e me inspirou. Meu disco estava pronto e mixado, ia esperar até agosto, mas pensei que era uma boa data. É também uma época que dá sorte, porque você está com um fluxo astrológico favorável. Juntei o agradável ao útil, porque queria fazer o lançamento, estava na hora.    Veio em boa hora, então?  Esse é um ano muito ruim para o entretenimento, porque fica restrito às redes, sem os shows para ancorar. Mas é uma época oportuna para as temáticas que trago, sobre a truculência do mundo. É um jeito meu de reagir. É um disco bastante emotivo, que fala de amor, tem reflexões sobre o papel do amor no enfrentamento das dificuldades, na superação de épocas que são adversas como essa. Para mim, esse disco vem em uma hora boa, porque o mundo precisa dessas mensagens, precisa de ternura, compaixão, de humanidade.   Como a Espanha te inspirou?  Estou em uma cidade onde a humanidade teve inflexões históricas, Ávila é uma cidade medieval. Tem uma referência ancestral muito amarrada na cristandade. Tem todo esse clima da cidade que me levou a fazer uma viagem através do repertório, das músicas, uma viagem espiritual para outras Eras da humanidade, em que já existiam os embates e as truculências. A polarização já é uma coisa milenar. Estava estudando música barroca aqui, e começaram a sair alguns temas, quando tive que ficar de cama e me debrucei mais em livros, comecei a ler e escrever poemas, letras. 

[[galeria]]  O que esse trabalho significa para você?  Acaba tendo um aspecto salvador para mim, um aspecto redentor. Eu vou fazer 68 anos e com a idade você começa a se sentir um pouco deslocado. A questão da juventude já fica relativizada, olha com um olhar diferente - e isso tudo falo na música Nossa Imensidão a Dois. Falo como que, com o passar do tempo, o olhar da gente deixa o passado mais florido, mais enfeitado, quando na verdade era o tempo todo desafiando a gente. Não há novidade nas dificuldades da vida, mas com o tempo acabamos perdoando, ficando com as coisas que interessam, uma memória seletiva.    O disco traz muito afeto, não é?  O disco oferece uma perspectiva do lado afetivo, do lado da compaixão. A minha mãe faleceu no ano passado, então parti para uma declaração em uma das músicas. Isso foi muito forte para mim. Eu tinha uma relação muito bem resolvida, já tinha zerado as pendências emocionais e dizia o quanto ela era importante pra mim, mas foi uma relação muito conflitiva quando era jovem. Então nos últimos dias de vida dela, achei que precisava pedir desculpas por não ter realizado alguns sonhos dela, como o diploma de arquitetura. Tentei jogar isso na música, puxando para o afeto. É um momento de pedir perdão. Ela estava em uma cama, no leito de morte, mas ela ouviu minha música, ouviu minha mensagem, ouviu “eu te amo”. E isso foi muito forte, chorei muito. É um disco muito carregado com essa legitimidade de amor.   Ao mesmo tempo, não deixa de trazer críticas...  É uma reflexão sobre minha angústia com esse mundo dividido, em que as pessoas estão se estranhando muito. A rede social veio amplificar as diferenças das pessoas, veio possibilitar um megafone das suas reivindicações, do seu modo de pensar o mundo, de sua intolerância com o diferente.A proposta do disco, então, é uma busca de pacificar e trazer de volta uma dimensão de humanidade, de compaixão. As pessoas estão muito endurecidas por conta das redes sociais, que trazem uma certa barbárie digital. Todo mundo gritando ao mesmo tempo, então isso nos causa uma angústia.Agora, é um disco sentimentalóide. Não consigo ser um ente político, eu sou sentimental. Comecei minha carreira falando: “Quando eu fui ferido, vi tudo mudar”. Desde então acredito na compaixão e no espírito humano. Então é um disco amoroso, principalmente.   Pode falar mais sobre a escolha do título?  Templário significa um heroísmo, um espírito da utopia humana que faz com que os homens lutem pelas coisas que acreditam, só que em nome da paz e do amor, produz-se a guerra. Estamos em um tempo muito bélico do mundo. O mundo não para de fabricar armas. Também no campo das ideias existe uma sociedade crispada, as pessoas estão com uma tolerância zero, então me cabe criticar. Estamos vivendo uma espécie de Idade Média. O mundo está desse jeito. Perdeu-se o diálogo.   Pretende voltar para o Brasil?  Sim! Temos que voltar ao Brasil, para administrar nossa vida. A gente é da Bahia, a Márcia é de uma família do Bonfim, de origem espanhola, daí é que veio essa minha paixão pela Espanha, por essa cultura. A gente vai voltar no final de setembro, outubro, vamos voltar para cuidar do nosso dia a dia, visitar os parentes todos, cinco filhos, quatro netos. Tenho que fazer shows também. A gente vai fazer esse show de profundidade, com esse disco e músicas famosas. A gente espera tocar na Bahia, na Concha [Acústica] quem sabe. Levar esse show que incorpora coisas do rock progressivo, que é bem da minha geração da década de 70. Eu, depois de velho, vou voltar a ser roqueiro (risos). A gente sente falta dos amigos, da nossa Bahia, tem saudade, né?    Muito tempo longe...  Estamos desde novembro. A gente mora em Lauro de Freitas, em Villas, adora a Bahia, está sempre acompanhando e vendo, inclusive, como a Bahia se comportou de maneira exemplar nessa pandemia. A alegria das pessoas trabalhando nos virotes, uma coisa muito avançada para o mundo assistir. Até mesmo nesses momentos tem um lado afetivo, alegre, positivo de enfrentar. Achei fantástico. Uma das coisas que mais me emocionou foi ver o pessoal dançando em um momento de tanta responsabilidade que era vacinar toda a população. Deu um orgulho danado. Sou um pouco baiano. Nossa alegria não é uma alegria tola. Existe uma sabedoria aí. A gente espera voltar para reencontrar com o público.A gente deseja que as pessoas absorvam um pouco dessa afetuosidade, porque é a vacina mais importante que as pessoas precisam tomar. Uma vacina da alma, de não aceitar o convite da guerra. Essa é a grande lição. Lyric video A Cordilheira (Disponível a partir das 10h de quarta-feira, 28)