'Estou literalmente aos prantos', diz Letrux sobre novo álbum

Lançamento de Letrux aos Prantos coincidiu com o sinal vermelho para o coronavírus no Brasil

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  • Da Redação

Publicado em 26 de março de 2020 às 06:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Ana Alexandrino

Há duas semanas, quando lançou o álbum Letrux aos Prantos (Natura Musical), a cantora carioca Letícia Novaes não imaginava que tanta coisa mudaria no país e no mundo. O sentimento que a impulsionou a fazer o disco, no entanto, permaneceu e, em certa medida, até se intensificou nos últimos dias. "Estou literalmente aos prantos", resume sobre a pandemia do coronavírus e a sensação estranha provocada pelo isolamento social.

Letrux sabe que há momentos importantes de introspecção, e se permitiu vivê-los de forma intensa no último ano, enquanto produzia  o disco. Abalada com as notícias e mergulhada em emoções, chorou. "Chorei muito no último ano – e toda vez que chorei foi importante, foi emocionante", diz. Letrux durante gravação do clipe Déjà Vu Frenesi (Foto: Divulgação) O álbum, que sucede o premiado e elogiado Letrux em Noite de Climão, de pegada dançante, convida quem ouve a mergulhar nas profundezas sentimentais e a chorar junto com ela se for preciso."Há pessoas que permanecem no raso, na superfície do deboche, do cinismo, tenho bastante preguiça e meu santo não bate com gente assim. Gosto de gente honesta com as emoções. Sejam elas quais forem", explica. 

Cada uma das treze canções de Letrux aos Prantos foram inspiradas por essa constante fuga do estado emotivo que acomete a humanidade. Em um dos versos, presentes já na primeira faixa do disco, a cantora avisa:  "Se organizar direito, todo mundo chora".

Aliás, assim como no trabalho anterior, chamam atenção as frases-achados, que de tão cirúrgicas e reveladoras parecem de domínio público."Sou muito atenta ao que está em minha volta. Não gosto muito de viajar de fone de ouvidos porque tenho medo de perder alguma frase absurda que alguém possa falar e isso pode me servir de inspiração", diz.

Curiosa desde a infância, Letrux conta que sempre foi natural formular o que via desse modo curto e direto. Ter uma mãe professora, que sempre a estimulou a ler e escrever, com certeza entra na conta também. "Com os anos fui entendendo o poder da edição, de guardar uma frase pro futuro, fui entendendo como administrar minha poesia, já que na juventude era mais solta com isso. Não que eu só escreva pensando em trabalho, mas com a idade, minha organização da dinâmica da minha linguagem foi se aprimorando", diz sobre seu processo criativo.

O que entra e o que fica de fora em cada trabalho ela vai sentindo com o tempo. "A intuição me guia muito bem. E o arrepio confirma", acredita.  Capa traz uma pintura que reproduz o rosto da cantora em momento de forte emoção, pelas tintas da artista visual Maria Flexa sobre foto de Victor Jobim Nas redes sociais, o público comprova ter entendido o recado. "Parece uma massagem. Dói, mas ajuda a relaxar", diz o comentário de um fã no YouTube, onde o álbum foi disponibilizado na íntegra na sexta-feira (13). "Por acaso vi esse comentário, achei bem curioso, como alguns outros. Minha vida é bem tragicômica, então meu trabalho reflete um pouco isso. Dor e relaxamento, riso e choro, comédia e tragédia. Todas as antíteses cabem no Aos Prantos. Não tem muito equilíbrio", avalia. 

Quem ouviu Letrux em Noite de Climão, vai perceber que permanece ainda uma sonoridade difícil de classificar, repleta de referências dos anos 70, 80 e 90, só que agora mais densa. "É uma evolução da nossa união. Estamos juntos há 3 anos, gostamos muito de ensaiar, de tocar, de brincar. Sou cercada de músicos e musicistas excelentes", comemora.

Sempre muito bem acompanhada, Letrux contou com as participações especiais das cantoras Liniker em Sente o Drama (Letícia Novaes e Thiago Vivas) e Lovefoxx, do grupo Cansei de Ser Sexy, em Fora da Foda (Arthur Braganti, Letícia Novaes, Lourenço Vasconcellos e Thiago Rebello). E o saxofonista Lucas de Paiva é o músico convidado em El Día Que No Me Quieras (Arthur Braganti e Letícia Novaes).

Faixa que abre o trabalho, Dejá Vú Frenesi foi a primeira a ganhar um clipe. Dirigido pela amiga Clara Cosentino (Noite Estranha, Geral Sentiu), o vídeo tem como referência maior Marina Abramovic. Segundo Letrux, a ideia não era contar uma história com roteiro fechado, mas colocar nele cenas e situações ela e diretora amam: mar, observatório de astronomia, pedras - tudo isso com uma dose de mágica e surrealismo.

A turnê, que começaria em São Paulo ainda este mês teve de ser adiada por conta do coronavírus, sem data prevista para o retorno. "Tudo está em suspensão. Torço para que haja cura, solidariedade, compreensão da população (uma pena o presidente ser esse ser imaturo e inconsequente). Mas fico honrada das pessoas estarem me ouvindo na quarentena. Minha voz está sendo companhia de muitos. Isso é emocionante", afirma. 

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Todas as canções são inspiradas em uma "espécie de fuga do estado emotivo" cada vez mais comum à humanidade. Nesses tempos de quarentena, esse sentimento que mobilizou você em Letrux Aos Prantos parece estar ainda mais latente. Como você enxerga a si e ao mundo nesse momento?

Estou literalmente aos prantos. O acaso não é por nada. Bastante preocupada com a humanidade, com um governo genocida que não compreende a gravidade da situação, muito triste com o silêncio dos bancos bilionários nesse momento que o mundo precisa tanto de solidariedade. Sou mística e entendo que o momento pode ser um portal para um novo estilo de vida, mas sei bem que os que se julgam donos do mundo não estão nem aí. Teve empresário que disse "a economia não pode parar porque vão morrer 7mil pessoas", asqueroso. Me conecto muito à minha emoção, e não tenho medo da sombra. Ser só de luz, essa positividade compulsória estilo autoajuda também não me soa bem. Há momentos importantes de introspecção. Há pessoas que permanecem no raso, na superfície do deboche, do cinismo, tenho bastante preguiça e meu santo não bate com gente assim. Gosto de gente honesta com as emoções. Sejam elas quais forem. 

Qual a sensação de tudo ter se modificado e permanecido em apenas uma semana? Ah, uma sensação estranha. Literalmente rasgamos um cronograma de shows, agenda, tudo. Claro que não estamos sozinhas nessa, todos estamos passando por tudo isso. Tudo está em suspensão. Torço para que haja cura, solidariedade, compreensão da população (uma pena o presidente ser esse ser imaturo e inconsequente). Mas fico honrada das pessoas estarem me ouvindo na quarentena. Minha voz está sendo companhia de muitos. Isso é emocionante. 

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Nascemos chorando, não é curioso isso ser nossa primeiro ato/gesto fora da barriga? Chorei vendo Jornal Nacional, chorei com números alarmantes, seja das mortes ou dos desempregos. Lágrimas caíram pensando que minhas plantas vão morrer (não estou em casa). Chorei escrevendo um email mental para a proprietária do meu apartamento, já prevendo um sufoco. Me debulhei pensando no colapso. Me debulhei lendo que o governador do Rio prevê caos para daqui a 15 dias. Chorei de raiva pensando nos bilionários do mundo. Chorei com ódio lembrando dos donos de bancos. Fui aos prantos lembrando que sexta passada era o nascimento desse disco que foi feito com tanta verdade e delírio. Tem uma semana e parece um mês. "El tiempo es un invento elástico", como eu canto na música em espanhol do disco. Elástico mesmo. Nasci chorando e choro pra dedéu. Sempre incorporei a revolta no corpo. Apesar de ser em Libra, tenho Marte na casa 1, o que me confere até alguns problemas, preciso ter cuidado ou saio da diplomacia pra queda de braço em 1 segundo. Sempre fui do choro. O que o corpo não aguenta e libera é muito forte. Lágrima, suor e gozo. Que força. Esse momento é de extrema importância para a humanidade (oi, bilionários! oi, banqueiros!) mas ainda estou assombrada, quem não? Aos poucos vou entendendo esse lançamento em meio ao confinamento mas por hora nós (banda + eu) não queremos fazer live, estamos sentindo, entendendo, ainda vamos ficar muito tempo nessa situação, haverá tempo ainda. Mais pra frente, quem sabe? Gostaria de estar mais animada, até acredito que conseguirei migrar para esse lugar mas no momento estou sentida. Preocupada com meus semelhantes. Vislumbrando que os que se julgam "donos do mundo", despertem. Muita coisa tem que acontecer depois disso.

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Chorou muito esses dias? Como está sua quarentena? Minha quarentena está sendo igual a de todos, sinto. Muita tristeza com momentos de descoberta de afazeres que há muito não tinha: estou fazendo um tapete (aprendi com minha avó). Cozinhando muito, lendo. Mas com momentos tristes vendo o noticiário, sabendo que amigos foram demitidos, tentando ajudar pessoas que tem menos que eu. Oscilo muito. Choro um bocado. Aí vejo um filme, falo com amigas, rezo, melhoro. 

Letrux Aos Prantos nada mais é que um manifesto intimista e íntimo... É doloroso se expor tanto? Já foi mais. A idade me liberta muito, amo ficar mais velha, sou capricorniana absoluta. Me aproximo de uma liberdade muito boa e fluída que a juventude não me permitia, por timidez, paranóias, grilos. Só tenho esse caminho mesmo, trabalho com intimidade, então faço análise, frequento terreiro, Reiki, astrológo, o que for, pra me investigar, me curar. E conseguir seguir. O seguir é muito importante.

A turnê de Noite de Climão se encerrou em Salvador, em outubro, e você já tinha shows de estreia do Letrux aos Prantos previstos em SP e RJ nos próximos dias.  Gosta de estar nos palcos? Qual seu desejo quando puder voltar a eles e encontrar seu público frente a frente? Amo estar no palco, sempre tenho um pouco de medo dele mas amo imensamente, é um medo que me catapulta. Meu desejo é que haja muita celebração e força. Que haja uma comunhão linda entre nós: público & banda. Vai ser um reencontro muito forte.

Salvador está (ou estava) entre as cidades dessa primeira leva de shows? Não sei se estava logo de cara, mas iríamos esse ano sem dúvida! Não sei como tudo vai ficar agora, ainda estamos entendendo tudo.