'Estamos no caos do começo', diz Pierre Lévy sobre avanços da internet

Otimista, filósofo francês diz que algoritmos são burros e não há por que temê-los

Publicado em 9 de setembro de 2019 às 16:30

- Atualizado há um ano

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Quem for pra conferência do filósofo francês Pierre Lévy nesta terça-feira (10), no Teatro Castro Alves, não vá buscando uma resposta certeira sobre quais são Os Sentidos da Vida, tema da Temporada 2019 do projeto Fronteiras do Pensamento. "Essa não é minha especialidade", avisa ele, que no entanto admite se colocar diante da questão.

Lévy ganhou projeção internacional nos anos 1990, quando lançou livros como A Inteligência Coletiva (1994) e  Cibercultura (1997), em que analisava questões suscitadas pela internet quando a rede de computadores ainda estava nascendo. Para seguir falando dos objetos de sua pesquisa e "não decepcionar ninguém", o filósofo conduzirá a conferência a partir de três temas centrais: linguagem, comunicação e internet.

"Em vez de responder qual o sentido da vida, vou dizer como nós, humanos, fazemos para construir esse sentido. A ideia é refletir sobre essa ferramenta extraordinária que é a linguagem, que nos permite contar, perguntar, dialogar e também agir sobre a realidade extralinguística", explicou ele durante conversa com jornalistas na manhã desta segunda-feira (9), no Wish Hotel da Bahia. 

Para o filósofo, é preciso pôr em perspectiva alguns temores e avaliações negativas em torno do poder transformador da internet. No caso do poder dos algoritmos e das fake news em um país como o Brasil, idem. "É preciso recolocar essas questões. Lembrar que não somos feitos biologicamente para ler e escrever, e sim para falar. Eu tenho uma má notícia para vocês: digo coisas muito boas sobre a linguagem, mas com ela veio também a mentira e o erro. Lembram do ditado? Errar é humano! Nossa capacidade de se enganar, e também de mentir, continuará existindo, como sempre existiu, mesmo antes da internet", avalia.

É nesse sentido que a educação ganha centralidade em suas reflexões. "A solução para esses problemas é que desde a escola primária ensinemos e aprendamos que há uma diversidade de fontes, com interesses específicos, para as quais devemos olhar com cuidado e criticidade a fim de progressivamente construir um modelo de mundo, e melhorá-lo continuamente", acredita.Devemos manter nossa fé! Vamos continuar otimistas! Trabalhemos pela educação e pela iluminação, sem imaginar que a manipulação irá desaparecerVinte e cinco anos depois de lançar A Inteligência Coletiva, no qual apresentava pontos positivos do advento da internet, ele segue mantendo o otimismo. "Muitos leram como uma predição, e não era. As pessoas que controlam a revolução digital não são pessoas que pensam a inteligência coletiva, elas têm um modelo de negócio baseado na publicidade. Então, é necessário dar aos clientes aquilo que eles têm vontade de ver. Isso é que vai produzir dinheiro. Se você entende isso, você vai e dá um like em conteúdos que não são apaixonantes pra você, de modo a confundir o algoritmo e fazer com que a informação que chega até você seja mais variada e diversa. O algoritmo é muito burro", adverte.

Em suas reflexões, costuma pensar a história em um fluxo de longa duração. É assim, que se livra de certa ansiedade comum aos tempos de incertezas. "Não esqueçamos que estamos bem no início dessa revolução. Há 20 anos, havia menos de 1% da população mundial conectada à internet. Hoje, temos cerca de 60% conectada. Essa mudança toda aconteceu em menos de uma geração. Estamos no caos do começo", pondera, ao elencar as possibilidades de educação à distância e gratuita, a manutenção de vínculos afetivos através das redes sociais, dentre outros benefícios.

Algoritmos Em texto publicado recentemente em seu blog, Pierre Lévy questiona se a inteligência artificial vai ser capaz de assumir o poder.

O texto é derivado menos de uma crença dele de que isso seja possível, e mais da frequente pergunta sobre o quão poderosos são os algoritmos. Para ele, a discussão deve começar pelo entendimento de que os algoritmos são resultado do trabalho de equipes, que podem estar bem ou mal intencionadas. "Os grandes princípios da ética algorítimica são a transparência, a justiça, a ausência de viés, a responsabilidade, o respeito à vida provada, que são princípios válidos para qualquer coisa, não são específicos dos algoritmos. Não há nada de especial nisso, a nãoser que imaginemos que eles são autônomos...", afirma.

Os algoritmos são burros porque, segundo o filósofo, exigem manutenção constante para operar de forma consistente. "Eles não têm nenhum poder sobre si mesmos. É como a história das armas ou do carro que se envolve em um acidente. É a pessoa por trás que promove aquela morte, não é o objeto em si. É ela quem deve ser responsabilizada. Claro que tudo isso pode e deve ser regido por regras éticas, pela cultura, pela legislação", diz.