'Estou sofrendo execração pública', diz professor demitido após polêmica no WhatsApp

Marivan diz que perdeu 70% dos seus alunos do cursinho pré-vestibular onde ensina

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 14 de novembro de 2018 às 13:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Demitido do Colégio Antônio Vieira (CAV) após uma polêmica em um grupo de WhatsApp, onde alunos escreveram mensagens de ódio contra mulheres e índios, o professor de química Marivan Santos divulgou uma carta onde faz um longo desabafo e alega sofrer o que chama de “execração pública”. O profissional declara ainda que, desde o acontecimento, vem acumulando perdas morais e financeiras. Inicialmente, ele negou a demissão ao CORREIO e disse que pediu afastamento por tempo indeterminado.

O CORREIO entrou em contato com o professor, que disse que só se manifestaria através do seu advogado, Leite Mattos, que também é amigo pessoal de Marivan. Segundo o profissional, seu cliente está passando por um momento dificílimo e “está muito deprimido”. Por telefone, ele afirmou ainda que, além de ser demitido, o docente já perdeu cerca de 70% dos alunos do seu cursinho preparatório para estudantes que desejam ingressar no curso de medicina.

Na sexta-feira passada (9), Marivan também disse ao CORREIO, em entrevista por telefone, que daria um tempo da sala de aula e se dedicaria a dar consultorias na área de tecnologia de alimentos em uma empresa privada, cujo nome preferiu não informar, e também de forma particular. 

Procurado pela reportagem, o Colégio Antônio Vieira voltou a afirmar que não fará mais nenhum posicionamento público sobre o caso.

De acordo com Leite Mattos, o professor enviou a carta para o Ministério Público e colocou o seu celular pessoal à disposição para ser periciado e provar que não teve qualquer envolvimento com o grupo, onde também foram trocadas mensagens de apoio à tortura e foram feitas ameaças a uma professora do colégio.

“Ele quer dar a oportunidade para que provem todas as acusações que estão sendo feitas”, comenta o advogado.

Ao CORREIO, Marivan disse que foi incluído no grupo batizado de "Direita CAV" no dia 17 de setembro e saiu dois dias depois. Mais tarde, segundo ele, quando já não era mais membro, os alunos mudaram para o nome "Direita Delirante".

Fora da formatura Leite Mattos disse que, além dos problemas causados pela polêmica, o professor de química também foi proibido de participar das comemorações de formatura da turma do terceiro ano do ensino médio do Vieira. Na terça-feira (13) aconteceu a missa e Marivan só compareceu porque foi como convidado do seu advogado - o filho dele é aluno do colégio e se forma neste ano.

Nesta quarta-feira (14) acontecerá a colação de grau dos alunos. Em nota enviada por e-mail (leia aqui na íntegra), Leite Mattos diz ainda que a coordenadora do Colégio Antônio Vieira, a professora Cristina Cardoso, enviou uma mensagem proibindo Marivan de comparecer.

De acordo com ele, seu cliente recebeu a seguinte mensagem: "Bom dia! Concordo que realmente não tem clima para você estar presente. Acredito que seja o momento de preservar a imagem e seguir em frente. Em consulta ao Conselho Diretivo fomos orientados que comunicasse a você que não participe da solenidade”.

O CORREIO tentou contato com Cristina através da assessoria de imprensa do CAV, que informou que ela não quer se manifestar sobre as acusações.

Confira a íntegra da carta divulgada pelo professor Marivan:"Meus amigos, meus alunos e minha família

Tenho a obrigação de esclarecer a sociedade baiana a execração pública que estou sofrendo sem ter cometido sequer um deslize, tanto como professor, como também na condição de cidadão. Em data de 19 de setembro próximo passado, enquanto aguardava servir o jantar, abri o whatsapp, naquele momento tive uma surpresa bastante desagradável, alguém dizia o seguinte: “O candidato de Marivan é rola”, com o impacto da agressão fútil e constrangedora respondi o seguinte: “meu candidato é minha P”; que naquele momento fiquei muito irresignado com a injusta agressão, até porque desconhecia que tinha um candidato que postulava um cargo eletivo com esse nome, e naquele momento levado pela irresignação da agressão que sofri, na mesma hora saí do grupo, do qual fui adicionado sem meu consentimento.

Desejo informar a todos os meus alunos, aos pais do Colégio Antônio Vieira e a sociedade como um todo que nunca fiz parte desse grupo de whatsapp e logo em seguida a tomar conhecimento da afirmação postada no grupo a meu respeito, comecei ser vítima de um discurso de ódio, calúnia e difamação e a sofrer prejuízos morais e financeiros, e fui demitido injustamente do quadro de professores do Colégio Antônio Vieira, onde trabalhei por duas décadas.

Daí, disponibilizo meu aparelho celular para qualquer perícia, porque jamais fiz algum comentário que atingisse qualquer cidadão, seja: heterossexual, homossexual, bissexual, ou por sua opção religiosa, opção política, negros ou índios. Compreender é difícil!!! Sobretudo quando pautei a minha vida sempre buscando como minha principal atividade a educação, sempre tive um bom relacionamento com a direção do Colégio que ensinei por tantos anos, em que fui membro da comissão dos professores por mais de 10 anos e atual diretor da associação de pais e mestres.

Sou pai de uma filha que está sofrendo, juntamente com sua mãe, minha mulher, por um discurso de ódio e calúnia contra a minha pessoa, e proponho que seja realizada uma investigação profunda por parte do colégio e do Ministério Público. A execração pública que estou sendo vítima extrapolou a portaria do colégio e hoje se tornou uma matéria nacional, e que necessita que seja buscada a verdade real, não para me proteger, porque minha vida já está destruída, mas para dar tranquilidade aos professores baianos para que possam continuar fazendo educação com a certeza de que não serão vítimas de um discurso de ódio, de injúria, calúnia e difamação.

Compreender é difícil!!! Prometi aos meus amigos e minha família que não vou responder as calúnias de quem quer que seja, entretanto contratei os escritório profissional do Dr. Leite Matos para que conceda a oportunidade a todas as pessoas que estão me difamando que provem na justiça. 

Att. Marivan José Santos, professor demitido do Colégio Antonio Vieira".

Relembre o caso “Eu tenho vontade de dar uma paulada na cabeça dela”, “Tortura essas p*** dando 5 facadas logo”, “Que tal mandar os bandidos pras reservas indígenas? Aí eles se matam e matam os índios também”, “Índio é inútil, só serve pra ter feriado”. Todas essas mensagens foram escritas por estudantes do Colégio Antônio Vieira (CAV), uma das instituições mais tradicionais de Salvador, em um grupo de WhatsApp batizado de "Direita Delirante", que conta com cerca de 120 membros.

Estudantes da rede particular de ensino trocaram mensagens com conteúdo ofensivo a mulheres e indígenas, além de fazerem ameaças a uma professora. 

Na noite de terça-feira (6), quando tomou conhecimento do conteúdo, o CAV emitiu uma nota de repúdio. “Os conteúdos são contrários aos princípios cristãos, que norteiam a nossa prática educativa”, diz a instituição católica, que tem 107 anos de fundação.

Coordenador pedagógico do ensino médio do Vieira, José Teixeira Neto conversou por telefone com o CORREIO e afirmou que a direção do colégio vai “apurar melhor o fato e decidir o que fazer”. 

“Começamos a averiguar as responsabilidades dentro desse grupo de WhatsApp. Quem são os autores, quem interagiu. Precisamos detectar o nível de responsabilidade de cada um dos participantes para aplicar as devidas sanções. Felizmente esse pequeno grupo não representa as juventudes que trabalhamos no colégio, tampouco a juventude baiana e brasileira”, garantiu o coordenador, que é conhecido como Zelão pelos estudantes.

Ele acredita ainda que punir não é a única atitude que a instituição precisa tomar. Como o Colégio Antônio Vieira faz parte da chamada Rede Jesuíta de Educação, presente em escolas espalhadas pelo mundo todo, o coordenador considera fundamental que os valores pregados pelo colégio sejam reforçados e que haja mais investimento na formação dos alunos como seres humanos, para que eles assimilem melhor o discurso de paz e respeito pregado pelo local onde estudam.

“Nossa escola não está fora do mundo. Vivemos em um momento de acirramento e essa questão fatalmente iria acontecer por aqui. Eles [os alunos] não agiram partidariamente, mas assimilaram um discurso que diz que eles podem falar qualquer coisa, inclusive agredir outras pessoas", analisa o coordenador.

"As equipes técnicas do colégio e o corpo docente precisam ampliar o trabalho formativo com os valores humanos. Não é uma questão de tolerância, é questão de respeito”, completa.

Confira a nota do CAV na íntegra:"O Colégio Antônio Vieira externa o seu repúdio às mensagens ofensivas postadas no grupo de WhatsApp por alguns alunos, que chegaram ao conhecimento da Direção nesta semana. Esses conteúdos são contrários aos princípios cristãos, que norteiam a nossa prática educativa. Estamos apurando o ocorrido com alunos, familiares e educadores a fim de elucidar a questão, visando tomar todas as providências cabíveis diante dessa situação lamentável. Ratificamos que os discursos desse grupo não representam os princípios da nossa comunidade educativa. Reafirmamos o nosso empenho em prol da formação de cidadãos comprometidos com valores éticos e com a transformação da nossa sociedade.  Atenciosamente, Direção do Colégio Antônio Vieira".

Especialistas Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Telma Brito se dedica a pesquisas sobre ódio nas redes sociais. Pedagoga por formação, ela ressalta que a escola não pode ser a única responsável pela educação de crianças e jovens, e aponta que a sociedade vive um extremo período de polarização.

Telma diz ainda que é necessária a participação dos pais ou responsáveis no processo formativo de qualquer pessoa. "A escola vai precisar trabalhar mais ainda os valores que ela acredita. E tem que incluir as famílias, os pais ou responsáveis. Tem que chamar a comunidade para dentro da escola, para dentro do assunto. Não será possível solucionar só com os estudantes. As famílias precisam ser incluídas nessa conversa”, orienta a especialista.

Segundo a professora, o episódio ocorrido no Vieira pode ser enquadrado em um conceito chamado de “desengajamento moral”, uma teoria escrita pelo psicólogo canadense Albert Bandura que aponta a existência de um deslocamento de responsabilidades, aliado à ideia de que não é necessário assumir ou responder por aquilo que é dito, principalmente nas redes sociais.

“É preciso entender que as redes sociais quebram quase completamente a noção de privacidade. Mesmo em um grupo restrito, informações podem vazar com um simples print e qualquer coisa que se fala fica exposta", alerta Telma Brito.

"Tanto os adolescentes, quanto qualquer pessoa, precisam compreender que uma palavra dita pode ser vista em diversos lugares, e que há consequências a serem pagas”, completa.

Insatisfação dos pais Os pais dos estudantes do Colégio Antônio Viera ficaram insatisfeitos com as medidas adotadas pela instituição para punir os alunos que divulgaram mensagens de ódio através das redes sociais. Em carta encaminhada para a escola, eles pedem que a ações sejam revistas e dizem que os comentários foram “blefes de adolescência”.

Na carta, os pais questionam a decisão da escola de não renovar a matrícula dos estudantes que propagaram as mensagens e de excluir da solenidade de formatura aqueles que estão no último ano do ensino médio. Os pais disseram que divergem do posicionamento do colégio e apelam para o bom senso da instituição.

Eles disseram também que os adolescentes estão reproduzindo um discurso de ódio da própria sociedade e que não tinham noção da dimensão do que diziam. “Quem não fez o mesmo na adolescência, que atire a primeira pedra”, diz a carta.

Confira a carta na íntegra:Salvador, 12 de novembro de 2018 Colégio Antônio Vieira Ilustríssima Senhora Diretora e Conselho Acadêmico

Na qualidade de Pais e alguns Ex-Alunos dessa conceituada instituição de ensino, apresentamos o presente MANIFESTO, o que fazemos nos seguintes termos:

De início, divergimos do posicionamento adotado pelo CAV, no tocante a exclusão de alguns alunos da festa de formatura do 3º. Ano e proibição da renovação matrículas para o ano letivo de 2019 de outros, em flagrante dissonância com os ensinamentos cristãos de amor, acolhimento e perdão.

Nessa linha, APELAMOS para o bom senso desta digna e centenária Instituição de Ensino, a fim de que seja RECONSIDERADA a decisão adotada, face os pontos abaixo descritos:

Temos jovens de 14 à 17 anos, que reproduziram, em um GRUPO FECHADO de whatsapp, um discurso de ódio, que eles viram em políticos, celebridades, parentes adultos e na sociedade de forma ampla;

Esses adolescentes, obviamente, não tinham noção da dimensão do que diziam, “blefes” de adolescência, uma forma de auto afirmação típica da idade, exatamente, para chamar atenção, chocar, posar “do contra” dentro de um grupo de colegas, os quais não chegaram nem perto de sequer levar essa ameaça à um nível mais sério. E, quem não fez o mesmo na adolescência, que atire a primeira pedra. Sendo, a sorte dos adolescentes daquela época, justamente, a inexistência de  redes sociais, em especial, WhatsApp ;

Esses jovens, em formação, tiveram  prints de suas conversas do grupo vazados, propositadamente, com o intuito de prejudicá-los ( se fosse para educá-los seria mantido no âmbito da escola) e estão sendo submetidos a um julgamento público, cruel e, principalmente, utilizados como “bode expiatório” por uma imprensa sensacionalista que, a título de ampliar seus níveis de audiência, instiga o ódio político partidário por se tratar de alunos de escola particular ditos de “direita”;

Isso seria justiça ou revanche? Talvez, e provavelmente, esses adolescentes, pela falta de maturidade, contaminados pela polarização política pre eleição, possam não ter realmente a noção da gravidades das colocações e precisem aprender mais sobre o mundo. Entretanto, não são criminosos, tiveram sua formação escolar no CAV desde remota idade, boa índole, queridos pelos colegas e não merecem ser tratados dessa forma, julgados por um fato pontual, sem levar em consideração  o contexto temporal dos acontecimentos externos e internos.

Entendemos que eles devam receber uma repreensão, mas dentro de um critério de proporcionalidade e razoabilidade do que realmente fizeram. De fato, foram mensagens negativas, todavia produzidas por menores em um grupo FECHADO, nada mais que isso. Não chegaram, nem perto, de levar essa suposta ameaça a um nível mais relevante.

Face ao exposto, acreditando que o diálogo e o bom senso prevaleçam, que sejamos mensageiros da paz e da harmonia,  apelamos pela defesa da proporcionalidade e da razoabilidade das punições, pautados nos ensinamentos Inacianos, por se tratar do fechamento de um ciclo desses jovens (não simplesmente uma festa de formatura) e a continuidade dos estudos junto a seus colegas, que levem a reflexão, arrependimento e mudança de atitude, a fim de evitarmos a implantação da INJUSTIÇA e de possível sensação de remorso futuro. Pedimos deferimento,

Procurada pelo CORREIO, a assessoria do Colégio Antônio Viera informou que a instituição vai manter o posicionamento divulgado na semana passada e que não comentaria o caso.

* Sob supervisão da subeditora Fernanda Varela